desorientada / empurrada…

Desorientada / ou atordoada, menos frio, menos rumo, mais incomodo, mais não sei exatamente o quê. Vou caindo / resvalando, e, também segurando as paredes, as dores, ou o enjoo. E pode ser nada, sendo tudo. Reagir seria o correto, mas este agir, este fazer acontecer tem um peso inesperado, doído. Abrir o livro certo, mas qual? As leituras picadas, inquietas. Palavras deslocadas, cores misturadas, não é definido, mas enjoado.

PARAFERNÁLIA PARA HÉLIO OITICICA

[…] 2.

o amarelo

os elos do amarelo

o vermelho

os espelhos do vermelho

o verde

os revérberos do verde

o azul

os nus do azul

os martelos do amarelo

as veredas do vermelho

os enredos do verde

os zulus nus do azul

os brancos elefantes do branco

(p.85-86) Haroldo de campos /a educação dos cinco sentidos

Estás em Porto Alegre / não estou em lugar nenhum. Sem voz, ou aos gritos, tento chegar, não consigo, não estou, estás. Tenho me arrastado nas tentativas de chegar / ser, como vou te explicar, cansada das tentativas. Exausta. Penso na idade como um marco. Os vinte justifico, os trinta sonho desvairada, aos quarenta realizo, plena, depois, depois é sempre depois. A vida se alonga/segue/se compõe esdrúxula. Eu cansei. Ou a doença cansou, ah! Tenho mesmo a mania/o vício de agarrar as doenças que justificam, descrevem o que não faço: vejo nublado, e parece bom.

As notícias, o que deve acontecer em outubro, como novembro será calor / ou ventoso, o silêncio, o mar ruidoso e tão quieto neste cinzento, deve rebentar em verde em força, em poder. O que será mesmo que vai acontecer?

Pois, para além da dificuldade de comunicar aquilo que se é, há a suprema dificuldade de ser aquilo que se é. Esta alma, ou a vida dentro de nós, não combina absolutamente com a vida fora de nós. Se temos a coragem de perguntar-lhe o que ela pensa, ela está sempre dizendo o oposto do que as outras pessoas dizem. (p.15) Virginia Woolf O sol e o peixe

Tinha eu / tenho eu o lado infantil e ativo de ficar a me descrever, a olhar mil vezes o mesmo lado, ou esquecer o que fiz ontem, ou há duas horas atrás, ou ainda encontrar o motivo de fazer/agir/dizer isso ou aquilo… Esta coisa de viver entre muros, sem janelas, no meio da chuva imaginar o sol. Atrás do livro, da página, dos velhos escritos, ou da música perdida, o piano. Por que não estou inteira nas sonatas, nos exercícios fáceis do solfejo. E os lápis de colorir, aquele desenho fácil, a casa, a árvore, as flores de três pétalas, a menina com chapéu, um olhar brejeiro e outra folha. Segue Woolf no mesmo ensaio:

O homem que está consciente de si mesmo é, a partir daí, indepedente; e nunca está entediado, e a vida é apenas curta demais, e ele está impregnado de uma ponta a outra de uma profunda – ainda que comedida – felicidade. Ele, sozinho, vive enquanto outras pessoas, escrevas da cerimônia, deixam a vida passar por elas numa espécie de sonho. Conforme-se uma vez, faça uma vez o que outras pessoas fazem porque elas o fazem, e uma letargia toma conta, lentamente, de todos os nervos e todas as capacidades mais delicadas da alma. Ela se torna toda espetáculo e vazio exterior;embotada, insensível e indiferente.” (p.16-17)

Indiferente e insensível, mas dolorida. O corpo inteiro reclama, e aquela tristeza miúda me acomete, silenciosa, cansada de justificar, acalmar, explicar. Ah! Como a vida pode ser um elástico velho, sem pressão, sem prender, apenas estica, não prende. Se eu pudesse voltar a mexer nas panelas, encontrar gosto e sabor. Bebericar: sentir ora o sal, ora o doce guloso, e te beijar. Bem, vou tentar caminhar um pouco mais, sentir este sol que transborda hoje, e já me assunta no verão. Pois é. Indefinida eu sou.

Os pequenos e grandes textos, nos grandes gestos cansados, nas vontades desfeitas. Esta pressão de bobagens, de promessas emparedadas. Desejos desfeitos! Aonde escondi o desejo ardente que eu sentia/tinha por ti… Volta. Não me esquece. Estende a mão, ainda tenho dezoito anos: dança comigo. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

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