sapateado na minha cabeça

Chegaram ontem para esticar a festa com cantos e brincadeiras hoje / este apartamento se transformou em calçada, em festinhas com correrias, balões, risadas e jogos! São os adultos ou as crianças que fazem mais barulho!? O batalhão completo! E assim o meu dia se estica a imaginar o que acontece dentro da barulhada…deve ser alegria! Deve ser esquecimento! Deve ser usufruir um bom espaço! Resolvo escrever, não fui convidada para a algazarra! Aliás, nem sei quem são… hoje é difícil saber quem é quem. Os jovens se casam com aparências instantâneas, feito Nescafé -, uma mistura rápida, sem erro, ou completamente ruim…enfim!

E eu abro os livros já lidos, interrompo a leitura, sou viciada no silêncio -, ao menos de vozes humanas. Não posso interromper o trânsito, posso interromper as pessoas…, mas estas (do apartamento do terceiro andar) gritam e estão na minha cabeça, arrastam cadeiras, e dão risadas: festa!

Preciso de toda a imaginação, todo o imaginário! Será preciso inventar com todas as forças, até as impossíveis, dominar os sentimentos e acalmar o espírito.

Nada vale a pena ser vivido se não for antes de tudo uma obra da imaginação. Aquele noivo primeiro, eu inventei, e como foi mesmo uma péssima invenção, segui na fantasia, no imaginário de sublinhar um casamento. E me casei. Mas não sendo completo apenas casar comecei a inventar filhos! Entrei na história! Inventei um marido, um pai para meus filhos, não interrompi o sonho e ele também começou a inventar o enredo de ser feliz, de estar ora em Carangola, ora em Petrópolis, ou Rio de Janeiro, Porto Alegre, Torres, Viúva Lacerda -, a nossa rua ladrilhada de pedrinhas coloridas… Ficamos extraordinários aos olhos um do outro. Na vida em comum, aprende-se realmente a não se ver, a se inventar e reinventar a cada dia que passa. É claro, sempre é preciso ver as coisas como elas realmente são. Mas é para melhor torcer-lhes o pescoço. A civilização, aliás, não é senão uma forma de contínua de torcer o pescoço das coisas como elas são…Ufa! Preparo lembranças! Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2022 – Torres

esfola da calúnia

Que os homens possam refletir: o mundo se contorce entre erros e acertos, é claro, mas quanta dificuldade para atravessar o que deveria ser o justo olhar, não ganância e vaidade de poder, não exibicionismo, mas justeza: a cada um sua vez de fazer acontecer, quanta prepotência! Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2022 – Que pensar não seja uma pedra que nos leve ao fundo do mar, mas seguir fazendo o que espantamos tentando fazer: melhorar, sair de um mergulho nefasto que durou doze ou quase treze anos…

Tempestades não se forjam: nascem espontâneas do céu, do ar, das vagas, da luta entre as realidades supremas da natureza, entre os elementos agitados, quando se eletriza a atmosfera, quando o oceano não cabe nas praias, quando os horizontes se carregam de negrumes e os ventos varrem desatinados o globo. Não as desencadeia o sopro de um homem, por mais que ele suponha os pulmões e as bochechas […]

Há uma coisa muito mais forte que o capricho das crueldades politicas: é a opinião pública de uma nação livre, próspera, feliz, moralizada; é a evidencia solar da verdade, quando ela resplandece como o amor da paz, o instinto da humanidade e a aversão a guerra no caráter de dois povos irmãos. (p.120-121)

coisas de RUI BARBOSA

A calúnia, a velha borregã posta ao serviço de todas as causas pudendas, a comadre imemorial da improbidade e da inveja, a sórdida alcoveta das torpezas do histerismo dos partidos, a ladra concubinária do jornalismo trapeiro, a sinistra envenenadora da honra dos estadistas e dos povos. (p.65) RUY BARBOSA – Esfola da Calúnia –

a volta precisa ser completa…

Coisa, coisa colorida, sentimento a gritar, aflito: pedaços se esparramam no desespero de espaçadas aflições. Caminhar, caminhar e chegar ao mar, olhar outra vez, deixar esta aflição… Tão forte a revirada! Se alargam os objetos, e ,se perdem. Sobreviver se alinha na vontade. Vai passar… Preciso alinhar o tempo na imaginação, contar a história repetidas vezes, sempre a mesma, somos os mesmos, apenas envelhecemos e repetimos / reviramos velhos sentimentos! Curiosamente rejuvenescemos. Percebo detalhes. Que o sono se acomode no voo e desça alegre. Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2022 – Torres

pressa e…

atordoamentos, sinos, exuberância e crianças, a vida

pressa que tudo passe, termine, vire lago, remanso, férias deste agitado:

sem novidades, nem conexões, nem murmúrios

poderia ser primavera com luz, sem ventania, ou bem quente, ou bem frio?!

Não. Cálido. Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2022 – Torres, aniversário da nora! É festa! e a vida esparrada pelo chão…

viajar / ir/ voltar e ser bonitas, beleza – minhas sobrinhas brilhando!

Ler é uma arte muito complexa e o que nos revelará valerá até mesmo o exame mais apressado de nossas sensações de leitores. E nossas obrigações de leitores são muito variadas. Mas talvez se possa dizer que nossa primeira obrigação para com um livro é que devemos lê – lo pela primeira vez como se tivéssemos escrevendo – o.

” Virginia Woolf – O sol e o peixe

foto caixa e papel: desordem

Por que tem dia arrastado e confuso!? Comprei uma torta magnífica, delícia das delícias, o almoço era precioso e delicado, e a salada dos deuses. O passeio um impulso e lá está a geladeira a não ter mais espaço porque o melhor se acomodou. Reorganizar: ou vou ser eu a dividir? Por que tem dia sobrelotado sem ser/ter motivo ou lógica. Encontrei duas fotos do pai, onde estarão as outras? Tem soluções perdidas e achadas, tem uma história para contar, tem aquela paz mansa que quero encontrar, Preciso. Ele na Marinha, tão lindo. Eles jovens! A história do pai e da mãe me comove. Amanhã. Sempre tem o dia seguinte pra fixar soluções. Vou acalmar. Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2022 – Torres

dispersiva /enlouquecida /apaixonada

Ok! Não vou ficar a fatiar todos os dias, mas vou teclar e me exceder, vou sair gritando, vou enlouquecer.

A chuva caía com violência ou simplesmente não caía, O sol ardia ou era tudo escuridão. Transpondo isso para as regiões espirituais, como é seu costume, os poetas cantavam com graça o modo como as rosas fenecem e as pétalas caem. O momento é breve, cantavam eles, o momento passava; todos dormirão, depois, uma longa e eterna noite. Quanto a lançar mãos dos artifícios dos viveiros ou estufas para prolongar a vida desses cravos e rosas ou mantê – los frescos, essa era sua maneira de agir. As estéreis minúcias e ambiguidades de nossa época, mais afeita às gradações e as dúvidas, eram deles desconhecidas. A violência era tudo. A flor se abria e murchava. O sol se levantava e se punha, O amante amava e partia, E o que os poetas diziam em rima, os jovens colocavam em prática. As moças eram rosas, e sua floração tão curta quanto a das flores. Era preciso colhê – las antes do anoitecer; pois o dia era breve e o dia era tudo. Assim, se Orlando seguia o exemplo do clima, dos poetas, da própria época, e colhia suas flores no banco junto à janela apesar da neve no chão e da rainha vigilante no corredor, dificilmente podemos culpá – lo. Era jovem; era um rapazote ainda: não fez nada mais do que aquilo que a natureza lhe ditava. Quanto a garota, não sabemos, tal como a própria rainha Elizabeth, qual era seu nome. Pode ter sido Dóris, Clóris, Délia ou Diana, pois ele fazia rimas para todas, cada uma por sua vez,; da mesma forma, tanto pode ter sido uma dama da corte ou alguma copeira. Pois o gosto de Orlando era amplo; não apreciava apenas as flores de jardim, as flores silvestres e as ervas daninhas também sempre exerceram fascínio sobre ele.” (p.20) Virgínia Woolf – Orlando – A biografia –Editora Autêntica – Belo Horizonte – 2015 -Tradução – Tomaz Tadeu

improvável

improvável, acontece. não chega com surpresa, e, tão improvável era! parece/acho/ penso que não aconteceu, então, empurro para o sonho aquele sentimento intenso que me leva a caminhar, a caminhar e a me surpreender… o sonho acontece e se ritualiza. pode ser assim? chuva, vento, sol no arco íris, ali ao meu lado, dentro dos meus olhos, verdade verdadeira, ou está no vinho, no ritual. Primitivo, arcaico, os mesmos. Elizabeth M. B. Mattos – setembro de 2022 – Torres – a rainha enterrada – terminou. onze longos e repartidos dias

As baleias

As baleias estiveram em Torres: dezoito ou vinte. Esguichavam, nadavam com seus filhotes. Vieram parir em Torres, nas águas mornas e mansas deste mar. Entre os lobos marinhos, as rochas. As baleias estiveram em Torres.

Passo o tempo arrumando os detalhes. Penduro os quadros, encero os móveis, lustro as pratas. Espaço no armário… Roupas passadas, empilhadas. Luzes para a meia-luz. Os marceneiros, as prateleiras, quase prontas. Ordeno o tempo e a casa: chegas amanhã, ou no final de setembro? Nunca sei ao certo. Exaspero. Outro telegrama:

Só quando rapaz é melhor amar sem paz; mas já, mais tarde, como agora, quero tranquilo comer amora pra que todos vejam Gaal me namora, menamora.

Leio, releio. São versos…

O que farei para que não leves os pedaços quando partires outra vez? Antecipo a dor, antecipo.

Encero, limpo, lustro, espero. O que faço? Vem logo, amor, meu!

Compro violetas. Plantas verdes, samambaias na luz de fresta das janelas. O verde sacode na ventania desta primavera. Outro telegrama:

Quando a quem ama só resta telegrama, até mesmo o beijo escreve-se com o desejo de que o papel tenha gosto de mel; saudade aperta, mas abraço não deserta mesmo que no dia 12 não esteja aí, estarei ao teu lado, contigo, todos os momentos.

Para que perdure andar do amor de abraços beijos toques alma, terminantemente proibido refrigerantes, comida salgada, álcool em suas várias modalidades; além todas manualidades exclusivas vida íntima. Gafa.

Um detalhe, outro. O riso perpassa. O desejo aquece. Palavras brotam, crescem no caderno de notas: para cada nova palavra nova leitura encadeada: um jogo.

Apaga incêndios, contém emoções, evita suicídios, homicídios, afogamentos. Enfim, explica aí. Quem interessar possa que não se aflijam além limites porque poucos dias mais chegarei. Beijos. Saudades.

Retido. Retido. Faço mil planos contigo para julho, também, depois tentando sonhar preciso Gaal pra vencer letargia tomou conta de mim; estarei aí nomáximo primeira semana de julho esperando até lá te cuides: corpo e alma, cabeça já que coração é ingovernável mesmo. Mil beijos, milhões de abraços. Gafa.

Adiamentos viagem aumentam saudades. Vontade sentir-te estar contigo; demora não é desamor ao contrário. Tardo por querer ganhar tempo extraviado anos não te conheci. Beijos.”

Cada palavra, cada nova palavra, desgoverno. Todavia, no entanto, contudo, como diria aquela professora nossa amiga, tudo isso, ou, isso tudo, vem de atraso, atraso… Releio, repasso. Outra via, outra guia… Espio o mar cinzento. Elas se foram, as baleias.

E. M. B. Mattos – Torres

correspondência eterna e constante

(Clichy, 8 mars 1933)

Anaïs :

C’est par erreur que j’ai gardé votre livre de Nietzsche, est un erreur très heureuse, car j’ai eu l’occasion de jeter un coup d’oeil sur Ecce Homo […]

Ce soir, en tout cas, étendu sur mon lit, j’ai fait une découverte, ou tout au moins réaffirmé une découverte qui dormait au fond de moi.. La voici: quand on entreprend un travail, quand on écrit un livre, il faut en écrire plusieurs à la fois. Ne pas les écrire, comme on le pense habituellement, mais les laisser passer. Car c’est quand vous êtes dans les affres de la création que vous créez, si je puis le dire, multilatéralement. Celui qui se trouve bloqué pendant la création est envahi par des idées étrangères et devrait les accueillir avec faveur sans chercer à les détourner ou les supprimer. ( Et c’est le péché universel des artistes) Ainsi donc, comme je vous en ai déjà informée, je prête oreille et language à ces instrusions, je vais laisser pousser les divers livres qui ont déjà pris racine en moi et, à mesure que le temps passera, ces notes, ces expressions hâtives, s´entasseront dans leurs dossiers repectifs pendant que j´acrèverai la tâche prescrite, pour qu ún jour je les regarde et voyez! Ce seront les lvres que je voulais écrire! Que sont ces livres? Principalment, la saga de June Tropique de Capricorne […] Comme il est maintenant si claire pour nous, grâce à l’ étude de GIde sur Dostoïevski, que chaque livre contient le germe du suivant, prenos consciemment avantage de cette condition de la création, L’ auteur est comme un arbre au milieu de ses création, elles sont l’ atmosphère qui le bagne, il lui pousse des racines à mesure qu’il croît, et c’est de ces racines que croissent l ‘ leur tour les arbres à venir, non de fleurs ou des glands. OU bien, pensez à une serpent : un serpennt n’ abandonne pas son ancienne peau d ‘ en avoir créer une nouvelle. Le livre qui vous écrivez est cette peau dont vous vous dépouillez. Le livre important, la nouvelle peau, est toujours celui qui n’ est pas né, ou s” il est né, celui qui reste invisible. La vie dans la matrice, l´embryon. Et de même que chaque enfant est, naissant, le résultat miraculeux du hasard, un être entre une indifité de possibles, de même livre qui vient au jour n’est qu ‘une entre plusieurs formes d’expressions; le grand écrivain est comme un monstre qui engendrerait toute une portée de prestiges au lieu d’un seul! H.V.M. (p.128-129 -130) Henry Miller – LETTRES À ANAÏS NIN