FT

FT tinha sessenta anos quando o conheci. Não. Ele não leu todos os livros que afirmou ter lido em entrevista… E eu levei vinte ou foram vinte e cinco anos para entender o que ele disse. Céus! Não entendi. Ingenuidade, vaidade! Estupefata. A modéstia, a humildade, e os passos são incompreensíveis quando a carruagem passa. Se tanto tinha lido de Virgínia Woolf, tenho certeza que preciso reler e não estarei nem no começo…

Estrias de roxo, rubro, laranja e azul irrompiam pelos interstícios das folhas e cintilavam na esmeralda que levava no dedo.” (p.187) Virgínia Woolf Orlando

…escrever / ler / pensar e conversar são tarefas árduas, infindáveis e não posso explicar. Passou tanto tempo! Tanto! Perdi. Inutilidade / nulidade e não…, não acrescentei. Coisas de amar: detalhes. Bocejar, bocejar, deixar passar. Coisas de amar… Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

modernidade

” A vida, concordam todos cuja opinião vale a pena consultar, é o único tema apropriado para o romancista ou o biógrafo, a vida, decidiram as mesmas autoridades, não tem nada a ver com ficar sentado sem se mexer numa cadeira, apenas pensando. O pensamento e a vida são como polos opostos. Portanto, como ficar sentada numa cadeira apenas pensando é o que Orlando está fazendo agora, não nos resta outro recurso senão o de recitar o calendário, desfiar as contas do rosário, assoar o nariz, atiçar o fogo, olhar pela janela, até que ela termine com isso.” (p.175) Virgínia Woolf ORLANDO

Eu? Eu sigo o pensamento, e fico citando Woolf..,pensar e ou fugir do livro, impossível: beber coca-cola, comer biscoitos, descascascar uma bergamota, mordiscar uma maçã, ligar a televisão atrás de uma série, errar o canal, evitar a propagando deslavada que a Globo faz para seu partido especial, seu futuro patrocinador, não sei… Dormir está na lista e acompanhar este gosto de temperatura cálida. E me sentir feliz! Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

escolha

Dia de sol. Caminhada curta. A perna esquerda segue doendo. Incomodada o corpo, reclama demais. E não se define. Incômodo constante. Ilusão. Durmo. Vou acordar e tudo estará bem, organizado, não. Nada funciona. As flores, bem, as flores brotam. Se a palavra exuberante for adequada eu sublinho. Certeza: não estou no ponto certo. O fato atropela, interrompe. A decisão se descabela. A esvoejar, a sair do lugar, a recomeçar, ou solucionar… O dia tem que estar acomodado entre quatro paredes, as janelas precisam abrir e fechar, e, as frutas, bem, as frutas maduras precisam ser mastigadas. Memória, lembrança: caprichos. Na biblioteca, ordenados, limpos, escovados. Há que se priorizar a boa luz. Acordar.

O dia boceja nublado. Percepções escorregadia, nenhuma certeza. Ora, as certezas empurram, ora se erguem e caminham nas vontades. Vamos ordenar o batalhão. Hoje marquei encontro com elas (as vontades), e vamos até a praia, se a perna não incomodar. Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

difícil, mas vai terminar…

dia difícil…,expectativas, soluções, mas vamos chegar, vamos conseguir…, estou sem forças, mas não importa, amanhã conseguiremos…

cada dia, um dia, es as vozes, as vozes, as vozes seguem…

vai teimar, eu sei. vou comprar uma braçada de flores, colocar os pés no mar, semtar na areia…e o mar leva, e o mar trás… Elizabeth M. B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

sem armas

sem ânimo, sem armas, sem vontade, na despedida, entregue…

“Pois se é temerário entrar sem armas na toca do leão, temerário cruzar o Atlântico num barco a remo, temerário se equilibrar num pé só no alto da Catedral de St. Paul, é ainda mais temerário ir para casa sozinha com um poeta. Um poeta é o Atlântico e o leão reunidos num único ente. Enquanto um nos faz afundar, o outro nos abocanha. Se sobrevivemos aos dentes sucumbimos a maré alta. As ilusões são para a alma o que a atmosfera é para a terra. Recolham essa tênue camada de ar e a planta morre, a cor se desbota. A terra sobre a qual caminhamos é cinza estéril. O cascalho a que pisamos e carvões em brasa o que nos queima os pés. Pela verdade nos perdemos. A vida é um sonho. É o despertar que nos mata. Quem nos tira os sonhos nos tira a vida…(p.134) Virgínia Woolf – Orlando

volta para a ficção

Eu a delimitar o Eu. Emparedar ideia, não deixar escapar: o que acontece não importa. Não é real, nem verdade. O corpo se estende no cansaço do corpo, então, as pernas se acomodam, soltas, livres. Eu me refestelo, arrumo o sono manso. O sono entendido se anima para dormir, amanhã, amanhã será/é promissor. Chuva e chuva, água chorando, e depois, vamos ver. A trovoada vai logo passar… Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

nada vezes nada

coisa vazia de ser, coisa grande,

coisa engaçada,

coisa triste = nada

as coisas me cercam no vazio:

o nada

ainda a vida.

ao sorriso brejeiro,

as flores do vaso, as pedras,

as colheres de pau,

o enjoo.

o nada

esquisitices do tempo. Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2022 – Torres

O bule

O BULE

O bule de chá vermelho.

O desejo de consumir me persegue: formato, cor, o bule branco inspirado no Buda. As canecas pequenas: folhas de chá flutuam sobre escultura, reproduções de Buda. Sinto o perfume da erva…

Ontem de tarde sai com a ideia de comprá-lo: examinei, olhei e larguei. Pensei nas xícaras, onde eu beberia o chá depois da infusão? Entrei na loja ao lado… Comprei fronhas, uma vermelha outras brancas. Em casa recostei-me.

Hoje acordei pensando outra vez no bule vermelho. Contabilizei. Não posso comprar pelo simples prazer de olhar… O formato? A cor, ou o desejo de beber chá? Não sei exatamente. Pensei no bule branco com o Buda… Peça exclusiva, tu me disseste, sem te sensibilizar com o meu olhar de cobiça… Olhar aguçado para o interior do objeto. Não apenas cor, formato, utilidade, mas antes de tudo, beleza. A matéria sustenta a forma, como o olhar persegue o belo.

Os bules de chá…

Claustrofóbica, sem acalmar a sensação de peso, aborrecimento que sentia sai outra vez. Não fui buscar o bule, queria ir ao cinema. O filme francês. A sessão já tinha iniciado. Dei meia volta, entrei na livraria. Separei três livros: pensei nas contas, comprei apenas um.

De volta ao quarto. Estiquei as pernas, e comecei a folhear o livro Entre Nós de Philip Roth: conversa de um escritor com seus colegas de trabalho. Iniciei por Mary McCarthy, correspondência. Depois, Conversa em Londres com Edna O’ Brien. Mulheres. Instinto ou magnetismo? Roth inicia descrevendo a rua, o prédio e depois o lugar onde ela vive.

“No escritório há uma escrivaninha, um piano, um sofá, um tapete oriental de um tom cor de rosa mais escuro que o papel de parede marmorizado, e pelas janelas à francesa que dão para o jardim vê-se uma quantidade de plátanos suficientes para encher um pequeno bosque”.

Volto a visualizar o bule de chá vermelho. Mentalmente o coloquei sob uma mesa imaginária naquela sala. Na descrição Roth ainda cita a famosa foto de Virginia Woolf. O volume de obras completas de J.M. Synge aberto no capítulo de The Aran Islandme. Menciona um volume da correspondência de Flaubert aberto numa carta para George Sand. Em seguida cita uma epígrafe escolhida pela autora:

“Antes de mais nada, quero dizer que não perdoo ninguém. Desejo a todos uma vida atroz nos fogos do gélido inferno e nas gerações execráveis que hão de vir”. Malone Morre, livro de Samuel Beckett que li neste verão em Torres… Diz ele que não encontra esta aspereza na sua obra. O’Brien justifica e explica.

“Quando tenho uma explosão, depois me sinto na obrigação de ser conciliadora. Isso tem acontecido ao longo de toda a minha vida. Não sou uma pessoa naturalmente dada ao ódio implacável, como também não sou uma pessoa naturalmente dada ao amor incondicional, e em conseqüência disso muitas vezes entro em choque comigo mesma e com os outros!”

Logo a seguir.

“Eu reclamo da solidão, mas ela me é tão cara quanto a idéia de me unir a um homem. Já disse muitas vezes que gostaria de dividir a minha vida em períodos alternados de penitência, gandaia e trabalho, mas como você certamente compreende isso não funcionaria muito bem num casamento convencional.”

Senti o prazer da leitura…

De forma direta a escritora irlandesa reforça sentimentos que eu conheço.

Somos todos tão iguais! Ou nos buscamos a cada nova leitura?

Esqueci por um momento o bule de chá vermelho.

Estou no escritório de Edna O’ Brien em Londres, escutando a conversa.

Volto a te escrever amanhã. Elizabeth M. B. Mattos – velho texto porto-alegrense.