[…] Era um espírito original e interessantíssimo; tinha opiniões bizarras, ideias estranhas – como estranhas eram as suas palavras, extravagantes os seus gestos. Aquele homem parecia-me um mistério. Não me enganava, soube-o mais tarde:era um homem feliz. Não estou divagando: era um homem inteiramente feliz – tão feliz que nada lhe poderia aniquilar a sua felicidade. Eu costumo dizer, até, aos meus amigos que o fato mais singular da minha vida é ter conhecido um homem feliz. […]
Tem razão, muita razão! É uma coisa horrível esta vida – tão horrível que se pode tornar bela! Olhe um homem que tenha tudo: saúde, dinheiro, glória e amor. É-lhe impossível desejar mais, porque possui tudo quanto de formoso existe. Atingiu a máxima ventura, e é um desgraçado. Pois há lá desgraça maior que a impossibilidae de desejar!… O, e o maior vexame que existe é viver a vida. Não me canso de lho gritar: a vida humana é uma coisa impossível – sem variedade, sem originalidade. Eu comparo-a à lista dum restaurante onde os pratos sejam sempre os mesmos, com o mesmo aspecto, o mesmo sabor.
E creia que não é preciso muito para chegarmos a tamanha miséria. A vida, no fundo, contém tão poucas coisas, e é tão pouco variada… Olhe em todos os campos. Diga-me ainda não enjoou das comidas que lhe servem desde que nasceu? Enjoou-se, é fatal, mas nunca as recusou porque é um homem, e não sabe pode nem sabe dominar a vida. chame os mais belos cozinheiros. Todos lhe darão légumes e carnes […]
E ele explica todas as situações…atravessa páginas, e por todos concorda-se.
É bem certo. Eu sou feliz. Nunca dissera a nunguém o meu segredo. Mas hoje, não sei por que, vou lho contar a si. ah! ,supunha nesse caso que eu eu vivia vida?… Triste ideia fez de mim! […]
Eu consegui variar a existência – mas variá -la quotidianamente. Eu não tenho só tudo quanto existe – percebe? -; eu tenho também tudo quanto não existe. (Aliás, apenas o que não existe é ..Ah! o ideal…o ideal…vou sonhá-lo esta noite… Porque é sonhando que eu vivo tudo. Compreende (p.151-159) Mário de Sá-Carneiro Antologia Organização, apresentação e ensaios – Cleonice Berardinelli
(pausa)
