‘pensando’ num livro de memórias velhas

DA VIDA: espantos que ainda vivem, sobrevivi…

1.

Não planejei nada, não organizei nada, era feliz, aquela felicidade inconsciente dos que não tem inteligência nem inquietude. Eu era uma criança feliz, uma adolescente feliz e bonitinha. Fizeram um teste de QI na escola, parece que o meu era bom, disse, afirmou a Madre Hermínia para acalmar minha mãe furiosa por ter que me levar para casa ( de castigo ) pela baderna que fizeram ( as internas fizeram, as outras, eu dormia ). As internas se acordavam depois que as madres deitavam / ou nem dormiam… Para fuzarquear / já era a terceira noite de bagunça, eu não participei, mas fui punida como as outras, suspensão… O engraçado que as freiras sabiam, mas resolveram castigar geral, éramos apenas 24 meninas internas… Esta história é incrível, porque as que moravam no interior ficaram de castigo na escola, eu precisei enfrentar o pai e a mãe, ir para casa. Meus pais abertos e justos, sem castigos e punições, os erros, e se comete tantos, vinham com explicações e prolongados silêncios. Sei lá como foi para as minhas irmãs, mais velhas, bater não era a questão… Enfim, no meu caso, não houve punição maior do que enfrentá – los. Fiquei, de castigo, em casa. Primeira frustração!

2.

Segunda frustração, esta foi difícil! Não fui ao baile do Itamaraty. Chorei. E vi minha irmã ir no meu lugar, decisão materna. Em compensação, quando eleita para Rainha da SAPT (e foi mais ou menos ao acaso) o pai saiu, no meio da temperado, com a mãe, para buscar um vestido adequado… Teimosa, eu colocara na mala apenas o verão, nenhum enfeite, nada que pudesse vestir na ocasião. E aquele mágico, feliz verão, logo depois de ter desmanchado o tal noivado, foi o mais divertido, alegre e fantástico de todos os verões.

Aquele noivo aborrecido, distante e protocolar que tinha arrumado no ano do Bom Conselho, acabou me dispensando, e, achei que a vida começava ali, na alegria de ter outros namorados possíveis, outros caminhos! Aliás, até hoje, eu me pergunto o motivo, o pai dele resolveu romper (foi tipo século XIX, alto estilo, não foi o noivo que me dispensou, foi o pai do noivo), nossas lágrimas juvenis de nada adiantaram pro velho Leocádio, estava decidido! Bem, nem o noivo, mais tarde ou num momento de autonomia me deu explicações. O bom, foi nunca ter ido para cama com ele, eu era, desfeito o tal noivado, a mesma bobalhona de antes, imaculados sentimentos. E ainda teria que aprender a beijar. Ah! Amadurecer demora mesmo, já ia lá nos meus dezoito anos, e só pensava nas escrevinhações e nos livros a serem lidos: uma chata. Talvez tenha sido esta minha chatice e ingenuidade o motivo: ele era um bobo, e eu outra boba, manipulados. E ficou nisso. Que engraçado me dar conta de como demorei a crescer, a ficar gente, e eu ainda me pergunto, por que nunca DECIDI, mas apenas me deixei levar…?!Levar… Talvez o medo da vida, sei lá. (Prisioneira da mãe, talvez! Não fui rebelde, para crescer precisamos ser rebeldes.) Uma fantasia sobre a outra. Não era audácia, nem querer, era uma enganação! Bem este foi meu primeiro susto/tropeço! Nunca mais vi o dito, chorei. Não a perda de um amor ou de uma paixão, mais o desencanto de um fantasia sem conclusão. Este noivo foi um engôdo. Ufa! A pensar que desastre teria sido, que alívio romper com aquele cerimonial todo dos Antunes. Teria me casado sem me apaixonar? Apenas porque as moças casavam mesmo cedo? Foi uma benção que eu recebi! No fundo, sou muito amarrada, presa numa esquisitices de dentro, sem vocação para vibrar, deveria ter sido freira mesmo. Nada criativa para carregar uma vida porto-alegrense em cercado exigente. Uma introspectiva, trancada na religião. Eu era estabanada, ainda sou. Impulsiva. Ainda sou. E meus amigos de viagem são testemunhas, dançar, rir, e ponto, ir a missa aos domingos. Demorei pra ser mulher! Os milafres me cercaram, muitos. As rezas. Enfim! Todos engraçados, cheios de cercados / espinhos e limitações: eu impunha sem nenhuma consciência. Muito estranho. Reservada e tão expansiva. Limitada. A inteligência é ousar. Esta combinação existe? Bem, eu queria, afinal, ser eu mesma, e me entender. Mas, mas, mas é verdade, a mãe inventou uma ida para o Rio de Janeiro, talvez a decepção dela fosse maior, muito maior do que a minha, e tinha “que dar um vento” naquela filha tão sem iniciativa. Foi mesmo atabalhoado, a decisão de viajar parecia coisa de romance. E foi assim, sem realidade nenhuma, feito enredo de romance que eu voltei ao Rio de Janeiro. Tinha amigos cariocas, de repente, poderia ser uma boa ideia. ( Eu me consolei.) E voltei casada. Simples assim. Aonde eu encontro a tal personalidade / vontade? Não sei. As freiras já tinham feito uma lavagem cerebral de obediência. Tudo não passou de representação, céus! O antes e o depois. O que era verdade na minha vida? Os verões, as férias em Torres. Depois o Colégio. Pois é! E Geraldo morreu tão cedo. Verdade que me apaixonei. E depois, voltei a casar. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2023 – Torres

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