Tentativa travada e agitada: reorganizar. Possibilidade: da picanha ao fígado, e, salada verde. Estar preparada para todas as guerras.
Num lugar de entulhos, com tantos entulhos, brotam folhas e flores miúdas, corajosas. Assim se espalha o sono sem sono, um ânimo desanimado, uma preguiça arteira. Pequenas armadilhas: a calçada.
É o tempo se fazendo minuto, desassossegado, indeciso. E não faço o possível. Descosturo a velha túnica, embora mantenha os pés aquecidos nas meias, estou com os braços nus.
A descrição parece esdrúxula e os sintomas deste pequeno desacerto do certo possível se arraste inquieto a procurar o lugar definido. Sou eu acomodada na situação de ser com desânimo. Haja vida desavisada e contínua. Haja francês, alemão, inglês ou espanhol. O sonoro destas línguas todas, não esquecer o italiano, se mistura num gozo completo.
Acordo afogada na angústia de ter me esvaziado: derrubei a faceirice, o cuidado, a delicadeza que eu tinha comigo como se pudesse assim aliviar a angústia. Penitente, desfaço toda e qualquer alegria para ressuscitar. Impossível mecanismo. As leituras se desfazem, a casa não está limpa. E o mundo parece outro, não o meu. Sinto uma saudade desgovernada de minha mãe: passo meu tempo a pensar nela. Como vivia. Tenho que inventar o meu próprio jeito, não tenho parâmetro. E as vozes desapareceram dos telefones… Desapareceram das calçadas. E os hábitos que enfeitavam os dias foram embora. Esta reconstrução minuciosa e difícil desgoverna o pensamento.
Tenho que escrever mais, tenho que ler mais, tenho que voltar a trabalhar mais, talvez viajar. Preciso começar por Porto Alegre. Vencer a barreira, administrar este ir até a casa da irmã. Testar a calçada. Não enlouquecer. Trata-se de manter a lucidez, a coragem e bocejar antes de dormir. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2023 – Torres

Foto: Pedro Moog – Ibirapuera – abril de 2023 – São Paulo