
Conseguimos ser invisíveis e nós dois, tu, claro, furioso estavas atrás dos risos. Sem largar a tua doçura nem as tristezas presas, sem estar furioso, mas aborrecido. Não és violento ou rancoroso: livre nos teus grilhões consegues brigar no meio do riso. Duvidamos da confusão. Eu estabanada, porque sou desastrada mesmo. Entre vestida e nua, escondida com nome e sobrenome, evidente: certidão e barulho no meio dos rastros de te amar, estabanada…Tudo perfumado muito limpo: o tapete, e os lençóis, a roupa pelo chão, cinematográfica, claro. Os galhos, daquela árvore, misteriosos, entrando, o frio sem inverno, o suco, o pão com queijo, todas as frutas picadas e música, ora. Gostas de música. E aquela mulher entrou para trazer revistas e jornais e olhou nos meus olhos cúmplice, equivocada? Deixou um bolo com goiabada, uma delícia doce. Ela não te viu, mas me olhou sem roupa, despudorada.

Como sempre, mais jovem, estás preso na tua vida dos riscos certos, das boas Suiças, do Lago de Como, tua Itália de todos os prazeres, dos sentimentos abertos, dos campos e das jornadas de trabalho compridas, como gostas. Eu te gosto. Secas feridas, entras nas igrejas, preparas o futuro. Místicos encontros, tuas orações e dores se diluem. Devolves os livros lidos, com voz firme de amor. Sem fazermos historinhas, nos entregamos muitas e muitas vezes nos beijos demorados. É no jogo da alegria que amamos, tu e eu, a tantos tantos tantos anos já se passaram, envelhecemos. A fantasia e o desejo revirado. Somos o erótico se contorcendo. Quanta coisa atrapalhada Beth! Lago, lalo e luz, lua, lagoa, listas, riscas e linda fatia de vida pequena, imaginação… Barreira de um tempo de voo e chegadas curtas, risadas… Ainda temos tempo? Mais tempo? Uma tarde misteriosa, uma noite quieta.
Era para ser mais silencioso. O lugar perfeito, sem testemunhas, estacionamos num lugar sem nome. Arrumaste para ser nós e nosso. Pequeno, com os nove travesseiros e todos os fios na delícia dos lençóis cinzentos, a coberta, o tapete, a cortina pesada, a fresta deixando a árvore entrar. O tempo estacionado, sem telefone, nem compromisso… E nossos anos respeitados, nossa nudez sem vergonha… E aquela mulher esquisita, com revistas, revirando os olhos, e largando as flores. Acordei… Fui eu que contei/dei o endereço, ou foste tu, que esqueceste que eu já te esperava? Uauuu! Sempre fazemos o estabanado. Eu sei. Nada temos para esconder. Mas tudo é para ser apenas nós, nosso. Escondemos o perfeito. Somos tu e eu. Os encontros de mistério são o precioso, o de toda a vida. O que guardamos, o não repartido, o sem tempo real, sem lugar, apenas nós dois e o espichado tempo compacto da meninice, da areia, dos bailes, dos segredos, da tua mão me apertando e de nossas brejerices. Nós juntos estes anos todos: nos pertencemos para sempre.


O fogo foi alto, no álcool do pano. Nas minhas desastradas limpezas. Água para café, confusão de limpeza e flores, estabanada. Quase o desastre nos preparativos… Esta mania de limpar, esterelizar, lustrar, e fazer mil vezes a rota dos limpa-limpa e o cheiro. Não consigo adormer meu lado borralheira de fazer, e varrer, e aspirar e limpar. Um susto. Não te espanta querido, coloquei fogo no pano sim, enquanto a água esquentava… Consegui salvar os dedos, e comi o bolo, bebi o café. A te esperar dormi, foi quando, com olhos arregalados, a tal dona entrou com jornais e revistas e espanto e me encontrou nua no meio da casa. Esquece, ainda não peguei fogo, nem morri, queimei o aspirador, não me pergunta o porquê. Tenho medo que não aches nada engraçado os meus desastres.

“Bonheur n.m. (de bon et heur): État de complète satisfaction
C’était donc ça le bonheur, un état de complète satisfaction. Un état rond, sans la moindre faille. Avait-on le droit d’être heureux sans être dans la satisfaction complète? Existait-il un seul moment où l´homme pouvait se sentir dans un état complètement quelque chose? Ce jour de mon mariage, j’ai admis les limites de la frénésie de tout rédacteur du Larousse: il existait tant de mots qu’il ne fallait pas définir. Le bonheur ne s’enfermait pas quelque part, on le vivait dans un air indefini. j’en étais lá de mes pensées quand je vis arrivr alice, blanche et éternelle de ce moment; j’ai ressenti que nous étions importants d’amour. J’étais un héros, c’étais la mytthologie qui avançait vers moi avec un grand sourire.” (p.118) David Foenkinos Nos séparations – Collection Folio – Gallimard
A gente se envolve, vai caminhando num livro sobre as nuvens do sonho / e sonha. Foi assim que eu acordei (agora duas horas da manhã) meu amor juvenil pelo amado de sempre. E de tudo. Arrosto lembranças espicaçadas confusas e inúteis: duas vidas carregadas de cumplicidade e fantasias dois fortes meninos/crianças, adolescentes e livres e poderosos, e atordoados: fomos tudo isso. A vida nos sacudiu para todos lados, carregou na tragédia dos desencontros e na mansa ternura do para sempre. Fortaleceu, separou e aproximou um milhão de vezes a rir ou a chorar / desesperar: nós dois, a nos consumir sem… Eu me casei num dia quente de fevereiro, num atabalhoado casamento cariocando a vida, dando o troco, esbanjando, altiva, menina os desencontros gaúchos. Inventamos. O tempo das paixões ferventes passa num escaldante verão. Depois, nós somos sacudidos pelos ventos do mar, e racionalizamos. Cedo demais nos casamos e puxamos a graça de viver aos trancos e barrancos. Besteiras? Encontros? Desencontros. Mitologia. Viagens e viagens e viagens: o mundo é um pátio de experiências coloridas, passadas no parque de diversões da juventude. Ah! Boas incertas certas / convictas e absolutas bobagens. Quando abres a porta e demoras olhando a lagoa, e te sentas na poltrona, e te admiras com a desordem dos livros… Que alegria sinto! Eu fico a te espiar enquanto preparo uma limonada, arrumo as uvas, e penso que vamos nos beijar com gosto de frutas. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres