O espanto vem da idade, do senso de observação, de um olhar… Embora tenha boa índole a criança sofre o abandono, a não orientação, alienação sob forma de zelo. Tratada com irreverência: não deve gritar, mas zelar, não deve sujar, mas ajudar. Enquanto criança deveria brincar, perguntar, escutar. Suponho que participar do mundo, informar, seria educar…Mas não sabemos nada sobre educação.
Mês: novembro 2012
Uma estante
As crianças deviam ser educadas em contato com grandes bibliotecas. A convivência diária com livros. Reflexão e silêncio. Contínua adaptação a mais meticulosa ordem. O exercício ajudaria a juventude.
Durante o tempo em que estivemos juntos imaginei cada palavra que poderia dizer, pensei o discurso, imaginei o pretexto. Separei qualidades e defeitos. Confundi amor com responsabilidade. Felicidade com abnegação. Elaborei mentalmente a conversa. Reconsiderei dificuldades. Repassei leituras adequadas, selecionei autores. Não houve conclusão. Retomei os livros. Bibliotecas particulares da casa dos avôs, dos pais, do tio Almir… Necessárias mesmo sem ser manuseadas.
Pensei: uma estante pode ser uma instigante biblioteca de respostas.
Elizabeth M.B. Mattos – 2012 – Torres
Terminando
A escrita é longa, mansa e ao mesmo tempo inquieta. Bom que o dia já vai terminando.
Brincar o amor
O mundo se explica com guerras, monumentais cidades, superpopulação, desmatamento, usinas, fome, justiça, poluição, trabalho, ócio. Verde, azul, marrom, violeta, paz, silêncio, azul, pedra, rio, casa, planície. O mundo inteiro dentro da pessoa, da explicação, daquele corpo, daqueles braços, deste rosto, destes olhos que já não veem, apenas percebem. O mundo está dentro dela. O mundo existe de dentro para fora. E nós carregamos o universo a cada deslocamento. Não existe mundo sem a pessoa. Quem? Esta coisa que tanto se explica existe dentro… Justifica-se a vida! E sobrevivemos apesar de… Como já escreveu Lispector. Afinal a vida continua atada nela mesma. E se a vida continua atrelada aos cadáveres de outras vidas é porque seguimos… Reflexões de conversas compridas… Quem tu és? Quero saber. Diferente de quem sou. Conceitos presos na tua inquietude, ou na minha vida burguesa? Seguimos afastados. A palavra preconceito resvala no liberalismo aberto de brincar o amor… E eu a pensar o mundo…
Lógica
Estar à margem direita, e ou à margem esquerda. O tempo escorrega… O risco da memória. A linearidade dos fatos não se ajusta. Internamente a desordem. A conversa de Alice no famoso chá de Carrol ilustra:
– Não é a mesma coisa nem um pouco! – protestou o Chapeleiro. – Seria o mesmo que dizer que “Vejo o que como”, é o mesmo que “Como o que vejo”.
– Seria o mesmo que dizer – acrescentou a Lebre de março – que “Gosto daquilo que consigo” é o mesmo que “ Consigo aquilo de que gosto. “ [1]
Uma experiência no mundo do nonsense.
Experiência de pesadelo. Espaço e tempo fechados. Exclui-se o afetivo. Subsiste apenas relações de rivalidade, a competição: a corrida vestida de relógio, contra o tempo. Discurso descabelado. O espelho é o outro. Lá do outro lado, com tempo, ou sem tempo…Elizabeth M.B. Mattos – 2012 – Porto Alegre
[1] Alice no Pais das Maravilhas de Lews Carrol
Fantasmas
Fujo quando sinto medo.
– Dos fantasmas?
– Deles não posso fugir. Enfrento. Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2012
Anchovas sautées
“Você deixou o polvo vivo que tinha comprado no mercado de peixe de Pohang na cozinha, pois nem você nem sua mãe sabiam o que fazer com ele, e sentou-se à mesa na frente de Mamãe, como nos velhos tempos, comendo em silêncio uma refeição simples que consistia de arroz e banchan, acompanhamentos como kimchi, tofu assado, anchovas sautées e algas marinhas torradas.“
Não resisti… Por favor, cuide da Mamãe descreve sentidos sentimentos. O livro se entrega tão manso!
Estamos com Kyung–Sook Shin uma escritora da Coreia do Sul.
O Pai Marinheiro
O mergulho traz calor: súbita luz do mar ou do sol? O silêncio estaciona inquieto e produtivo. A leitura chega madura na página certa. As amoras estão na vasilha transparente, e a memória fica lambuzada no azul. Neste instante exato a criança abre os braços pro abraço. Chegou a hora! O corpo inteiro responde ao calor. A Serra do Mar desenhada na geografia da voz que descreve a ilha, o vento… Olhar pacífico. Palavra certeira que derrama histórias no risco do mapa. Rios e montanhas, planícies, oceano. O farol. O pai marinheiro de direito! O mergulho traz calor. Fiz um gramado na minha sacada, e o maracujá se espreguiça na buganvília. A história atravessa a vidraça… As uvas se preparam pro verão… Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2012
Cartas, Diários e memória
A memória de cada um é apenas a guardiã da memória coletiva. É preciso não esquecer que todos estes pedaços em registros servem para lembrar do que é comum: angústia, incerteza, turbulência, genialidade com incredulidade, e um dia depois do outro. Carne, sexo e sangue: energia. E o que mais? Um espelho com tinta de memória distorcido, ilusão e realidade…Beth Mattos – 2012 – Porto Alegre
Um deserto árido
Através da janela espraiam-se as luzes da cidade na chuva, e das avenidas iluminadas com um brilho nevoento. Sobre a escrivaninha, pastas abarrotadas de papéis, livros diversos abertos diante deles, cartões de várias cores, talvez um copo de uíque entre os papéis, e rascunhos, e vários bilhetes e anotações, tudo espalhado à luz da luminária de grife que projeta um agradável círculo de uma luz silenciosa e quente. E dos cantos do aposento, de entre as prateleiras carregadas,flui uma música suave. Lá está um homem debruçado sobre sua escrivaninha, estende a mão quando quer e toma um gole do uisque, enche um cachimbo quando quer, com energia e vivacidade preenche uma folha atrás da outra, escreve, apaga, se anima, se arrepende, amarrota e joga no chão, por trás dele, a folha rejeitada. Tenta de novo, o som de uma sirene distante ou o repicar abafado de sinos se ouve lá de fora, finalmente vem a inspiração e com ela a alegria e o homem atinge seu alvo. Então suspira aliviado, lento e cansado, de olhos fechados em sua bela cadeira. Só ergue a voz um pouco, e uma mulher de roupão ou de quimono se apressa a entrar no quarto. Essas são as coisas simples e fortes que se deve fazer acontecer, porque sem elas a vida mais parece um deserto árido. (68-69) Uma certa Paz / Amós Oz
