Porto Alegre, maio de 2003.
Ao entrar em casa fui direto a caixa de correspondência: contas e uma carta. Senti um prazer enorme. Tua carta. Que surpresa! Uma carta sem eu ter respondido a anterior! Livre e espontânea, eu me disse. E lá desci minhas escadinhas rumo ao meu apartamento verde toda vaidosa do amigo.
Não abro as contas, deixo tudo perto do travesseiro. Durmo cedo. Dormir tem sido solução: no sono venço espaços, converso, visito outros lugares, soluciono tudo. Estremeço no medo de acordar, já é outro dia. Os problemas só acabam no sono.
Depois vou revendo o tempo numa pergunta doente: o que eu tenho que esperneio sempre que me apertam? Reclamo. Choramingo. Passou a novidade. Passou. Fica o fantasma inquieto do terror: contradições, palavrório descabido, ordens e contra ordens, queixas, lamentos. Dou meia volta, estou viajando. Não abro a carta. Se Balzac existisse voltaria a vender livros, pernas doídas, sonhos acabados e dívidas… PUXA! Lá vou eu repetir que não gosto do bairro, das crises, do mundo. Parece que volto pra casa sem ter casa. Descalça. Então invento logo outra história pra mim.
Amigo! Habituada já estou aos teus poemas e a crítica ajustada. Acalmo. Afinal eu não posso ter o inteiro, posso? Retomo o Canetti naqueles escritos preciosos. Escrevo três páginas no diário, pura lamúria. E vou dormir outra vez, não te escrevo. Tarde te encontrei. Antes, meu querido, meu amigo. Abuso deste querido, amigo e meu nas cartas. Lá no diário de capa verde derramei elogios pros poemas… Atropelo. Volto a escrever seguindo as linhas com mários e maras. As pragas do amor que comentaste… Digo eu: amor ou fica instalado, gruda, ou absorve-se como injetável, contínuo, depois nos esvazia quando some. Desaparece, ludibria ou termina. Outra droga! Outra queixa. Como tens razão a cada letra. Fico a pensar na vontade idiota de dizer o banal, e digo. No entanto escrever é sério. Viver é sério. Estarei eu a brincar? E a cada joelho ralado choramingar? Ranhetiar sem sair do quintal? Chega de reclamar da vida. Este verão de maio aqueceu os resfriados. E o eclipse. Tu viste? Elizabeth M.B. Mattos – dezembro – 2012 –
Adorei teu texto. Muito envolvente. Estou aguardando quando será publicada a coletanea destas peças excelentes. Ao ler o texto entretanto uma coisa estranha me ocorreu: Todas as vezes que aparecia um “ç” me parecia estranho, uma letra diferente, uma letra portuguesa. Acho que estou americanizando, não sei se é bom ou se é ruim, mas ao menos é engra”ç”ado.
Miguel! Que bom estares aqui. É uma palavra e tudo fica mais forte! Aliás, um amigo querido de São Paulo foi o primeiro a me escrever através do BLOG: foi tanta surpresa boa que eu me empenhei em seguir… E estou fazendo! Quanto tempo nos Estados Unidos? Quanto tempo de inglês? E o francês? Praticas? Este bilhete faz toda a diferença! São os prazeres dos deslocamentos! O teu esta na Ç perdida! Sabes! Pela primeira vez, estou com um vontade grande de viajar…Tenho conversado com Jan e Tereza, lembras deles? Estão na Suécia…Vou pegar um ‘barco’ pra vê-los.
gostei do texto e “viajei”….continuo a dizer (já está chato): qdo publicas????
Quando lia esse post, eu imaginava tudo, viajei, interessante e envolvente. Um “manual” ou “descrição” da ansiedade, talvez um pouco de paixão…
Realmente mãe, os dois textos são preciosidades.. o teu e o do João. Orgulho. Vejo verdade em ambos. Deixo um carinho pelos tempos difíceis.. deixo amor. L.
Sem ter o que dizer dizendo… vendo dois filhos a te escrever me emociono. Me sensibilizo com as palavras. Também me orgulho e sinto uma verdade em nossa família que cresce e se fortalece em amor e sensibilidade. Amo Vocês!