Fundação IBERÊ CAMARGO pode mostrar a trajetória destas tintas, a força, o desenho
Mês: maio 2014
I B E R Ê C A M A R G O

Genial sempre
IBERE C A M A R G O

Iberê Camargo – Um trágico nos Trópicos
TÉCNICA e motivos
Genial, excepcional!
O GAÚCHO IBERÊ CAMARGO
Sempre o tempo
“Finalmente o rio se alarga na idade adulta, quando se começa a pensar: e agora? Onde? Quando, quando, o quê? E já temos um passado. Como amadurecer sem perder a graça, sem ficar embotado, sem sucumbir ao tédio da rotina com que nos enrolamos feito um cobertor que abafa as inquietações, as dores e os maravilhamentos? E ao nosso encalço corre o espectro traiçoeiro de acabarmos sensatos demais: temerosos, quando viver é preciso uma dose de audácia e fervor. Em que medida? Ninguém tem a resposta.” (p.65-66)
O tempo é um rio que corre Lya Luft. 2014 Editora Record
Sem roupa invisível
Tudo em mim se apresenta antigo, ultrapassado: cabelo, roupas e afazeres. Descongelar o refrigerador! Mão de obra! Mas com o esperto ventilador consigo bem rápido. Escuto o quebrar do gelo enquanto escrevo. Ouço um velho vinil em francês, Guy Beart. Você conhece? Ou tu conheces? Os detalhes da história, dos degraus, e o do calor da salamandra…Oxalá agarrasse as horas lentas do campo! Também o andar manso do verde. Aquele capão amigo, os velhos novos açudes! Urgência é diferente. Como inventar o passado? O viver que não é nosso. Quero o avesso no mergulho estupendo de encontrar o ontem revirado no presente. Acreditar em invencionices. Na capacidade, e em algum pedaço de história que ainda não inventei. Sair sem roupa pelas ruas, invisível. Como anoitece, anoiteço junto, e na loucura louca de esquecer, logo me enfio na cama. Certeza de adormecer. Acordar sem dor aqui, ali, tomada de disposição, e cheia de certezas. Tenho que vencer o dragão, e guardar o fogo, iluminar o caminho. Os balões tomaram o céu de Torres.
Número atômico
Meu amigo:
Conversar tem delícias, prazeres não esquecidos. Amolece coração, razão. O momento, a hora da mudança. O tempo não volta, nós é que voltamos no tempo. Sinto falta, carência, vazio, solidão. Aquele estado aflito do meio do caminho. A tal encruzilhada que chamamos solidão. Sem conexão. Pessoas falam, explicam, sorriem, eu as vejo debruçada na sacada. Não ouço, estou na bolha. O cansaço pesado de não entender, ou se deixar entender. Picoto palavras. Encontros desastrosos. Ironia! Quem escreve pretende resolver todo problema, mas a angustia ferve. Ausência cheia de presenças. Desencontros? Não sei. O sexo, o toque, o beijo, o abraço remédio, eu quero. De repente compreendo este amor de corpo. Amortiza a dor. É por isso também que te necessito meu amigo. Beber o vinho, comer as frutas que descascamos com os dedos. A energia volta. E a dor desaparece. Só a despedida é dolorosa, lenta. Saudades tuas. Então, estou outra vez no ponto de partida, não na história. Afinal, o outro importa. Quem escreve está sozinho. Droga! Quem lê, também sozinho, explode. É a bomba do desejo. Nos mortificamos enquanto te escrevo, e tu me lês. A bruxaria das afinidades. Estou estacionada diante do nossa mar, mas é o café da esquina que eu vejo. Estou a pensar no número atômico, na letra Z, nos prótons… No teu trabalho. Existe o imantado da relação. Por isso retomo o velho ritmo das cartas com envelope, selo, e vou ao correio. Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2014 – Torres
Biombo japonês
A casa foi feita em blocos brancos sobrepostos. Sem jardim. Pedras polidas, arredondadas cobrem espaços, corredores e possíveis canteiros. Grandes aberturas. Aberturas rasgadas para áreas externas, vazias. Sem verde, ou flores. No interior, espaços definidos por cadeiras, mesas, prateleiras laqueadas de branco. Biombo japonês, algumas almofadas. O espaço parece maior! A claridade invade. Nenhum outro detalhe, não fosse aquele anjo de madeira, e as fotos, muitas fotos que se espalham pela parede. Bonito isso, como se a vida brotasse naquelas pessoas a vestirem trajes exóticos, e as crianças com aventais engomados. Retratados especialmente para marcar o tempo. Também fotos de jardins, outras casas. E o mar. O livro de imagens voltou, o texto de poucas linhas ilustra.
No apartamento do prédio ao lado, as janelas são menores, mas as duas portas da sacada se abrem para o sol. Estantes, estantes inteiras cheias de livros. Um armário grande pintado com figuras geométricas de diferentes formas e cores. Duas poltronas antigas, orelhudas. Uma mesa redonda com diâmetro de um metro, suponho. Este apartamento tem um corredor – galeria que leva aos dormitórios. Pequenos quadros – retratos que não identifiquei, mas reconheci Danúbio Gonçalves. Uma aquarela urbana de Vitório Gheno, meninos soltando pandorga de Bianchetti. E o dorso de Glauco Rodrigues em tons de vermelho. Iluminados adequadamente. Obras de arte precisam de luz indireta para não danificar os trabalhos, e valorizá-los. Ambiente climatizado. Sem umidade. A parede não deve ter nenhum cano que leve água para banheiros ou cozinha.Estranho corredor de espelhos… Vários tamanhos, emoldurados de um lado, e o outro lado a parede é revestida de espelhos. Um túnel de reflexos.
Aqueles olhos espertos, redondos, uma boca expressiva, o cabelo puxado, sempre arrumado, unhas feitas, impecável ao acordar com a leve maquiagem, e a gentileza diária. Encantadora. Enquanto bebe o chá vermelho, aromatizado, fica folheando as revistas, passa os olhos minuciosamente pelo pequeno jornal, algum assunto bombástico?! A Guerra na Criméia, a morte de Alain Resnais, o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes joga lixo no chão! O lançamento da coleção Inverno, falta uma semana para terminar o Verão! Ah! Estes escandalosos filmes do Oscar. Ela levanta inquieta para se livrar daquilo tudo. As revistas ficam abertas. O jornal, metodicamente vai para o monte. Alguns hábitos, fazeres, estão cruelmente colados a pele. Levantar e esticar os lençóis. Bocejar, espreguiçar para que o dia se levante antes dela, nunca ao contrário. Reclamar deste ou daquele ruído, separar a roupa que deve ser passada. Outra vez senta na cadeira de orelhas. Pega um livro para ler, um dos que já leu porque a história é doce, romântica, e todo o amor entre eles justifica ter vivido, presa no casarão, rodeada pelos filhos. Naquela época o jardim tinha flores, o gramado era perfeito. A piscina estava limpa. Todos os finais de semana fazia-se longos passeios. Comia-se bem, embora fosse comedido, num ritual inglês com aperitivos, um drinque, uma conversa frívola qualquer sobre o fracasso de um romance local, uma traição, a voz debochado do filho para o pai comenta as liberdades da moça que mora na outra esquina. Os costumes constrangedores de uma modernidade, que seria então decadente. Hermínia concordava, alongava a explicação. E ambos ficavam satisfeitos com tanta compreensão mútua.
Lucinda não pretende ver nenhum dos filmes. Questão fechada. Não vai ao cinema. Sente-se em fuga! Como assistir passiva a televisão. Escolhe-se o programa adequado ao espírito do momento. VUPT passou o tempo. Já é hora do chá.
Afinal, a história é mesmo um grande monólogo. Preencher o silêncio, ponderar, perguntar, e responder. Descrever. Ou escutar histórias de amor.




