Escreve Javier Marías, o espanhol: “[…] e o que tinha falhado era o tempo, que talvez nunca passe totalmente, ao contrário do que costumamos acreditar, como tampouco nunca deixamos de ser inteiramente o que fomos, e não é tão raro escorregar no passado de um modo tão vivo que este se justaponha ao presente […]” Então eu me ponho a ler devagar, errado, desconcentrada. Dispersiva, parando, bebericando chá, comendo abacate, querendo café, suco, fatia de bolo, bergamota. Ou vou solta num olhar através das vidraças, imagino o outro lado. Procuro, volto à página interrompida… Qual página? Já não importa, está na trilogia Seu rosto amanhã. Inoperante. Atabalhoadamente, adoro esta palavra, resolvo te escrever sem preencher, minimamente, o programa. Amadeu, em Trem Noturno para Lisboa, discursa sobre o uso necessário das palavras, e afirma estarem gastas, vazias do sentido primeiro, sem sentido, ou escondidas num contexto diferente, já código, ruídos, comunicação, nem poesia, nem cuidado. Palavras perseguidas, ou preenchidas por visões pessoais. Lobo, preto, lustroso, inquieto, pequeno, desconfiado, fiel, medroso, teu. Atabalhoadamente volto a escrever. Vou abrir a porta, acender as luzes. Elizabeth M. B. Mattos – Portão Azul, junho de 2014.
