Minha amiga:
Uma armadilha, daquelas perigosas, não me dei conta do quanto, e o pior, mesmo dentro do buraco, quebrada, e sangrando, por um momento comprido, fiquei apenas triste! Depois veio aquele pânico conhecido! Azar! Imagina! Estava passeando, fantasiei, ou viajei ao ver, ao fundo do terreno baldio, que resiste as construções da Lagoa do Violão, o arvoredo. Feito menina, pulei a cerca, e fui ver aquilo de perto… De repente, faltou chão, e num enorme buraco desapareci.
Escrevo da cama do hospital. Estou em observação, perna fraturada. É assim, minha amiga, um absurdo, e irreal, mas possível, aconteceu comigo. Não sei explicar, qualquer coisa de fantástico sortilégio, sei lá! Como o relógio de Salvador Dali a derreter, estava eu dentro do buraco a morrer. Curiosidade! Terror, o medo de sumir, pânico! Deixar de respirar! Fui salva pela loba preta. Ônix, estava comigo, e distraída do meu rumo, interessada na aventura, em lado oposto ao meu, o que me salvou. Depois do estrondo, ficou a latir, e se inquietar. Seu alarido despertou curiosidade, e me encontraram.
Tenho viva a sensação de abandono. A queda, um choque, e a memória, um filme. Ou uma surra lavada de medo, inquietude. Abandono. A vida presa ao volume de latidos de um cachorro…o acaso. Lembrei o medo. Terror dos quatro anos, ou eram seis? Medo. Sozinha em casa. Gritei mãe, pai, chamei pela irmã. Tinham saído? No quarto, abandonada. Sozinha? Larguei a boneca, sentei numa cadeira de grandes orelhas, lágrimas escorreram, o soluço cresceu. Abriram a porta.
Lembras nossa aventura na praia? Éramos meninas taludas. Entramos no mar agarradas numa boia preta, câmara de ar, de algum pneu. Brincando, batendo pé, boiando, nos distanciamos. Quando nos demos conta do perigo, já estávamos longe, bem longe, longe da areia da praia. Sentimos medo, não verbalizamos uma para a outra, nem choramos, aliás, nunca contamos para ninguém o que ocorreu. Gritamos por socorro, desesperadas, e, mais nos agitávamos, mais longe a câmara de ar nos levava… Mas, alguém nos viu, assim como alguém abriu a porta do meu quarto. Alguém foi nos buscar, alguém brigou, e nos consolou. Na memória, o terror do abandono. Retorno dos mesmos sentimentos! Elizabeth M.B. Mattos – outubro – 2014 – Torres