Em toda a forma de ser há incoerência; extrema incoerência na rigidez dos acontecimentos, os mais perfeitos. A vida se desmancha em calamidades, eu me transformo em barro. Construo muros. Esculpir, martelar. Tecer as tiras de couro do açoite, forjar correntes. Impossível fechar os olhos: tudo volta sempre e sempre a exigir para si um espaço próprio, um estreitamento a superar o outro. Percebo que antes de qualquer ato ou vislumbre esbarro no meu eu. O que me acontece hoje está no passado sombreando. Repetidas vezes o mesmo… Eu me escondo atrás de máscaras. Mas o medo volta. Entro na lembrança, e lá estou exposta ao insuportável provável. Oscilo entre a percepção da existência e a ilusão.
Abro o livro.
“Não queria escrever, mas acabei por me resignar. É só para saber até onde fui parar, onde tudo foi parar. A princípio eu não escrevia, eu só dizia. Depois eu esquecia o que tinha dito. Um mínimo de memória é indispensável se a gente quer viver realmente.”
Samuel Becktt, Malone Morre.