O quadro

Criancas

Estou te escrevendo antes de sair para a calçada. Está sombrio hoje. Parece mais frio. Espero o dia se abrir para seguir a rotina do passeio matinal que fazemos. Nós, sempre o plural, a minha peluda, a pretinha se transforma em personagem. Ônix, boa companheira. Por ela faço um pouco do que é preciso, caminhar. E as manhãs ficam imediatamente lotadas. Faço devagar. Faço agitada. Faço na pressa, e no sol, ou na chuva. Saímos sempre.  Hoje escuto os pios dos passarinhos. Os passos da calçada. Olho preguiçoso! E me detenho na lagoa. O mar está atrás, sempre atrás, como se dele eu me escondesse. E logo é meio dia. Estou com frio. E ontem o dia foi ensolarado e quente. Movimentado. Gostei de ler na tua carta. Saber dos clientes, pacientes, e do progresso da sala. E deste olho atento de quem te espera… Penso que estamos sempre interferindo no mundo, e o externo entra nas pessoas, e modifica, remexe com alguma coisa, e nem sempre nos damos conta. É um jogo de quem é quem. Queremos nos blindar, mas não conseguimos. Somos o que está ao nosso redor.  Os olhos perseguem as diferenças, e se demoram nos detalhes, inquietos. E mudam. E se transformam. E se trocamos as margaridas por rosas, bem, as flores alteram tudo. Muda a alma num ritmo esquisito, sem controle. Como a música. Escuto o som de um piano, logo, imediatamente, vejo o instrumento, e acompanho o dedilhado, como se eu mesma pudesse estar executando o som… Tantas aulas de piano, de solfejo, mas a música não se desenvolveu como habilidade. Ficou naquela mesmice de modestos dedilhados que não eram escalas, e até não sei das sete notas que são todas, tantas! Dos sustenidos das claves de música, do canto, eu me envolvo. Altera humor, vontade e fantasia. A orquestra já faz outro efeito. Entra diferente, por todo o corpo sinto, e não respiro. E por esta sinestesia toda só consigo ler no silêncio completo. Escrever concentrada. Escrever? Preciso antes limpar, ordenar, arrumar a sala, e ter um jeito, um formato de beleza mesmo com tudo fora do lugar.  Amiga! A minha vida, ou o estar, habitar é revirado. E se quero pensar eu me deparo com uma viajante carregando os filhos pelas mãos, certa alegria peculiar neste caminho, mas sempre um caminho, nunca chegar. Preciso plantar uma árvore, e me deixar ficar para vê-la crescer. Estou sempre andando. Refazendo. O quadro que me representa tem uma mulher jovem olhando o mar com os filhos. Os filhos dentro de mim, e como se remexem, se agitam! Pedi para a Elaine fotografar. Não sei quem é o pintor, mas a tela tem leveza, história. E sou eu. Todo em azul. Tão bom te escrever! Tanto para comentar. Da análise que não faço, e queria, do tempo se escoando, e ao mesmo tempo enorme, mas preso em minhas mãos. E não quero me despedir. Nem avançar. O olhar se volta para o passado. Mergulho em lembranças. Mas elas, minha amiga, estão espicaçadas, escondidas, camufladas. Vou te contar do livro proustiano do norueguês Karl Ove Knausgård. Mas é atual. O autor é jovem. Não tem cinquenta anos. E os anos são sessenta e setenta, oitenta.  Embora aconteça na Dinamarca, Suécia, Noruega com neve, e frio. E uma cultura tão organizada no que de fato acontece e… Porque se olho para o meu tempo parece que a vida foi só um ensaio cheio de imprevistos, sempre o momento, nunca o pensado, planejado. Pois é, estou mesmo lendo, e escrevendo ao mesmo tempo, como se fosse possível. Quero que dês uma olhada no livro, não, não apenas uma olhada. Tenho certeza que vai te interessar. Amiga! Estou congelando. Como esfriou outra vez.

2 comentários sobre “O quadro

  1. Divago e Nao me apercebo da realidade em mim revolta! O mar e pastoso e as algas me assolam Na nudez de meu corpo frio! O sol atraz do Horizonte,sorrindo,num adeus distante,me conduz a alma para um amanhecer Sem Lua e o temporal arrasta a areia de meus pes cansados! E noite e a escuridao habita em mim variant e Triste! Amanha te Escreve Sem a cegueira que me aflige e queima!

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