… possuída de grande saudade triste. Nada possível ou diferente de dormir. Encontro amoroso, prazeroso e cúmplice (três palavras mágicas). Deste vazio acordo lânguida, sem rumo. Intenso tumulto. Tem qualquer coisa de mentiroso, falso, ilusório. Mergulho em febre transtornada. Não beijo abraço, sossego, paz e quietude, mas febre. Quero dançar, entrar no mar, beber o riso, falar dizer ponderar esmiuçar, e falar como se bastasse … quero o abraço. Quero não terminar de chegar, e reiniciar, e tomar o inteiro em posse egoísta e ciumenta. Dou-me conta que terminou. Como amores terminam. Como a juventude termina. Do mesmo jeito que os bebês crescem. Não se pode evitar. Não posso evitar engodo, dúvida, nem o irreal, surreal do inusitado… sinto o corpo dolorido do sono, e sei que volto a dormir tão logo a noite entre no meu quarto. Vou precisar do silêncio da perda. Do silêncio dolorido de constatar, Karl Ove desapareceu. Sua frota viking. Os olhos esverdeados, seus cabelos aloirados. O corpo magro, seu ar impaciente. Sua irreverencia. Ele simplesmente voltou para casa. Estou possuída de grande saudade. Inconsolável. Devorei morangos, bebi vinho, comi queijo, pão e manteiga. O doce de ovos com merengue nevado. Esvaziei a geladeira. Caminhei pela praia, molhei os pés no mar. Senti frio pelo corpo todo. Molhei os cabelos na chuva. Desejei desaparecer porque não posso fazer nada nem impedir que ele vá… A saudade devora sem piedade. […] “não é possível desfrutar a doce anarquia do corpo – pois superou o corpo. […] Alexandria era o grande lugar do amor, origem dos enfermos, dos solitários, dos profetas – enfim, de todos que tiveram seu sexo profundamente ferido. ” Profundamente ferida nesta despedida. Não estava preparada para fechar o livro, nunca estou pronta, ou preparada para qualquer coisa, coisa nenhuma… Uma violenta mágoa do não possível inconcluso. Toque e sexo. E o sexo não termina, escreve, carimba, fixa sempre o imponderável. O sexo acarinha.Toda a despedida é traumática. Dormir. Dormir mais um dia inteiro, dois, três dias. Todos os necessários para esquecer a fantasia deste amor. Elizabeth M.B.Mattos – outubro de 2017 – Torres
“Cinco raças, cinco idiomas, uma dúzia de credos: cinco esquadras cortando seus reflexos oleosos nas cercanias do porto. Mas existem mais de cinco sexos, e apenas o grego demótico parece capaz de distingui – los. O sortimento sexual à disposição é desconcertante em sua variedade e abundância. Alexandria nunca seria confundida com um lugar feliz. Ali os amantes simbióticos do livre mundo helênico são substituídos por algo distinto, algo sutilmente andrógino, voltado para si mesmo. Ao Oriente não é possível desfrutar a doce anarquia do corpo – pois superou o corpo. Lembro que certa vez Nessim afirmou – citando alguém, imagino – que Alexandria era o grande lugar do amor, origem dos enfermos, dos solitários, dos profetas – enfim, de todos que tiveram seu sexo profundamente ferido. ” (p.14) Justine Lawrence Durrell