fragmento da história

Às avessas, primeiro a alma, primeiro por dentro, primeiro o pensamento, a idéia de ser alguém e depois o vulto que se confunde na imaginação e custa a entrar um dentro do outro. A foto, duas, três, quatro fotos e ainda não é ele. Pois ele tem cheiro, tem boca, tem braços, tem corpo, tem olhos bem pretos, cabelo escuro, pele escura, corpo pequeno. Doce, tranquilo, de paz. Observa quando olha. Óculos grandes, os de sempre: todas as fotos, os mesmos. Quero vê-los pequenos, redondos, menores. Unhas retas, longas.  A boca se abre sorrindo, entregue. Observo. Gestos lentos, momento novo, nervoso: “…é quando não se espera mais nada para si mesmo, que se pode amar.”Amiel

Atravessamos a geografia. Estamos um diante do outro. As fotografias enviadas plasmavam uma imagem nas cartas que iam e vinham…Mais rápido do que cartas seladas o computador. O virtual. As fotografias imagem com cheiro, voz. Agora, um diante do outro. Não é alto, nem tem ombros grandes. As palavras espremidas para sair. Quero dizer logo tudo o que penso: o som nos atravessa sem pontuação. Afago à pele lisa, a mão. Estamos no Porto dos Casais. Atropelo tudo na música, não palavras, não lógica. O abraço é fundo, grande, demorado. Demorado o encontro do meu corpo no corpo dele. Sem palavras. Apertado abraço de encontro, de pele. O cheiro. Ficar quieto na curva do corpo do outro. As mãos também apertadas, quietas. O suor do calor parado. A história se escreve sem vontade de largar. Parar o tempo. Apenas, parar o tempo. O espaço escolhe outro espaço, pensa forma; cresce desejo, alimenta sonho este espaço que se abre no abraço trancado de nós dois. Somos muitos. Ele é a pele das palavras:

-Venceram, as cartas. As vozes telefônicas atropelam-se, estranham, choramingam e nem sempre se entendem ou comunicam… Hora errada, tempo curto, ânimo perdido, voz lenta, linhas cruzadas… Enfim!

– Somos dois malucos exercitando, alegremente, as melhores fantasias. Somos muito bons nisso. Em que mais seremos bons? Na possibilidade de nos sustentarmos nos olhos? Na coragem de cometer a loucura? A família, o trabalho, a vida cotidiana nada mais é que nossa loucura controlada. Estamos à beira do abismo. Imagino o salto para o abismo.

Elizabeth M.B. Mattos  – 1999 – Porto Alegre

“Era uma vez, na metade dos anos 60, um homem obstinado em permanecer normal. Por normal ele entendia casado. Marido de uma única vez e de uma vez por todas. Por normal entendia em primeiro lugar: uma vida contrária a de seus ancestrais, cujos amores tinham sido tumultuados, diversos e insuportavelmente doloridos.

Para levar a bom termo esse grande projeto de normalidade, havia cercado seu próprio casamento das mais vigilantes proteções.

Rompera os laços com o pai, por receio de contágio.

Não lia mais romances e via poucos filmes.

 Com a mesma preocupação de evitar riscos, passava sempre ao largo dos lugares que convidam à partida: livrarias dedicadas a assuntos marítimos, antiquários especializados em exotismos, agências de viagens, lojas de lingerie. Em sua casa nenhum mapa de geografia distraía as paredes.

Mas seu aliado principal, sua fábrica cotidiana de felicidade calma e sedentária, era o ofício que escolhera: […] “[3]

2016-04-17 08.41.35

MESA E RASCUNHOSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSs

 

[3] Orsenna, Erik in Longamente.Ed. Companhia das Letras

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