blasfêmia

E está coisa do amor acabar parece blasfêmia, mas acaba. De repente em corredor escuro, assustado, desaparece. Obsessão não termina, cresce como… Como não sei explicar. Cresce. E logo estou na beira do precipício… Nem adianta gritar por socorro. Se pudesse desviar, saber antes, evitar e voltar… Mas logo me dou conta que o melhor de tudo é este descaminho desvairado / empapado de amor. A danada loucura de se deixar levar. Elizabeth M.B.Mattos – dezembro de 2018 – Torres

euuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu hoje

fora do comum

O amor apaixona. Possível e incomunicável amor aproxima, e se revira atento. Basta  palavra solta, ou intenção desvirtuada. Perigo e voracidade. Olhos sem ver, e pronto, apaixonados. Depois, aos poucos, às claras, já caída no princípio, desavisada, acorda. É de manhã …, tem luz entrando pela fresta da porta. O corpo suado e dolorido. É tarde. Beth Mattos – dezembro ventoso, quente e cinzento com cheiro de mar. Torres 2018

A misteriosa e encantadora Kitty não poderia amar um homem tão feio, como Liévin se julgava, e sobretudo tão comum, que não se destacava por coisa alguma. […]  Um homem feio e bom, como Liévin se julgava, poderia, na sua opinião, ser estimado como um amigo, mas para ser amado com aquele amor que sentia por Kitty, era necessário ser um homem belo, importante e fora do comum. Já ouvira dizer que as mulheres, muitas vezes, amavam homens feios e comuns, mas não acreditava, porque julgava os outros por si mesmo e ele só seria capaz de amar mulheres belas, misteriosas e fora do comum.” (p.38)  Liev Tolstói –Anna Kariênina

LINDA ILUSTRAçÃO mesa e objetos

 

 

 

 

imaginário

Domingo, dezembro molengo, exasperado amassado. Direto ao vazio. Tão tarde para ler Anna Kariênina!  Não deve ser tarde nem para os olhos, nem para o corpo entrar na alma de Tolstói. Encabulada neste atraso …

Lembro das escadas volteadas enroscadas, parede áspera. A biblioteca. Agora penso na cozinha esparramada. Lareiras. Forração na casa inteira, fazia um pisar macio. O primeiro salto alto aos quatorze anos. Banheiros enormes e confortáveis. O tempo de ser criança, depois mocinha a me esconder na ideia de ler muitos livros, depois escrever outros tantos. Desenho amigos que deveria ter tido. Nestes de agora, o esboço. Os possíveis. No escuro da caverna envelhecidos e escondidos, encolhidos, felizes.  Juntos. Na Valentina graciosa e inteligente no alto de seus quatro anos. Nas invencionices da Magda e minhas: dançar ballet ou nadar, cineasta, modelo, ou escalar telhados. Jogar cartas, banco ou pingue-pongue.  Missas domingueiras da Igreja São Sebastião, em jejum para comungar. O cinema Ritz e todas as balas que coubessem nos nossos bolsos, todos os negrinhos/brigadeiros ainda na panela. Lata inteira de paté e uma dúzia de bananas fritas com açúcar e canela. Céus! Podíamos. Cachorro quente e macarronadas.  Abrimos picadas nos afazeres. Correria pelas calçadas, e passeios de bonde. Piano, anos e anos tentando as escalas.  E estudar mesmo, tão pouco! Nenhuma cobrança. Tudo fantasia de cuidados com o que poderia ser … interno: bonecas de papel, bebês com fraldas.

Acordo tarde, durmo tarde sem fazer o que importa. Tudo fora do lugar. Obsessiva por ordem, limpeza, tão devagar na desordem completa. Deixo o dia se arrastar e vou nele, pela calçada, uns minutos, na cozinha, no café preto pensando um civilizado chá, outra torrada. Banhos, sucessivos e obsessivos banhos, se não no mar no chuveiro, de banheira. Sem descobrir o vazamento que se transforma em lago. Vou a me afligir, imóvel. Uma quebração, uma reforma, renovação. O que me espera? Uma mudança quem sabe? Um verão diferente, numa barraca. Ou alugo um quintal com varanda. Fico querendo ser magra, linda e poderosa e corajosa. Que medo de morrer! E de viver também. Encruzilhada.

O feijão ficou pronto. Farofa com banana, salada de todas as cores. Fome nenhuma. Esta comida das panelas coloridas. Carne assada, bifes pequenos: cebola e alho. Vinho, água gelada. Perdida. Esta vida que escolhi sem pernas de fora, sem chapéu Panamá, sem blusa nova, nem sapatilhas coloridas, sem parceiro, sem risadas pela casa. Cheguei no lugar exato/certo. Imaginei. Silêncio e teclando. A doença não defino, vou procurar … conversar sem dizer, estar em olhar, gritar …, de jeito nenhum, sussurrar, colher margaridas e hortênsias. Rezar. Acalmar e rezar. Deve ser o caminho, sem pedras, algumas surpresas, equívocos. Perguntas sem respostas. Rezar um pouco mais, voltar ao tempo do rosário, do convento, de uma ideia reclusa, mas sem perder os bailes nem vestidos com rendas e cetim. E as valsas. E namorar. Multiplico, subtraio. Divisões não me deixam na areia …, nem perto das canchas, tampouco no rio. Estou sempre a caminho, nunca ao alcance do teu olhar. Beth Mattos – Dezembro de 2018 – Torres

o braçooooooooo

“Les autres sont imaginaires

Faux et cernés de leur néant

Mais il nous faut lutter contre eux

Ils vivente à coup de poignard”

Paul Eluare

Il dit aussi:  “Savoir veillir savoir passer le temps”

interior

Interior a grande tristeza mágoa, dor de morte. Tragédia rasgada. Esgaça a vida que se agita inconstante. Desespero. E.M.B. Mattos – Torres de 2018

“[…] as palavras confusas dos sonhos delas misturam-se com seus gemidos numa trança de sons que os unia de um modo tão íntimo que a certeza de nunca poderem separar como que apaziguava o receio da morte, substituindo – o por uma tranquilizante sensação de eternidade: nada seria diferente do que então era, filhas não cresceriam nunca e a noite prolongar – se ia num enorme silêncio de ternura […]”( p.59) António Lobo Antunes – Memória de Elefante

Janela com sombra

Foto de Luiza M. Domingues – Recife – Oficina Brennand

não recomende livro nem leitura

Ao acaso Beckett …, distraída. Trancada no romance no poema, larguei tudo, dei uma volta. Pessoa importa. Abraço sorriso, o gosto de sol, do ar …. “As visões no escuro de luz! Quem exclama assim? Quem pergunta quem exclama, Que visões no escuro sem sombras de luz e sombra! Ainda um outro ainda? Inventando isso tudo por companhia. Que acréscimo adicional a companhia ia ser! Ainda um outro ainda inventando isso tudo por companhia. Depressa deixá-lo!” (p.61)  Samuel Beckett – Companhia e outros textos 

Quero que voltes. Apenas tu, sem bagagem, sem conversa  sem palavra, sem sintaxe. Quero que tu voltes. Quero que digas aquele tudo que me arrepia, não entendo, só sei que eu te quero de volta. Eu prometo lavar, passar, esfregar, plantar, regar, e até emagrecer …, eu prometo rejuvenescer. qualquer milagre eu faço para te ver.

Estou maluca/louca/ ensandecida. Logo é Natal. Não compre livros, livros devem ser escolhidos no impulso, pelo cheiro, não indique livros, a cada palavra tu te jogas, neles tu te escondes …, tem que ser acaso/surpresa/atração o amor. Elizabeth M.B. Mattos  – dezembro de 2018 – Torres

Santa Cruz do Sulrelógio e máquina

olhos com flores

Ando com saudade, saudade da leveza de não ser e … Sonhar conquistar. Estar contigo, uma hora, duas, uma tarde, um céu. Tô com ciúmes do campo, dos cães. Quero a comida que perfuma. Imagino a camisa puída, e o meu vestido curto. Seguro teu olhar no verde. Gosto deste contemplar silencioso, da televisão dia e noite, do sono bom … Da tua voz que nunca escutei, da tua mão que eu não seguro. Desta saudade idiota de um dia ter tudo, no outro nada. E gargalhar … Que o tempo nos agarre e segure estupefato. Estarás velho, eu anciã. Que importa? O gosto da cerveja, o perfume do vinho e aquele destilado com gelo e limão. Somos nós a comer pastel, azeitonas e sonhos. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2018 – como pandorga em campo livre, ao vento possível de te encontrar.

O poema transformo em texto. Sem licença mexo altero repasso. E são poemas,… “Antes, teu corpo era feito de terra e não tinhas olhos abertos ou fechados que vissem as nuvens soltas nas alturas. Eras imenso, adormecias calmo e estavas sempre desperto nas manhã inexistentes. Eras teu próprio sol. Sem saber por quê teus olhos brotaram da terra como flores, nem quando ou como. Agora, o sol te ofusca os olhos quando o olhas e teu corpo sente frio ao acordar: és tecido com a sequência das manhãs que te traz o temor da tarde próxima, da noite imprevisível: os sonhos nada mais te revelam e a luz te chega apenas como luz, nos ângulos móveis dos ponteiro suspendeste tua vida nova: contas agora os dias e os séculos.”  Fernando C. de Garcia – O Príncipe Irreal 

olhos brotaram da terra como flores” difícil poetar

Sabbine e Iberê

 

e o estado …

Acordo com aquela sensação estranha de não trabalhar mais. Não saltar da cama enfiar qualquer roupa e ir para a escola … tantos anos! Loucura largar/parar/abandonar. Das quarenta horas , num repente  largar tudo …, sem plano definido. A Ulbra com vinte horas  noturnas, particular alegria. Inovei. Loucura de horários apertados. Engajamento emocional. Ninguém pode ser professor apenas algumas horas. Acordava envolvida e dormia possuída como se este fazer agisse também no sono.  Olhos fechados tudo seguia: vozes, ideias e  livros a serem lidos,  fichas consultadas, gramáticas, filmes. Alunos, escolas, pequenas viagens. Energia para dirigir até Porto Alegre de manhã e voltar a noite. Prazer da estrada. Aquela juventude boa de se entregar ao volante/rodar … Acordei com desejo de entrar no carro. Ir até a beira do rio Mampituba e passar no supermercado. Tomar café com aquele pão quente de farinha bem branca, suco de fruta, e gosto de vida, nova energia. Ideia de aposentar foi a pior que eu tive. Não trabalhar pode ser castigo infringido ao corpo ao tempo, testar alegria. E se desfaz em vagares. Coisa nenhuma. Hoje acordei com vontade estar de volta. Giz, livros, notas, chamada, vozes, pessoas … Eu deveria poder voltar. Desabafo. Novembro segue frio, ainda é muito cedo para providenciar no pão … Vou passar um café preto e desligar o radio. Talvez volte para a cama. Elizabeth M.B.Mattos dezembro de 2018 – Torres

outra foto linda da mesa com ver da batata doce

contar sem pensar

“Meu assombro é que eu me considerava imune a relâmpagos e trovoadas amorosas.

Cansada de simular equilíbrio. Louca loucura sacudida. Desespero, incompreensão. Falta  inteligência amorosa. Escorrego. Verdade pendurada no varal. Muda de de cor a voz, o dizer. Estúpido caminho pedregoso. Desnudar/desvendar/explicar enredo, ou beber vinho e rasgar pêssegos e mangas. Ansiedade sem alegria. Não posso me descuidar, estou perdendo o natural  da natureza alegre. Escorrego. Triste. Enjaulada. Não sei explicar. Não é normal. O corpo aperta os ossos. Efeito de tanto sono e desta saudade ensandecida, louca. Inexplicável.  …. joelhos, braços, pernas escalavradas, palavras  sem sentido.  Perigo! Olha o sinal!  Elizabeth M.B.Mattos – dezembro de 2018 – TORRES

“Cartas! Ela as possui, cartas! […] Cartas onde meu nome aparece […] romance de folhetim não é outra coisa: desenrola-se no papel, espelha-se na vida mas elucida-se nas cartas.”

Trivial sempre é simples, quando se reverencia silêncio, mas quando personagens começam a falar, brotam problemas.” (p.170-171) Marco Aurélio Barroso  in  …ela mora em Botafogo …

LINDA ILUSTRAçÃO mesa e objetos