igual

Sigo igual, a mesma. O tempo não perdoa. Eu me perdoo. Que importa se já passou ou não passou? Eu ainda sinto, e tu também.

“Saudade de ti. […] Proíbes -me de  procurar -te. Só tenho tua Caixa Postal. Por quê? Disseste na tua carta, […]Não sei por quê, mas penso que mentes. Quanto a ser traída, traídos somos todos nós, mais cedo ou mais tarde. Angustiada? Alguém mais ilustre escreveu: ‘ fora do corpo não há salvação.’ (p.23)  Hilda Hilst Cartas de um Sedutor

“Cansei – me de leituras, conceitos e dados. De ser austera e triste como consequência. Cansei – me de ver frivolidades levadas a sério e crueldades inimagináveis tratadas com irrelevância, admiração ou absoluto desprezo. Sou velha e rica. Chamo – me Leocádia. Resolvi beber e berimbar antes de desaparecer na terra, ou no fogo ou na imundície ou no nada.” (p.100)

Apenas ela é ela. E,  irreverente, direta louca, absolutamente, verdadeira e séria. A vida tem/dá esta cuspida idiota. Traça um rumo desconcertante. Escrever tem mesmo a loucura amarrada, vagar preciso/necessário: ato de coragem. Estou aqui pasma indecisa a pensar. Estas mulheres incríveis! Será que eu me alimentei este tempo todo de frango de vitrine? (risos) Não sei nada. Silvia Plath Anne Stevenson Elizabeth Bishop Helga Weiss Lilian Hellman Jenet Malcolm Colette Doris Lessing  Herta Müller Simone de Beauvoir Margarite Duras

Virgínia Woolf “A árvore perto da janela bate de leve na vidraça… Quero pensar com calma, em paz, espaçosamente, nunca ser interrompida, nunca ter de me levantar da cadeira, deslizar à vontade de uma coisa para outra, sem nenhuma sensação de hostilidade, nem obstáculo.” (p.107)  Contos completos – A marca na parede

OU  Marina  Tsvetáieva “Uma única lei rege, de fato, tanto o mundo físico quanto o espiritual. Aquilo que é mentira em um é irremediavelmente  mentira no outro. Você não ama suas feridas, você não se inebria com elas, você quer sarar ou morrer. Mas, no decorrer da doença, aprende muito, e eis que, ao levantar, abençoa a ferida que o tornou um homem. O mesmo acontece com o amor.” (p.287) Vivendo Sob o FOGO

OU  Liv Ulman: entro em minha casa  me estiro na cama. Sinto que estou excluída de alguma coisa que é vital. O medo, dentro da solidão: talvez só o que os outros tem seja  real.” (p.31) MUTAÇÕES

Fiquei tão perto, aberto! Sem ler nem saber me escondi atrás da carta e lamentei. Somei egocêntrico com neurótico, sem orgasmo, e me pareceu uma medida comum entre mulheres e homens. Mas se isso pode ser escrito, ou pensado e dito! Céus! Talvez seja a soma e a multiplicação da matemática. Devemos ler mais, conversar muito e reafirmar ou negar (esdrúxula sou eu que só penso em amar). Mas imediatamente a frase: “O livro não existe, o ódio contamina o computador, esfogueteia quem sente – escreve, e assim lê.” Paulo H. Filho. Quando abro estes Cadernos manuscritos fico atordoada. Concluo que antes eu era corajosa, agora, cautelosa. E está errado, preciso ser apenas livre. Elizabeth M.B. Mattos – 2019 Torres

azul e verde

Aragem boa, céu azul. O frescor de ontem se estende ao domingo festivo. Caminhar prazer, não fosse encontrar o céu com balões coloridos e o medo da Ônix apertar teria demorado na calçada e nos sorrisos de bom dia. E as notícias de Minas Gerais. De onde vem/chega beleza, de onde chegam desastres? Mapeamento de horror e susto. Não sei nada, e a ignorância sufoca. Despreparada. Assim conversamos, tanto a se lido, e dito e paradoxalmente, nada. Tudo já foi dito e apreendido. Beth Mattos

tua palavra

Sem palavra, tua voz me acolhe. Gosto. Galhos do pessegueiro, da goiabeira. Eu me transporto. Avanço com passos apertados pelos corredores do mosteiro direto ao ponto mais alto.  Verei os pinheiros e a extensão da floresta.

Eu não podia expor -me à falta de amor”  ou

” Um tremor de prazer  desceu-me do coração até  o estômago.” ou

Apaixonei -me perdidamente. Por ela e por seu vestido de flores, seu pano à cabeça, seu avental, familiares, amáveis, limpos, contrastando ali com os trajes sebentos e berrantes das ciganas ricas e muito más.”

Vou citando desgovernada passagens do livro O Ritual dos Pastores de Fernando Cacciatore de Garcia, o texto…, a palavra, o perfeito se define e se universaliza, eu mergulho.

Tenho a impressão de que o que escrevo não é em nada amargo, apesar das amargas verdades que venho expondo. Senão, não poderia ter a cordura com que penso estar narrando meu passado, a leveza com que encaro meu presente e a esperança com que antevejo meu futuro. Terei deixado claro que até o momento não culpei ninguém? Apenas desculpei. Nem vou culpar.”(p.141)

Ao ler estas memórias, fictícias ou não, eu me acovardo. Tantas vezes sem mencionar culpei. E ao confessar perdão senti rancor. Ser abandonada pode ser catastrófico, fatídico, eterno, e tão dolorido que toda ruptura sangra  para sempre.  Que a vida se encarregue de perfumar com rosas, cravos, ou colorir com anêmonas o caminho, eu me perco nas memórias, e lembranças catastróficas embora algumas vezes amorosas… A maternidade me salvou, não sei. O fim da guerra libertou Günter Grass, o amor salvou F. C. de Gracia, não posso ter certeza. Os textos se cruzam. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2019 – Torres

codigo livro velho

batalha perdida

…este cansaço de viver não está nos sessenta, setenta ou oitenta, nem noventa anos, antes no medo, na covardia, no pudor. Dar passagem sem vontade. Alguns livros sugam a alma, arrancam a coragem. Como escreve Günter Grass nestas memórias que atravessam a minha precária lembrança comum. ” O medo foi a bagagem da qual não consegui me livrar. Eu, que saíra de casa para aprender o temor, tive lições cotidianas. Encolher – se, desviar – se, adequar – se, humilhar – se, essas eram as técnicas lapidares da sobrevivência, que tinham de ser praticadas sem treinamento preparatório. Ai de quem não quisesse aprender. […] Mais tarde, chamei à recordação algumas situações às quais pude escapar apenas com a ajuda de acasos afortunados, e as chamei por tanto tempo até se arredondarem e tomarem a forma de histórias que no decorrer dos anos ficavam cada vez mais palpáveis ao fazerem questão de se tornar críveis até o mínimo detalhe. Mas tudo que se conservou na condição de perigo  sobrepujado na guerra tem de ser posto em dúvida, mesmo que fanfarroneie com detalhes concretos em histórias que querem valer como histórias verdadeiras e fazem de conta que podem ser mostradas e demonstradas como o mosquito no âmbar.”(p.115-116) Nas peles da Cebola

E o medo tem corpo, sentimento, e se sacode incompetente num dia de tanto calor. Não tenho história, não tenho palavras, nem ânimo, tenho medo. Por um momento encontrei uma pessoa que poderia ser o abraço e o aconchego. Equívoco. Ninguém está em condições de estender a mão, atrapalhados com o acerto, o erro político. A cruz do calvário seguinte, o grito, o silêncio. Todos sabem  o que deverá ser correto, quem abandonará o barca. Formigas e camondongos, incerteza. Preciso  correr para o que chamo minha casa, minha caverna…,vou pintar as paredes, e os cupins serão vencidos, e as venezianas me protegerão. Elizabeth M.B. Mattos – ainda Torres de 2019 – quem sabe me mudo para Gravataí?Esqueço o mar e os amores amados. E leio:

“Era a imagem de uma camponesa linda, no seu vestido simples, de pequenas flores amarelas, vermelhas, azuis, laranja e verdes sobre um fundo branco. Além disso ela estava apenas sorrisos, divertindo – se com o que fazia, fazendo – me participar, dizendo que segurasse os saquinhos, que pedisse mais deles à babá. Os pêssegos iam ser muitos […] Apaixonei-me por ela, pela cena, por seu vestido, pelo seu lenço branco, pelo avental, por sua beleza,por sua infinita dedicação com os pêssegos. Senti que, como àquelas frutas, ela me cuidava e me queria. Não resisti a tamanha atração. Tinha de fazer alguma coisa.”(p.59)Fernando C.de Garcia O Ritual dos Pastores

Alguém escreve um livro, mas quem lê se derrama. Viaja, e se transporta. Sente os equívocos, as rejeições, e alucinações…  A vida não tem o limite da terra. Beth Mattos

Afonsinho meu peixe vermelho

A memória gosta de invocar lacunas. O que permanece fixo se reapresenta sem ser chamado, com nomes sempre diferentes, e ama o disfarce. Também a recordação muitas vezes fornece informações apenas vagas e arbitrariamente interpretáveis. Ela às vezes usa a peneira grossa, às vezes a fina. Sentimentos, migalhas de pensamentos acabam caindo pelas beiradas. ” (p.146) Günter Grass – Nas peles da cebola Memórias

O que for possível trazer ou levar, lavar ou esticar, passar distraída deixando para trás… A cada memória ou lembrança um esvaziamento. Lacunas importam mais do que qualquer detalhado e preenchido relatório. Arranco a dor. Estou vacinada. Distraída e saturada, transbordo… Todos os registros da casa estão devidamente apertados, fechados, nenhuma gota sai pela torneira, e na bacia cheia com água salgada os peixes pequenos, aflitos, ansiosos esperam como eu. Coloquei um pouco de areia no fundo, e algas, conchas.

Devo comprar um aquário. Gosto do pequeno peixinho vermelho, mas também dos  listados. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2019

 

terrível tormenta

Se  tormentas e temporais e chuvaradas e queimadas me descrevem, não sei. Texto, livro, palavras, a literatura me pertence, ofereço. Gosto do dia, verdade ou mentira. Não importa. Esta maldição abençoada das letras me consome. Beth Mattos

[…] uma terrível tormenta. Os trovões pareciam estar rasgando o mundo com estrondo e não paravam, agudos, intensos, ensurdecedores, […] amplificados por seres malignos que queriam aniquilar – nos. Os raios faziam vibrar os vidros das vidraças, com uma luminosidade ora azul, ora vermelha, ora púrpura, as cores acentuadas pelas cortinas transparentes de voile. […] lembro – me com perfeição, foram os sentimentos conflitantes de amor por minha tia e por minha mãe, a culpa por afastar – me desta e a rejeição que via na permissão que me dera para que eu me aproximasse de sua rival, que, em meu pequeno mas intenso coração, se misturaram com a tormenta, […] (.45) Fernando Cacciatore de Garcia O Ritual dos Pastores – Memórias de um homossexual na infância. Sulina 2011. Porto Alegre

 

presságio

Pode ser problema pessoal refletido no outro, no fato, no jeito peculiar de ver as coisas, e nesta neurastenia sem fim, embutida na palavra. Há que considerar, perdoar e seguir esperando a cura. Parece escuso, mal focado, amargo, seco, torto, esquizofrenicamente pontuado. Intolerante. Que estranheza! Acreditei que o mês de janeiro, e fevereiro teriam colorido de  carnaval, leveza, silêncio, música e canto, orquestra. Segue o temporal: raios e trovões. Sem sorriso. Cobrança, pedra e cascalho, poeira e ventania. O fim, ou término, o ponto, o desencanto. Estou exausta. Reviro a terra. Enfim! Cansaço,  desânimo! Ainda ouço gritos! Talvez dormir por mais um ano, ou dois.  Será difícil acertar,  o presságio  da desgraça agrada, enfeitiça a desgraça nesta cozinha de maledicência aberta. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2019 – Torres

cozinha pode ser alma

O medo foi a bagagem da qual não consegui me livrar. Eu que saíra de casa para aprender o temor, tive lições cotidianas. Encolher  -se, desviar – se, adequar – se. humilhar – se, essas eram as técnicas lapidares da sobrevivência, que tinham de ser praticadas sem treinamento preparatório. Ai de quem não quisesse aprender. Ás vezes o que ajudava ao final das contas era apenas a criança chamada fortuna, gerada pela esperteza em conúbio com o acaso.”(p.115) Günter Grass – Nas Peles da Cebola – Memórias

Por que sigo lendo! Tanta dificuldade tenho com o vocabulário, com o tema. Engasgo. Eu sigo, teimosa. De certo, amanhã será um dia ensolarado, não sombrio como este. Beth Mattos

tempo ausente

“Maja 

Sim, tu, que estiveste muito mais tempo ausente de caso do que eu… Estás realmente contente por teres voltado?

Rubeck

Para falar a verdade… não… não estou.

Maya  ( com vivacidade)

Vês?! E eu já sabia que ia ser assim.

Rubeck

Talvez seja por ter estado tanto tempo ausente. Tornei – me estranho a tudo o que aqui me cerca… estranho ao meu ambiente natal.“(p.29)  Henrik Ibsen  Quando despertamos de entre os MORTOS

Há qualquer coisa de cruel quando se vive de lugar em lugar, de cidade em cidade, de estado em estado, de país em país, cruel ou dolorido.  Este estar e não estar, contínuo ajuste e reajuste. Paisagem nova, sensação nova, relacionamento novo. Armar tenda cigana e respirar, sorrir, e dançar. Alegria descontínua, paradoxalmente, constante que pode  despedaçar por dentro. Despedaçar seria nunca saber quem realmente somos por dentro, no coração. Constantemente holofotes. Elizabeth M.B. Mattos – 2019 – Torres

resvalar, não entender

Guerra evidente. O sentido pode ser outro. Compreender, teórico, escrever um vício. Conversar, monólogo. Enquanto ouço o som pausado da tua reclamação escuto o piano. Sinto a respiração do tempo. Construo a resposta. E caio no precipício. Quer dar um presente? Uma oferenda? Que seja o possível, não o excesso. Quer olhar…  Olhe. Não sei se o dinheiro faz a diferença, o poder, tenho certeza. Enquanto os filhos fazem as malas, os netos caminham, os irmãos se aquietam, os tios desaparecem, os sobrinhos se estranham, a família se renova. A energia desaparece. Não deveria ficar a pensar no envelhecer, mas eu penso. Este calor anuncia um gélido e longo inverno. Nada me impressiona, assim mesmo não quero ir, então o silêncio. As decisões estão certas. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2019. Também em Torres faz calor. Faz bastante calor. E o tempo de esquecer, insignificante. Tudo é agora, este minuto de aspirar, lavar, secar, resolver, abrir a geladeira e beber água, passar o café, escolher a maçã, comer uma fatia de mamão, escolher as uvas. Ter saudade do pai e da mãe. Energia de recomeçar, reorganizar, dizer e olhar. Depois exaustão. Nada do que se pode fazer ou dizer importa. E a coragem se esconde na fuga. O vazamento aumenta, a água segue correndo, infiltração, descaso. Não, eu espero.  E fico desejando desfazer – me de todos os excessos. Dois pratos, três copos, dois jogos de lençóis, três travesseiros. Dez livros. Duas toalhas de banho. Um novo aparelho de som, uns toca discos, um rádio, oitenta memórias, dois vestidos, duas gavetas, uma coberta de penas para o inverno, uma janela, dois degraus, um cálice de vinho, uma saudade, nenhuma lembrança, nenhum excesso, um abraço. Odeio somas, subtrações necessárias. Divisões. Multiplicações? Um sorriso. Poucas palavras. Uma amiga.

scsul a saudade no portão

sustos

A perna dói por dentro, como um grito desgovernado:sinto. As costas, os calcanhares. E não durmo. O pescoço, e os sustos do corpo se apertam malcriados. Para ordenar, limpar e prazeirar preciso de energia e paz. Beth Mattos – Porto Alegre Quero um lugar que exista…, não mais minha folclórica vida de faz de conta.