Para o Paulo

CARTA para PAULO HECKER FILHO 

7/10/2005 PORTO ALEGRE, cinzenta outra vez, como eu gosto.

Sobre o que escreveste – PORTO ALEGRE EM CENA.

Li a crítica ilustrada, pois consegui participar dO 12 PORTO ALEGRE EM CENA.

Obrigada.

Hoje mesmo farei seguir o texto ao TAVARES.

Da minha parte, enterro a cabeça no que chamo “minha ignorância” e a tendência a nada escrever.

Releio o teu bilhete: “diz se funcionou”.

 

Queres saber se funcionou. Funcionou.

 

Dia 9. Os Negros: “inovadores e caprichados, já um impacto”, “ amplo elenco dá o recado” depois o que diz GENET ”isso basta”. A crítica?  Um “roteiro mais lógico” formar e apresentar a dificuldade de deixar redonda a fala / ideia de Genet: gostei do resultado que tu apresentaste:

“Tá bonito, mas onde vamos chegar? Não chegaremos, é isso aí”.

Concluíste com o importante:  “Peça de Genet é assim, um derrubar de ídolos, idéias, criaturas. Pode-se achar que para que o próximo passo, no teatro e na vida, seja mais verdadeiro, superadas as ilusões”.

Genet precisa ser conhecido do público. Que a água/gente atravesse o esgoto, e que as pessoas saiam limpas, úteis do outro lado do cano.

E eu me pergunto, será que ele pretendia isto? (Coisa esquisita eu escrevi aqui.)

Ler e ficar mesmo entre o dito e o não dito. Reler e ver é passar pela “coisa” outra vez e reescrever só para nós mesmos. Estamos em “as pessoas se entredevoram”.

Entenderão? Ou apenas se sentirão fedidos e indignados?

Colocaste o PONTO DE INTERROGAÇÃO.

 

Adorei o poema El tiempo de um silencio.

 

O tempo de um silêncio pode ser tudo, não tem fundo.

Dou-me o tempo de um silêncio e sou mais eu. Ou menos?

Até que ele me diz, ou eu me digo, fim, e zero a zero.

 

Isto é Paulo Hecker Filho “… trata-se do horror após a separação de um casal. E não é que atingem mesmo esse horror com arte! ”

É isto:

“E soberbo”.

Lamentei não ter assistindo.

 

Estou sempre presa nas minhas próprias separações e fechada ao mundo. Ler PHF é ouvir, ver, sentir sem sair do quarto.

Bom mesmo é estar a ler o que escreves.

 

Repetir o que escreveste:

A fotografia, excelente, respira em belas imagens rurais…”.

Exílios, o filme francês. E, ou, então, sobre o que escreves sobre

Howard consegue transmitir a vibração do boxe, um esporte que, a sério, torna praticamente direta a luta pessoal pela vida

Este filme eu vi e lutei com ele no ringue: menina.

E tu estás em Beckett abrindo os livros, o autor, o teatro, resumes o texto e ainda diz:

Estamos todos nos afogando, ninguém pode ajudar ninguém. Beckett não faz por menos e no entanto não há só a vida humana, há uma civilização, onde é verdade não conta pouco a poesia que ele encontra na angústia do vazio”.

Deveria eu seguir um por um os dias todos dos espetáculos e comentar.Passar por eles em palavras, mesmo que citando o já dito.

Meu limite.

Que bobagem!

Sempre que te colocas, “tornando intensa a sua própria personalidade” O. Wilde, a tua voz é ouvida no contexto texto. Exato o que pretendes.

Funcionou.

E com gentileza escreves: “Você é poesia sem esquecer a mulher” para Tutikian. E eu, curiosa, fico pensando e querendo ler a carta toda que não é para mim. A frase já diz. O quê?

Houve precisão e participação.

Do último espetáculo saíste agraciado por mais um eterno amor.

E antes que o tempo morra nos meus braços, volto à seleção de filmes franceses QUARTAS LOUCAS, de Pascal Thomas. Uma glória. ”.

Meu querido, vou tentar encaminhar proTavares e ver se ele escreve – se é que deseja entrar mesmo em contato, às vezes, palavras são apenas palavras. A vaidade, seguidamente, corta fios.

Vamos ver!!!! Sou amarga e seca. Eu sei.

Gostei de receber notícias do mundo inteiro através de PORTO ALEGRE EM CENA.

E, tens razão quanto às perdas do espanhol, castelhano ou sei lá como nomeiam estas línguas todas nossas parentas distantes, ou próximas? Línguas difíceis, justamente, pelas semelhanças e a idéia falsa de que podem compreender. Como? Sequer compreendem o português. Ora!!!

Ver “os ataques à tevê, professores e críticos”.

Se ninguém ainda aprendeu a nadar por falta de professores, informações e críticos, morreremos todos na santa ignorância da benta água, incompreendida, como a mesma santa água que misturam na farinha e cozinham, em forno à lenha, as pizzas desta nossa boa política. Assim seja!

Foi publicado? Onde este teu trabalho?

Sigo pousada num bom lugar.Como aquela pomba do poema do Carlos Drummond de Andrada.

Coisa de egocêntrica e preguiçosa: nada faço, espero.

Espero que o tempo passe.

DURMO e não repouso. Vou ao correio agora.

AH! Adorei teres adotado o Xavier Marques: vou contar para o Roberto que faz ou já fez um trabalho sobre estes autores de 1800.

E tudo em ti é vida e trabalho. Terei outra vida? Um beijo com saudade. Beth Mattos (Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – procuro uma carta, encontro outra. Saudade do amigo e da correspondência!

sua/tua passagem

Registro digital. Ao mesmo tempo que escrevo, desapareço. As palavras são o falso limite, e não consigo te prender nelas. Do caminho foges decidido. Resiliente. Escorregadio. Não consigo me aproximar. Se penso na tua generosidade, penso no meu jeito avoado de ser. Distraída, sim. Também eu escorregadia… Beth Mattos

“[…]: o tempo não se importa com o que acontece em seu transcurso – o mesmo se diz do espaço em relação às coisas que o ocupam -; sua passagem implica movimento, e ele só tem sentido, é lógico, em relação às pessoas, tal como se diz na teoria das catástrofes: só há catástrofe quando há sobreviventes. A história implica algum tipo de registro e, desde logo, narrativa.”[…]

O fato de estarmos em busca da verdade não implica que estejamos de braços dados com ela, como alguma ciência poderia querer supor, não implica que a tenhamos conseguido, pelo menos de uma vez por todas; tampouco implica que tenhamos desistido dela, pois ‘a verdade é um valor que responde à incerteza‘(Lacan): nós a buscamos como quem busca alguma segurança. A busca da verdade anima historicamente o homem.” (p.205) Luiz-Olyntho Telles da Silva Freud/Lacan O Desvelamento do Sujeito

sujeito / o eu somos nós

Escrever agarra/ traz de volta um pedaço de história, ou estória, deixa rasgado / lido / definitivo. Eu não dou conta do meu dia, logo me perco na manhã agitada por afazeres domésticos. Escuto na calçada risadas, “não”, “deixa”, “depois” eles se agitam ao sol, concluo: dois meninos e uma menina, sempre demais, e o inverso, duas meninas e dois meninos. Eles falam/gritam alto nas risadas, ao sol. Um adulto uma adolescente, um adolescente uma criança, um velho e um bebê: o mundo me escandaliza, ou sou eu o excesso de sol – de noite. Excesso de silêncio. Silêncio como cobertor quente de carinho quando o frio se faz frio.

Como meu pai lês História: o prazer. Pode ser Os Sertões de Euclydes da Cunha a descrever o gaúcho: “Desperta para a vida amando a natureza deslumbrante que o aviventa; e passa pela vida, aventureiro, jovial, diserto, valente, fanfarrão, despreocupado, tendo o trabalho como uma diversão que lhe permite as ‘disparadas’, tomando distancias, nas pastagens planas, tendo aos ombros, palpitando aos ventos, o pala inseparável, como flâmula festivamente agitada.” Não resisti citar este trecho por ele sublinhado num contraponto com a  a terra, o homem (p.80) / gaúcho (p.117), o vaqueiro (p.118). Tão pouco sabemos da terra! Da geografia, de história. Tu te adiantas. Com certeza certa / certamente, vais riscando, assinalando e redesenhando a cada nova versão (antes estudada) um fato novo evidente, ou fantasioso ou objetivo na subjetividade do historiador (que anota / narra/ pesquisa). Lês história, como eu leio romances: desenhas personagens. São novelas, ou contos ou narrativas de dentro. De certo a alma destes objetivos encontros históricos que lês e relês (a cada versão um detalhe), recolhes personagens / ou almas. Qualquer coisa descritível que existe no ser humano / nas pessoas, e nas novelas. Alguém dita / escreve / retoma / fotografa / filma a nossa História. Romances desenham o espírito quando este se materializa / voeja / e caminha. Grandes narrativas de Proust, Joyce, Musil ou Mellville travam batalhas e conquistas, avanços ou derrotas. Viajas na geografia, entras em naves espaciais, estarás noutros planetas muito antes… Assim mesmo te recomendo as novelas, quase  narrativa / conto nestes pequenos volumes: A casa de Papel  de Carlos María Domínguez, O jantar de Herman Koch  e A Lista de Jennifer Tremblay. De repente eles são uma pista, meu amigo. Elizabeth M.B. Mattos – juulho de 2019 – Torres

 

de tudo

De tudo o que lembras: o dito, o pensado, o mencionado, segurei o afeto. Nesta vida atabalhoada e jovem, a tua, guardaste no coração (mesmo sem saber) generosidade tempestiva. E claro! Sedução. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

vestígios

“Minha querida: perdoa o silêncio. tenho estado fora do escritório, ou em reuniões, ou procurando nosso lugar. Hoje vi um apartamento no Sion que me agradou. Fica num ponto ótimo e está em bom estado de conservação: três quartos com armários, suite e uma sala grande. Um corredor que pode comportar uma estante para livros. O aluguel é caro (seiscentos reais). Perguntei se seria negociável. Não fui a Pampulha ver as casas, por falta de tempo. Pretendo ir amanhã. […] Belo Horizonte, 2 de agosto de 2000″

Encontro com papel: dia de limpar para fazer / ser, ou estar

Presente ———————————————–Infinito

…………………………………PASSADO

Linha da batalha limitada pela força do passado e do futuro. Protegida do vazio. Do nada que tanto assusta! Raiz no presente sempre o presente. Não dura além dele. Beth Mattos

Para mudar a metáfora, ela é a calmaria que reina no centro do furacão, que ainda pertence a ele, embora dele seja totalmente diferente. Nessa lacuna entre o passado e o futuro, encontramos o nosso lugar no tempo quando pensamos, isto é, quando estamos distantes o suficiente do passado e do futuro. Estamos aí, aí em posição de descobrir o seu significado, de assumir o lugar de ‘arbítrio’ das múltiplas e incessantes ocupações da existência humana no mundo, do  juiz que nunca encontra uma solução definitiva para estes enigmas, mas respostas sempre novas à pergunta que está realmente em questão.“(p.158) Hannah Arendt A Vida do Espírito

 

 

 

“Liberdade! Decerto que a liberdade que hoje em dia é possível é algo de miserável. Mas não deixa de ser liberdade, não deixa de ser um bem que se possui” Franz Kafka (p.123)

Converso com o livro, esquista eu! Volto a te encontrar. Momento novo, relampejar dispersivo. Quase, quase curada no/do silêncio. Volto para ti, para nós, como cisma . Teu conselho, tua ideia, teu primeiro momento se perdeu… Não consigo te largar. Oxalá a vida se resolva nas voltas, nos retornos, em retomadas e tenhamos outras vidas, estamos agora, tu e eu, emparedados. Engajamento. São os fantasmas… E para a casa ser assombrada é preciso engajamento. Eu me empenho.

E que outro significado tem senão esse as horas benditas que passo, ora dormitando pacificamente, ora vigiando com um certo sentimento de felicidade, nestas passagens que tanto se coadunam comigo, onde me posso estender confortavelmente, rebolar com prazer infantil, deitar e sonhar, ou dormir um sono profundo e abençoado.” 

Sono profundo e abençoado, este se deixar ficar necessário!  Franz Kafka já disse tanto destas interioridades labirínticas e inquietantes. Eu fico a rodar nas mesmas palavras e sentires, volto para nós. Não adianta voltar aos velhos, e mortos amados amores. Não sei… Apenas penso em ti louca de medo porque, de alguma forma, também tu podes ser o vazio. Ou apenas um amanhecer. Atrás da muralha estás. Desta Grande Muralha… Teu rastro, textos amorosos!

E as divisões mais pequenas, cada uma delas tão familiar que apesar da sua semelhança entre si as distingo umas das outras claramente, até de olhos fechados, ao simples tacto das paredes: elas rodeiam – me de maior paz e calor do  o  ninho ao  passarinho. E todas, todas silenciosas e vazias.

Por que não ouso? por que não avanço o sinal, por que eu mesma não nos surpreendo? Não quero quebrar o feitiço. Tenho medo do meu medo latente, vigilante. Também desta  insegurança grudada na minha pele. Tudo me assusta, e teu amor também. Antes de ir eu recuo, antes de aceitar digo não, antes de pensar saio correndo. Por isso recuei, depois tu mesmo recuaste. O teu sinal se escondia na tua memória, não eras tu agora. A camisa puída, os cães, o jogo, o verde e o tempo de ir e voltar de ousar nos fugiu. Tu ousaste. Eu fui andando meio cega. Eu me pergunto por que não parar o agora? Olho pela janela, passiva entregue. E espero por ti. Na rodoviária, no meio do caminho, na esquina. Eu sei. Sei do estrago / da felicidade / da ansiedade / da incerta travessia. Assim mesmo iria ao teu encontro. E.M.B. Mattos – julho de 2019

Mas, se é realmente assim, então porque hesito? porque receio mais o o intruso inimigo do que a possibilidade de nunca mais voltar a ver a minha toca; eu e a toca estamos tão indissolúvel e intrinsecamente ligados um ao outro que, apesar de todos os meus receios, eu poderia instalar – me aqui fora, sem ter de vencer a minha repugnância e abrir a porta; eu saberia sentir – me satisfeito em esperar […] pois nada pode nos separar muito tempo, e,  de um modo ou de outro, quase que de certeza voltarei a encontrar – me na minha toca. […] E só de mim depende inteiramente o encurtar este período e fazer o que há a fazer imediatamente.” (p.46-47) Franz Kafka  A Grande Muralha da China –  Tradução de Maria de Fátima Fonseca – Direitos desta Edição reservados por Publicações Europa-América LTDA (livros de bolso – europa-america 124Lb