Carta 1
Se estou na praia, determino, mentalmente, que o ideal/perfeito seria a montanha. Quando as vozes me atropelam quero a angustia do silêncio vazio. Ou seja, esta danada idade de setentar é uma tentativa audaciosa e covarde ao mesmo tempo. Não me proponho a enfrentar. Sabes bem que antes eu me enfeitava de fazer, de limpar, de arrumar e comprar flores na feira de sábado, picar frutas e comer espinafre. De um certo modo bastava isso. Se alguém telefonava para contar do calor, do frio, do excesso de trabalho, ou da falta de dinheiro, eu podia/posso/poderia acolher. Mas o que pretendo te dizer hoje nesta primeira carta, a número um deste ano. Não me satisfaz, não me aquieta, não melhora meu sono. Ou melhor, estou péssima. Indiferença mortal definitiva fez/faz um círculo a minha volta, estou prisioneira. Gostaria/deveria ter podido estudar e entender a matemática e seu número infinito, ou a lógica, e as certezas. Ao contrário… Desaprendi com o passar dos anos a escrever e a ler. Assim, a fragilidade dos desenhos são meu único refúgio. Sim, seguirei a te escrever em áudio. Terás a minha voz a te contar o que importa. De manhã, altiva. A tarde já querendo te segurar. De noite a voz estará/será escura. Um beijo com saudade e aquelas despedidas todas que se fazem necessárias ao escrever. Beth Mattos, reduzida ou Elizabeth M.B. Mattos, como preferes. Janeiro de 2020