três horas

De repente tu acordas às três horas da manhã, agora, já quatro. Ônix movimenta/exige: qualquer hora pode ser hora. Depois o leite quente, o aconchego do livro, a revisão. Depois eu me questiono, e até me inquieto. Por que dizes que me amas se sabes que estremeço? Beth Mattos – janeiro de 2020 – quase perfeito o tempo: ordem, acomodações, e ainda tenho  um pouco de verão na reserva. Gosto de felicidade alegre. Claro! Apenas uma hora certa/ justa, o agora. Elizabeth M. B. Mattos – janeiro de 2020 – Torres

acordar sempre

Acordar, parte melhor do dia. Fico dividida entre este dormir e acordar a fatiar o tempo pra me enganar. E a M. não veio, eu não fui. Sem mar nem piscina. Verão. O verão se agranda entre quente, e tanto vento venta o tempo. Torres assobia. O amor se remexe arredio, arrepiado e espraiado, solto. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020

 

França – Limoges – Porto Alegre Rio Grande do Sul – Rio de Janeiro – Santa Crus do Sul – Rio Pardo – Brasil

Inexplicável! Não. Banal! O amor pelo francês e todo o envolvimento visceral, descoberta. Quando abro um livro tenho a rua Vitor Hugo, a casa, o jardim, o pai e a mãe de volta. Detalhes mínimos da vida. Na onda. Sufoco no mergulho salgado de prazer e loucura e… Areia sol sal e juventude-menina. Tempo livre e solto, arregalado. Vida praiana de verão. O balanço das férias transforma a rua Vitor Hugo, a casa 229, os jacarandás, e os cães em puro prazer. Tens razão, meu amigo, quando lembras o verão: cumplicidade, depois blindagem e  hoje… Esquisitos sentimentos. Viver e estar e passar tantos anos em Torres me surpreende. Mencionaste o encantamento do pai, e aquelas alegrias todas do veraneio. Verdade. A mãe gostava de cariocar, mas se misturavam. Torres prevaleceu. Fiquei a pensar o que eu teria escolhido para mim se fosse livre e independente. Não sei. Ter casado e ter sido feliz na  Porto Alegre onde eu nasci. Estar na casa de Petrópolis, para sempre. Não sei. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 – Torres

casa da Vitor Hugo casamento da Tânia

Ela

Journal 1 (1931-1934) de Anaïs Nin

A literatura é um exagero, uma dramatização, e quem se alimenta dela corre o risco, o grande perigo de tentar / querer viver do mesmo jeito ou como ela. Um ritmo impossível de seguir. Não é possível seguir/nem sentir a intensidade  de Dostoiévski  ou a extravagância de tantos outros escritores… Vou atrás dos livros, mas me desencontro com as pessoas, os não personagens. Estas marcantes eficientes alucinadas leituras são o conflito…O estrago está feito, o estrago/ o mal profundo. Não há cura, não tem retorno. É uma doença progressiva e dolorida.

La littérature est une exageration, une dramatisation, et ceux qui  s´en nourrissent (comme moi) courent le grand danger déssayer de suivre un rythme impossible.”(p.43) 

“Ne jouez pas à des jeux que ne vous sont pas natureles[…](p.166) Parece banalidade ou obviedade um conselho simples como este. Não tentar ser/não desejar ser/ não representar o que não se domina conscientemente. Não obedecer as regras impostas, mas ser, por inteiro, apenas quem a gente É. Do jeito especial ou surpreendente ou bobo mesmo, ou genial, ou obscuro, mas o jeito íntimo de ser você mesmo (o tu, ou Eu). De repente sinto saudade de você… E as surpresas evidentes, EQUIVOCADAS, assim mesmo presas. Decidi não amar ninguém, não entrar no mundo, não sofrer, não ter confronto, nem presença, nem ausência porque logo cedo, antes de começar eu já tinha sofrido a rejeição, a traição, o equívoco e a dor de perder antes mesmo de ter. Amar necessariamente leva a separação, logo, lenta, ou indefinida, assim mesmo, uma separação que faz muito muito muito mal. Beth Mattos – janeiro de 2020

J´ai decidé qu´il vaut mieux n´aimer personne, parce que lorsqu´on aime, il faut ensuite se séparer, et cela fait trop mal.” (p.172-180)

 

obscuro

Propaganda do bom e do melhor numa esteira de horror, arranca cabeça, e mexe remexe o corpo do boneco marionete. Jovem radical e vociferante e pleno. Pensar a descansar, tão fácil apenas seguir…  Beth Mattos – janeiro de 2020

“O amor, já de si, é algum arrependimento.”

Mas o mal de de mim, doendo e vindo, é que eu tive de compensar, numa mão e noutra, amor com amor. Se pode? Vem horas, digo: se um aquele amor veio de Deus, como veio, então  — o outro?… Todo tormento. Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ôntem amanhã: é sempre. Tormentos. Sei que tenho culpas em aberto. Mas quando foi que minha culpa começou? O senhor por hora mal me entende, se é que no fim me entenderá. Mas a vida não é entendível.” (p.188) João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas

voltar amanhã

Se eu te explico a fantasia/ o sonho ou alguma coisa do outro lado… Acredito/penso/imagino na justificativa para correr/ ou mudar/ ou inventar outra vida. Nós dois. (tão bom poder pensar / ter esta alegria de resolver…, acreditar que eu posso/ que eu consigo, tu me perturbas!). Mudar de casa pode ser, ainda, ainda uma vez, reinventar o caminho/viajar/procurar. Esta inquietude fantasiosa não se explica com palavra, melhor seria soltar balões coloridos ou todos brancos, ou todos vermelhos. Soltar balões pela janela. E se o vento conversa com balões a minha vontade se desgrudaria e iria junto pelo céu. Voltar a Porto Alegre, morar em Porto Alegre! Porto – chegada, Alegre – feliz! Estou  ainda, outra vez, a divagar. Do porto saio / embarco, e posso voltar, ou não voltar.  Quando este calor viajar, voltar pro lugar dele, sair por aí… Irei caminhar. E Torres deve me abraçar outra vez. Tens razão! Estou melhor em casa. Vais gostar do apartamento com este jardim iluminado, envidraçado, quase farol! Ou…Todas as histórias se prendem no ir e voltar. Eu sei que vais / estás a entender. E nós dois deitados, no sonho, contaríamos outras/ muitas histórias proibidas, e de meninos, de jovens vestidos de gala dançado, ou na areia, no jogo, no mar. E rir e lembrar enganaria a blindagem de ser como é/do jeito feito, acabado. Sim, tu tinhas uma casa em Torres. Como ia ser bom voltar! Beth Mattos (amanhã faço correções)

passos

Não desejaria a ninguém que fosse eu.

Só eu sou capaz de me suportar.

Saber tudo, ter visto tanto, e

Não dizer nada, ou quase nada.”

Robert Walser

Passo apertado: solução pacífica!

O medo se encosta naquela sombra.

A resposta me abraça!

Vou conseguir!

Beth Mattos 2020

Confusão ao abrir a porta Carta Três (3)

Este tempo aberto, meu, possessivo. Sempre tempo. Droga! Aquilo que adquiro se desfaz, quero mais, quero outro, quero tudo. Droga! Materializa. O tempo de querer resultou numa infinidade de contratempos, desencontros e equívocos.  Já nesta carta voltaria… Alguém mencionou Messalina! Fiquei quieta. Não escorreguei na casca de banana da calçada. Nem fiz tanta coisa que pensei querer fazer, reservei tudo para os cadernos pra depois… Ninguém entende nada. A vida tem que correr nos trilhos que estão ali, desvios não….Claro! Sim. Desvios que estejam em trilhos! Putz! Difícil pensar. Ler também confunde. Atrasa o processo, escurece por dentro e, paradoxalmente, estou numa clareira evidente, aberta. Esqueci de te contar do livro de J. M. Coetzee (ainda). Leio aos solavancos. Já te contei da precisão e deste jeito perfeito, adequado de escrever o essencial sem adjetivar e se pavonear. Dizer. Esta aula não termina. Estou quase a desesperar no tempo. Escrever sem ler, ler para escrever. Ficar e sair andando a fazer. Difícil! Por que volto sempre ao que eu leio? Porque não aprendi a nadar, nem andar de bicicleta, nem caminhar, muito menos sei usar o patinete. Estou sempre sentada esperando para nascer. E nascer não chega. Quanta preparação! Não desisto. Voltei para te contar de Robert Walser e da loucura dele.  Elias Canetti escreve: “Eu me pergunto, se entre todos os que constroem uma vida acadêmica confortável, segura e regular a partir da existência de um escritor que viveu na miséria e no desespero, existe um único que sinta vergonha de si mesmo.” Mecanismos internos é o nome do livro de Coetzee. Sei que estás a me achar confusa, irritante, aleatória ou dispersiva. Aiiii! Ai! Sou tudo isso. É a tal da bolha! Não sei arquitetar porque não sou arquiteta, advogar, o mesmo. Construir, não fiz engenharia. Administrar! Ufa! Não conheço os números. E a vida passando. E não li. E não conheço a Suiça nem Walser. Beth Mattos – janeiro de 2020 – desculpa! Esta carta se perdeu nela mesma. Amanhã eu te conto o que me aconteceu quando abri a porta.