Fio desconectado: perigo. Limpeza e gramado: cheiro verde e azul. Flores floridas: rosas, crisântemos, saudades com extremosas. Beth Mattos – fevereiro de 2020
Mês: fevereiro 2020
Jean Giacometti

Ele. Jean Giacometti volta no tempo, na marca: a escultura, o desenho e a palavra. O físico. Guarda-se o prazer de posar, de ser pensado, de conversar de estar para sempre arte. Então eu posso compreender o prazer.
” Todo homem terá talvez sentido essa espécie de pesar, se não terror, ao ver como o mundo e sua história se mostram enredados num inelutável movimento que se amplia sempre mais e que parece modificar, para fins cada vez mais grosseiros, apenas suas manifestações visíveis. Esse mundo visível é o que é, e nossa ação sobre ele poderá nunca transformá – lo em outro. Sonhamos então, nostálgicos, com um universo em que o homem, em vez de agir com tanta fúria sobre a a aparência, não somente recusando qualquer ação sobre ela, mas desnudando -se o bastante para descobrir esse lugar secreto, dentro de nós mesmos, a partir do qual seria possível uma aventura humana de todo diferente. Mais precisamente moral, sem dúvida.”(p.11) Assim escreve Jean Genet – O ateliê de Giacometti – precioso volume / livro com fotografias de Ernest Scheidegger numa edição da Cosac & Naify
E o escrito faz referência ao agora hoje, no entanto como ontem, sempre. A arte eterniza o pesar, o grosseiro e as manifestações visíveis… O nostálgico sonho de agarrar o amor amável se despedaça. E qualquer palavra esticada para te alcançar soa inútil/falsa. Escutas apenas a tua própria voz. O medo te consome na inquietude escondida de não estar/não ser/ ou colecionar vidas. Não sei se teremos outra, ou se já vivemos e o colchão macio das encarnações nos afunda. Não hoje então, nem nunca. E a brincadeira do corpo se desfaz inútil. Somos prisioneiros da imaginação. Nunca estivemos / nem fomos / nem seríamos amigos porque nossa humanidade é invisível. Sinto raiva neste equívoco. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020


o verão com pressa
Dizer isso ou aquilo, colorir cadernos, ventilar armários e gavetas, trocar de casa e de jeito se acomoda em semana chuvosa. Manhã de frescor curiosando casaquinho. Volto a caminhar, volto a cozinhar, aspirar, e a tecer intrigas contra o vento. E as palavras se fecham fáceis. Abusivo sentimento de paz. Afinal acontece! A cada um sua volta inquieta, mas o disfarce eficiente se espreguiça. Muda a temperatura.
Voltar a Porto Alegre acende o gosto da novidade. Prazer interno rotativo, novos pesos e e medidas. Em Torres a permanência da beleza, o recuo certo. Pequenas e soltas caminhadas matinais e noturnas se vestem de liberdade. Então recuo. Assim mesmo faço/proponho viagem para medir o espaço, pendurar cortinas, embelezar a possibilidade e curiosar. Ah! Quando o medo do novo vira monstro e a mão do amigo generosa resolve!
Uvas e abacaxis, e pêssego: leveza a mesa. Cheiro bom de noite! Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 – Torres
acerto do conforto
A mesa de jantar era para que dez pessoas se sentassem a volta, confortavelmente. O luxo, um acerto de conforto. Assinatura do poder. O alcance que eu tive/tenho sendo visceral se diluiu no que de fato transcende poder e coisas e matéria. Escolhi amores amados! Crianças se aconchegam no cheiro e sobrevivem indiferentes, ou transparentes ou renegadas.
Superei. Atravessei o fosso, venci o medo. Agarrei o galho daquela árvore. E nem o vento, nenhum raio nem as chuvas mudaram minha posição. Devo ter recebido tudo o que precisei para sobreviver e crescer.
Estou a me debater na crueldade, neste desprendimento dilacerado e maléfico. Mergulhei no sentimento desconfortável/estranho de não me importar. A energia se derrama na limpeza, no esforço para manter o cheiro perfeito da casa. Janelas abertas, móveis escovados, roupas lavadas e louça a brilhar. Não tem verão nem inverno. A temperatura adequada para ser agasalhada por um cobertor e lençóis perfumados. Preencho o prazer com o cansaço prazeroso de fazer. Não penso ternamente em ninguém. Não amo mais. Preparada estou para a batalha final, indiferente, anestesiada pela vida. Cansei de mendigar. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 – Torres
natureza grita
Susto, medo, espanto e violência. Tempo despreparado para respirar ou ordenar. Vento violento vento, incontável bola de fogo. Estradas não levarão a lugar nenhum. Os rios darão as mãos aos mares. Vamos assistir ao espetáculo a surpreender o inevitável! Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 Torres
sem saída
Coceira de verão, pintas pelo rosto, cabelos escorridos, lambidos. Perdidos e achados. Estranhas esquinas povoadas. Desencontros. Esperadas e perdidas visitas. Calor. Se estás entre paredes aquietado na inquietude, sente o gosto: felicidade. Descobre o sonho e olha o mundo pelo viés das dobras dos lençóis. Perfuma o quarto e o som do piano desafinado vai te confortar no exercício do aprendiz. Pois é, saímos da vida nesta tentativa desvairada da pressa acelerada de tudo consumir e possuir. As tralhas esquecidas, conversas esvaziadas, presenças desnecessários eu quero os teus carinhos, apenas isso. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 Torres
contas e acertos
Pagaste as contas, abriste todas as janelas, e encomendaste os lançamentos em francês sem esquecer as traduções dos ingleses e dois japoneses de grande sucesso! Os pacotes chegaram. Livros feito as torres do teu sonho. O sol entrou espiando pela fresta da cortina, mas logo voltou para o céu. Segui dormindo abençoada. Este carinho me rejuvenesceu. Explica por que envelheci de ontem para hoje. Fecho os olhos. Amanhã me explicas. Elizabeth M.b. Mattos – fevereiro de 2020 – Torres
escamotear
Estou a fugir e a me esconder da sombra: escamoteio passos e pensamentos. Perco o rumo. Atrapalhada/confundida com sombras e viés. Não consigo retomar o ritmo de ser eu comigo. Emaranhado de sol sem sombra, e tão completamente escondida noutro verão… Velhos aparelhos eletrônicos obsoletos me fazem falta. Esta noite eu senti frio. E o verão está refestelado na praia. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 Torres
Lawrence Durrell
Talvez estes livros me interessem além da medida. É uma forma de conversar, conversar. Tenho poucos amigos, ou melhor, converso pouco. E gostaria de poder falar, falar e falar sobre o falar ele mesmo. Eu pulo de assunto para assunto como se fosse uma questão de humor, ou gosto, ou não sei… Acho que não faz sentido isso de apenas usar palavras, empilhar, ordenar e desordenar, depois esquecer. Ler pode ser como ouvir/escutar indefinidamente alguém. Esta danada solidão! Houve um tempo de acerto e encontro. Quando Geraldo e eu moramos em Petrópolis no sitio Arapiranga, e eu nada sabia de Rio de Janeiro. Os dias e as noite e o fazer e as conversas eram fáceis e a sensação de viver mágica. Um dia fica tudo tão difícil! E todas as idades se acorrentam prisioneiras, e apertadas. A liberdade e o desdobramento de ser eu comigo, tu contigo é que importa. E outras vezes ter o dinheiro para pagar as contas triviais importa, como um peso pluma, e os valores se invertem. Não poder levar o dia grudado no dia, e a noite na noite pode ser um pesadelo… Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020, depois do dia nove.
“[…] Pode ser que eu não tenha muita personalidade para desenvolver – me. Meu interesse pela forma poderia ser – estou falando seriamente agora, não modestamente – a indicação de um talento de categoria inferior. Mas a gente precisa enfrentar estas coisas. Não tem nenhuma importância que se fracasse uma, duas, três vezes, mas é de vital importância que a água encontre seu nível e que se faça o melhor que se puder com as forças que lhe são dadas. É perder tempo lutar por coisas fora de nosso alcance, da mesma maneira que é absolutamente imoral ser indolente a respeito de qualidades que se tem. Compreendam, não estou fundamentalmente interessado no artista. Uso – o para tentar ser um homem feliz, o que é uma tarefa muito pesada para mim. Eu acho a arte fácil, mas a vida é muito difícil.” (p.291-292)
Julien Michell / Gene Andrewski Escritores em Ação Coordenação e Prefácio Malcolm Cowley
relações familiares
Precisamos controlar nossos instintos assassinos. Somos exigentes demais, Ou de repente, uma asa negra e venenosa cobre a casa. Perigos da vida. E.M.B. Mattos – fevereiro 2020 – Torres