Quando/ se estamos de fato, muito, muito, muito apaixonados, a vida pode nos dar um extra, um bônus, uma chance, uma sobrevida para VIVER. Pensei. Beth Mattos
Mês: maio 2020
rastrear
O tempo todo, rastrear. Vou ao encalço da ideia, do elo, do alguém…, do livro, da flor. Penso no encontro: prazer / cheiro / olhar. No escrever / dizer. Se beleza importa, ou existiu / ou sendo horrível / feio, deformado, a danada e esplendida diferença. Rastrear a experiência amorosa, a cor exata do casaco, daquela blusa, do cabelo, dos olhos azuis, ou verdes, não castanhos. Descobrir o em volta, olhar para os sapatos. Buscar a vibração do andar. Da temperatura do café, e do gosto pelas balas de menta. Olhar. E os equívocos! Quantidade enorme imensa quantidade de reviradas incertas nos equívocos. O meu Outro se esconde atrás do biombo e joga, por cima, pedaços de alguma coisa, depois pergunta se eu entendo, se eu posso descobrir o que ele está fazendo…
Nenhum livro deve ser indicado ou mencionado se não ilustra o pedaço escondido. E de repente, uma única frase, sussurro já é o caminho equivocado. Da primeira e fundamental leitura ocasional um enfiado de outras possíveis, não fica indo e a voltar e a recomeçar Beth, vai ser logo Elizabeth, aquela do primeiro esforço… Então eu fico a mencionar um livro, outro, a me esconder numa exposição curiosa. Abre o livro…
“Mas eu poderia facilmente trocar Proust e Musil pelas revistas People e Vanity Fair, atibuindo – lhe um gosto persistente por rock and roll, em vez de apresentá -la como apreciadora das grandes peças para corda e piano compostas por Schubert em se último ano de vida, após descobrir que estava com sífilis, concluindo, pobre ovem, com razão, que logo iria morrer. […] Polly gosta de Schubert porque eu quero assim, pode parecer contraditório que uma mulher que aprecia e que se diverte com romances difíceis possa, de vez em quando, mostrar – se tagarela em casa, mas nem sempre as pessoas são um modelo de coerência, embora a maioria assim pareça nos romances, exceto nos romances de Dostoivéski, em que todos os personagens são pelo menos meio loucos, o que os faz mais próximos das pessoas que conhecemos e das pessoas que somos. E Dostoivéski é meio louco também, como todos nós.” (p.83-84) Joseph Heller Retrato do artista quando velho
Engraçado como perseguir, rastrear leva/conduz ao caminho perfeito. Empilhei na mesa de cabeira: Retrato de artista quando jovem, James Joyce, e também O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde que escreve no prefácio: O livro não é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo. E o Beth se atira / corre atrás da caça com rifle, faca, pertinência estupidez, cuidado ou distraída. Deve ser fascinante o momento de começar, limpar a arma, preparar a munição, colocar as botas, preparar o farnel e entrar na mata para caçar. Faço analogia com o laboratório chamado cozinha, d alquimia, misturar com cuidado e paciência, ciência. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2020 – Torres

atropelada
Tens razão: atropelada pelo susto, apavorada, sem saber exatamente se deveria ser este ou aquele o caminho, esvaziada, sem pensar. Escrevi no plural, mas acabo de colocar na primeira pessoa. Estou / não é estamos. Apavorada ou apavorados. O esquisito desta angustia se tranca no medo. Imagino o quanto! (explicas na carta) estejas a trabalhar mais, muito mais do que antes, e sem hora, ora! Pessoas presas em caixa (imaginária ou real / obedecendo ou desobedecendo as ordens da pandemia) sem tempo, e o tempo…, dizem que tudo deve voltar ao normal, recomeçar, ou sei lá… Deve ser. Não é a primeira guerra, nem a segunda, mas a terceira guerra mundial. A superfície se altera, e também a profundeza. Qualquer foto, nenhuma foto capta a completo, e tu és boa em fotografar! Em fazer escorregar para as sombras o essencial e apontar…Sabes. Eu ando em desatino / flutuo. Acho / penso / imagino. Ao te escrever vou divagando sobre sensações porque acredito: voaremos, as duas, mais e mais longe a encontrar soluções. Estou perdida. Não porque a pandemia chegou, mas porque envelheço, e envelhecendo (feliz porque existo, mas triste por ter que aceitar, existe um fim) sinto os limites, as perdas, o não feito, e o tanto que poderia ser sentido, tocado e não será. As perdas do possível amado, a finitude de estar sem ter, e ao mesmo tempo com a lucidez alucinante de que ter nada significa se não somos… E este emaranhado de sentimentos e sensações balançam entre alegria e raiva, e noite no meio de um dia ensolarado. Ainda me engasga a vontade de ter um livro físico entre as mãos e dizer que fui eu que escrevi. Vontade de desenhar freneticamente os limites do que vejo fazendo o vulto / a coisa / o objeto, ou a ideia transbordar. Como percebes, quando eu te escrevo estou / fico / eu me atiro em alto mar. Segue o Amoras, tropeçando, e menos preso ao meu compromisso de alimentar com aveia, água e misturas verdes, ou frutas, ou espiadas os textos… O que posso te contar? Os dias passam rápido se venço as manhãs, e o susto me assusta ao entardecer. Eu, de natureza alegre e forte, tropeço durante a noite. Tenho / penso no passado sem nostalgia. Posse e desapego. Desinteresse. Revejo velhos textos e me surpreendo com a energia daquela pessoa que eu já fui… Persigo o impossível. Que se tornou impossível porque alimentado pela imediata tristeza de vazio. Ninguém virá, os amigos se foram, e estamos todos enjaulados. Deve ser isso o nada: ninguém virá para encantar, ou atravessar o perfume, não consigo encontrar o quintal, ou plantar jasmins, ou assistir um filme, acompanhar um jogo, acreditar que somos atletas. E tenho tantas estranhas e fantásticas estórias para te contar! Esta distinção existe? História ou estória? De certo como o pronome “a gente” (agora usual), a gente espera / diz / faz / viu / quer saber, como a televisão apregoa. E a Lya Luft pacientemente explica que é casual o uso. Eu respondo, o francês, tem on dit…, e já me canso de pensar, e me coroo como a chata, a ignorante, a inquieta. Nós definimos quem somos, e tudo o mais é fantasia, carnaval, externo, não é nosso. Haja batalha! Sabes que me aborrece pensar que não me dei conta do tempo de apreender e fazer com atenção. Se volto atrás eu percebo o quanto fui ‘passagem’ em tudo… Sobreviver sem meta. Tenho um amigo que se dedicou ao esporte, negligenciou (diz ele) outras coisas, fez apressado a vida e / mas jogou com paixão. O jogo. Como eu o compreendo! E invejo. Atropelo enquanto te escrevo. Enfim! Acho nossas cartas essenciais. Sem medo. Eu me dou conta que quando te escrevo não sinto medo. Estou destemperada. Não tenho te escrito regularmente. Lembras? Eram duas ou três ou até quatro cartas. Agora vai este teclar num jato, verdade, mas esporádico. Vou retomar/preciso. Preciso deixar de ter medo. Deve ser ainda o medo, minha amiga. Que vocês estejam bem. Corajosos e fortes neste Rio de Janeiro que amo, tanto e tanto.

esqueci de te esquecer
Ainda camarões, vinho branco, e sobremesa;
sentir prazer olhando pro mar, areia e sol.
Sou dono de pequenos luxos.
Vou me sentir alto mar. Apenas hoje, apenas hoje, espiei a praia, já estou saindo,e me vou…
Pensei em palavras amontoadas, em tanto sorriso. Era o sorriso dele. Será que eu me perdi? Beth Mattos – meio de 2020 – Torres
sem fantasmas
Preciso me assustar com o medo. Gostei do lugar, o novo desta velha casa me agrada, e terei um espaço mental maior, aberto. Penso, o restrito e apertado quintal me encanta. As venezianas amarelas. E as duas roseiras heroicas, vou colocar verde entre as lajotas. E logo o cinamomo florido espantará meus sustos. Gosto destas mudanças, destes ares encerados, limpos e do aspaço da sala, dos quartos vazios porque o desfazer me deu vigor, energia. É este mínimo que me traz o máximo. Vou desencaixotar os livros devagar porque a rede e as leituras vão amortecer o pânico. Eu me mudei sem fantasmas. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2020 – Torres
plantar carvalho num jarro de flores
Arrasto os olhos nas letras, amanhã pensarei que sonhei, não serei capaz de acreditar que nos falamos / e nos vimos. Misterioso caminho este da rua Vitor Hugo, da Farias Santos, e da Vicente da Fontoura, ainda a Itaboraí. Petrópolis com bonitas histórias desta nossa Porto Alegre. Lembranças se esfolam… Beth Mattos – maio de 2020
“Mais claramente que qualquer outra demonstração, seu silêncio me revela o que ela sente. A senhora diz que ela está muitas vezes inquieta e ansiosa. Isso é prova de tranquilidade? A senhora diz que seu juízo está perturbado. Como, com os diabos, poderia ser de outra forma, no terrível isolamento em que vive? E aquela criatura insípida e mesquinha cuidando dela, por dever e por humanidade! por piedade e por caridade! Seu marido faria melhor plantando um carvalho num jarro de flores e esperando que ele crescesse, que imaginar poder fazer com que ela recobre seu vigor antigo, à custa de seus miseráveis carinhos!” (p.145) Emily Brontë O Morro dos Ventos Uivantes