Escuto a água bater nas vidraças, a terra encharcada brilha. Frio molhado. A natureza agradece. Acordo e vamos até a calçada, as duas, chove. De toalha em punho uma secação enérgica… Café com leite, pão com manteiga e mel. E a vontade de voltar para a cama. Desordenado amanhecer: quatro horas da manhã. Vou terminar o livro de Nabokov. Impressionada com o prazer, surpresa rítmica desta narrativa. Não deixa espaço/ nem fôlego para fazer meus habituais picotes. Mas, igual uso o lápis e transcrevo:
“Nossa vida, juntos, era alternativa e, quando penso em todas as pequenas coisas que morrerão, agora que que não podemos delas compartilhar, […]”
Dou uma chorada por dentro a pensar solidão. Festejo quem despeja um olhar, sente sabor, ou dá um abraço (que inveja!). Ler oferece a possibilidade de entrar na alma senão do outro, na tua mesmo para escarafunchar no insólito, e te sacudir.
“Não posso deixar de sentir que há algo essencialmente errado acerca do amor . Os amigos podem altercar e se separar, os parentes próximos também, mas não existe nunca esta, este pathos, esta fatalidade que se agarra ao amor. A amizade não tem jamais esse aspecto de condenação. […] Podemos ter mil amigos, mas apenas uma companheira. […] há apenas um número verdadeiro: Um. E o amor, ao que parece, é o melhor expoente dessa singularidade.” (79-80) Nobokov A Verdadeira Vida de Sebastião Knight.
Estou viver num destes prazer continuados e pacíficos, no ritmo certo do corpo. Choramingo ausência. Reviro as cartas, a saudade (já ficou miúda), acalmo. Sigo na desordem de agarrar e limpar os livros. Escada aberta e prazer enfileirado. Descobertas. Separo, apalpo. Encontro velhas fotos. Tomo um café, e divago. Viver neste ritmo manso pode ser bom, bom, bom! Beth Mattos – junho de 2020 – Torres, finalmente chove bastante, muito, espero que seja o suficiente.