vou largar luto, tristeza, lagrimas

” Elícia – Estou indo mal com este luto. pouco visitam minha casa, pouco passam em frente. Não me dão alvoradas, nem canções dos amigos, nem há facadas ou barulhos de noite por minha causa; e o que mais sinto: nem dinheiro nem presentes tem entrado pela porta. De tudo tenho a culpa, que se seguisse a que me quer bem, a verdadeira irmã, quando fui lhe contar o triste assunto, não estaria agora só entre paredes, com ninguém querendo me ver por repugnância. É o diabo ter dor por quem não sei se eu morta também teria. Ela ousou me dizer a verdade: nunca mostres mais dor pelo mal ou a morte de outro do que ele teria por ti. Se eu morresse, G. não ia deixar de se divertir; por que, louca, me aflijo com ele degolado? Bem podia ter me matado impetuoso e doido como era, como fez à velha que eu tinha por mãe. Vou seguir a ideia de Areusa, que conhece melhor o mundo; vou procurá – la seguido e tratar da vida. Sua conversa é agradável e doce, a ação suave. Não se diz em vão que vale mais um dia do homem a par, que a vida inteira do ignorante e simplório. Vou largar luto, tristeza, lágrimas, que tão prontas me vieram. Aas sendo o primeiro que ao nascer fazemos, chorar, não estranha que seja mais fácil começar do que parar. Para isso sirva o bom senso, vendo a desfiguração e sabendo que o enfeite torna a mulher bonita, mesmo que não seja, e a velha, moça, e a moça, ainda mais. Não são outra coisa as cores e os pós do que a isca para os homens. Ande, pois, meu espelho que tenho os olhos abatidos; andem, minhas toucas brancas, minhas gorgeiras bordadas, minhas roupas de noite. Vou fazer uma tintura para os cabelos que já perderam o louro; feito isso, recolho as galinhas, faço a cama, que a limpeza contenta o coração, varro a frente e molho a rua, para quem passe sentir que a mágoa já se foi. Mas vou antes visitar minha prima para ver se Sósia foi lá e o que houve com ele, que não mais vi depois que lhe disse que Areusa queria lhe falar. Queira Deus que a ache só, que nunca está sem galã, como uma boa taberna não fica sem borrachos.” (p.180 -181) Fernando de Rojas – tradução de Paulo Hecker Filho – Editora Sulina A CELESTINA – Tragicomédia de Calisto e Melíbea

Fernando de Rojas nasceu em Montalván, por 1465 e se estabeleceu em Talavera de da Reina e ali morreu. A Celestina, já é lida em 1492, se bem que editada em 1499, com fulgurante êxito e traduções para todas as línguas. O autor tinha menos de trinta anos quando a concebeu.

O destaque no texto foi feito por mim, tanto me identifiquei com as dores engavetadas /enlutadas.

Para isso sirva o bom senso, vendo a desfiguração e sabendo que o enfeite torna a mulher bonita, mesmo que não seja, e a velha, moça, e a moça, ainda mais. Não são outra coisa as cores e os pós do que a isca para os homens. ”

O amor hoje e o tempo agora…, mais forte e poderoso do que nunca foi o amor de ontem. Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2020 – Torres

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