pontos de silêncio (para J.C.K.C.)

” As cidades se reconhecem pelo andar, como as pessoas. Abrindo os olhos, o recém-chegado deduziria o mesmo da vibração do movimento nas ruas, muito antes do que qualquer detalhe típico. Ainda que fosse só imaginação, não importa. A supervalorização da pergunta: onde estou? vem do tempo dos nômades, em que era preciso registrar os locais de pastagem. Seria importante saber por quê, ao falarmos num nariz vermelho, nos contentamos que seja vermelho, sem nos importarmos com o tom especial de vermelho, embora este possa ser descrito com exatidão em micro milímetros, pela frequência das ondas. Mas numa coisa tão mais complexa como a cidade em que nos encontramos, sempre gostaríamos de saber exatamente que cidade é. Isso nos distrai de pontos mais importantes. Portanto, não se dê valor maior ao nome da cidade. Como todas as cidades grandes, era feita de irregularidade, mudança, avanço, passo desigual, choque de coisas e acontecimentos, e, no meio de tudo isso, pontos de silêncio, sem fundo; era feita de caminhos e descaminhos, de um grande pulsar rítmico e do eterno desencontro e dissonância duradoura das casas, leis, ordens e tradições históricas.” (9-10) Robert Musil O Homem sem Qualidades

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