sem entender o remexido sentido

Sol e vagar: verão seco, soluço. O mesmo veraneio de todos os verão, esparramado, novo. A serra que cheira mar. Verão floresce e sapateia no asfalto quente. Memória salgada de outro verão, saudade de veranear perto do mar, das venezianas, das lajotas e das sacadas. Estou a fazer férias no mato, lagoando, sem areia a frequentar janela com preguiça. Não sou bem eu, sou a outra. Estranha reviravolta / volta ensolarada, quieta, impaciente, neurastênica, espinhenta. Apenas manhã, e depois, outra manhã. Depois, longas e compridas e preguiçosas noites sonhadas, doloridas, desdobradas.

Lagoa – serra – asfalto e recorte. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

Bolo de fubá

 / AMORASAZUIS / EDITAR

Apago o fogo no sonho da insônia. Chove na lua desta noite. Engomadas rendas de soluções rápidas. A vizinha devolve o quilo do café. Açúcar, manteiga, maracujá e rosas frescas… Hoje vou comer o bolo de fubá. Elizabeth M.B. Mattos – agosto 2013 – Torres

bolo / rocambole de laranja, goiaba ou chocolate

Às vezes dá uma vontade gorda de bolo de aniversário com Coca-Cola, bolo de casamento, fios de ovos e champagne, bolo da tarde, de laranja e chá. Bolo de chocolate no meio do dia, ou da manhã, no meio da noite. Vontade de comer bolo de chocolate! Não, bolo recheado com doce de goiaba feito em casa. Bolo de banana. Bolo feito pela Joana, ou pela Ana pra comer quente / queimando os dedos, sentindo o cheiro doce pela casa. Vontade de comer bolo! Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

cheiro de abacaxi e sol pela janela

Menina loira bonita e rica / amorosa: homem insinuante, ambicioso, ‘cheio de ideias’. Daqueles que dizem bom dia agarrando o braço e se esticando. Quer agradar o sol num dia de temporal, segura o vento para dominar o poder e se atira no barco: arroz, luz, dinheiro e poder! Sim, a vida veio para ser regalada e vivida e socorrida e sofrida e colorida.

Escolha indeterminada, necessidade precisa, assim mesmo o correto. Os mimos da infância a se multiplicarem numa liberdade vigiada, descabelada, entregue a índole boa e a sorte. Então os namoricos ingênuos, as brincadeiras fantasiosas, e companheiras do acaso, da calçada. Os cães, as balas, a bicicleta e bonecas feitas de trapo, ou de papel. O jogo. Salgado mar das férias, tisnada pelo sol, alegre. Não houve tempo para a rabugice. Latões de biscoitos, leite condensado, banana e uvas, pãezinhos a queimar as mãos, e batatas fritas com filé, sucos, todos. Um acaso de luxo e descaso do jogo, lugar do mágico, da imaginação e de amontoada e borbulhante delicadeza. O melhor… Então, as reservas abastecem os sessenta anos agitados, os setenta anos de surpresas. Acomodados oitenta anos a dedilhar nos cinquenta, ou foram os quarenta os mais pontuados? O chocolate na casquinha de sorvete, as cerejas, os vestidos coloridos, a liberdade recortada, a felicidade pontilhada numa alegria de todo o dia…, pois, era assim, um dia acordar rindo, o outro sorrindo, com sol com lua, com chuva de verão e Rio de Janeiro de ardor, de festa, de estudar, de caminhar, de todas as praias. Generalidade amassada com purpurina. Laranjeiras, Humaitá, Botafogo, Jardim Botânico um pouquinho da Gávea, porque o tudo era mar de Botânico, Leblon e Ipanema, Copacabana. Não, sou eu subindo a serra para chegar em Petrópolis. Tanta narrativa apontada, tanta trilha a ser retomada. E Búzios rodando, rondando. Elizabeth M. B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

Cada um dentro de cada história a refletir a mesma história: alegria, pode ser.

impaciente

Talvez o certo seja mesmo certo copiar/imitar/pensar o pai, seguir a mãe e se emparelhar com os irmãos: seguir a sombra dos filhos e dos netos, parar de respirar, suspirar, e ter avós. Ou seguir a inspiração da imaginação. Fazer/realizar/construir tudo antes da inspiração inundar o dia, e quando a noite chegar, apenas adormecer. É preciso desconfiar da imaginação. Queira ou não, ela deforma, joga em uma certa direção, que nem sempre é a verdadeira. Assim, o que está desenhado na tela de manhã, no fim do dia se desmancha em cor. E o traço? Desapareceu. As pinceladas somem nos talhos do dia… E eu tenho uma tela manchada, sem risco, mas com sulcos: o verdadeiro escondido. Sou eu querendo saber de ti, da tua lágrima, do teu pesadelo, da tua cura, teu caminho. Tu estás em mim. Não sei o meu lugar. Estremeço. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Quando penso Rio de Janeiro, onde tu estás.

Copacabana, fevereiro de 2022 – um instantâneo do Pedro Moog
da janela, cedo, antes do calor, antes de fazer dia inteiro/completo, antes da feira livre e da calçada

egoísmo

Egoísmo não, egoísmo sim. Não te esconde na vontade do outro, ficas diferente / ficas outro. Acentua teu desejo, qualquer um, não pensa ser o outro, pensa/fica sendo tu mesmo; cava pequenas vontades. Dorme teu sono desarrumado, mas o teu, apenas o teu sono. Fecha os olhos para escutar a música. Sonha aos pedaços, e sonha devagar. Afasta teu gosto do gosto deles, não servem…, caminha pela praia, distraído. Uvas, teu doce de leite, teu jeito derramado de ser, o gosto. Como descobrir o bom? O bom está/é/ ou se esconde na vontade curiosa do mundo que ainda vais descobrir…Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

a esconder o susto, devagar

O que acontece dentro do coração, o que acontece nas beiradas do equilíbrio, as estranhezas do outro lado, apertam. Define, e depois colore…, e, as palavras se amontoam como sanduiche para gigante, sinto fome: as laranjas e as peras, as maçãs e o pêssegos se transformam em sucos e salada com maçãs. Colheradas de sorvetes, desejo um bolo quente, quem sabe amanhã eu acerto, e, neste silêncio de tarde consigo fazer, ou vou , outra vez, molhar os pés do mar…, o meu mar! Estou virada num esquisito bicho de praia rastejante? Tenho garras? Esfrego a casa, tiro a poeira insistente, faço a comida, molho as plantas e me surpreendo. Fantasiada com capuz e alpargatas, ainda cuido da minha peluda (hoje tomou banho, Celso poderia visitar, e, não se aborreceria). Em linha reta, arrumei minha cômoda: arejadas as blusas, dobradas. mil vezes o pano para carregar a poeira, lençóis limpos e o prazer acomodado. Aonde estou? Não sei. Se gostas de saber, mas bem acomodada. Dentro do teu bolso. Resolvo tudo ficando dentro do teu bolso. Que estejas bem. Eu te amo, devagar e confusa, eu te amo. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 20222 – Torres

para meus filhos! ATENÇÃO

“O que nos recomendam sempre, e o que é extraordinariamente difícil de adquirir, é o que os sábios hindus chamavam de atenção, uma atenção que elimina os três quartos, os nove décimos do que julgamos pensar, ao passo que na realidade não pensamos; reunimos pedaços de ideias que já estão aí. É preciso eliminar tudo isso e fixar seu pensamento em nada, o que é muito higiênico. Ou então, ao contrário, fixamo-nos em um ponto que não abandonamos, que não deixamos sequer um minuto. É extremamente difícil realizar isso: há todo o tipo de astúcias, diferentes maneiras de chegar a esse estado, que aliás fiz com que fosse descrito ao próprio Adriano ao aprender a viver – mas Adriano, greco-romano intelectualizado, intelectualiza ainda mais esses métodos. Julgo-os, de uma maneira ou de outra, inteiramente essenciais. Só que não se deve confundir a meditação com o sonho. Trata-se de uma atividade diurna. À noite, dormimos; ou temos, sofremos sonhos.” (p.147) Marguerite Yourcenar De olhos Abertos Entrevistas com Mathhheieu Galey

Toda a ilustração desnecessária. Toda a conversa desperdiçada. As vozes repetidas de milhões de vezes o mesmo assunto, a mesma volta, o mesmo encantamento italiano, o mesmo olhar pendurado na janela, o mesmo sanduiche, o mesmo espinafre, a mesma hora, o mesmo riso, e o mundo inteiro acomodado na mesma cadeira como se congelasse o tempo. O sossego a sorrir. E posso descer do táxi, atravessar rua, antes compro pães diferentes, manteiga, fiambres, frutas, usas, pêssegos, maçãs, estico os perfumados lençóis, vou molhar as plantas. Depois u irei morar em Porto Alegre. Certamente, irei… ZM espero que a rodoviária cria a possibilidade, vamos rir um pouco. Será que mão podemos afazer uma coisa apenas errada? Tu sabes, somos o acerto: Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2022

diferente/igual, e outras coisas

quando comei a escrever aberto / com destino / e sem nome comecei a escorregar pelas leituras, desde muito escrevo cartas, cartas e cartas, com destino, agora quase anônimas, diferentes, iguais, e/mas outras coisas,

e de repente eu encontro/reencontro Marguerite Yourcenar: uma fatia / um corte aberto:

“[…] Quando gostamos da vida, eu diria sob todas as formas, tanto as do passado quanto as do presente – pela simples razão de que o passado é majoritário, como diz não sei que poeta grego, sendo mais longo e mais vasto que o presente, sobretudo o estreito presente de cada um de nós -, é normal que leiamos muito.” (p.141) De olhos abertos

esta coisa da leitura, deste aberto espaço livre, e nosso espaço particular, sim, porque estamos a ler a nós mesmos, a desvendar e a tocar o que já sentimos/percebemos no nosso dentro (esquisito pensar que algumas pessoas ‘passam’ do exercício físico para a praia / da praia para o sol e no colorido das roupas praianas a preguiça do entardecer, ainda na praia -, claro! também trabalham, vendem pizza, ou vestidos, ou fazem contas, administram…, e este dentro de si mesmas?! ou trabalham muito, sentem calor e já pensam inverno). Esquisito o culto ao corpo / ao belo e ao desconhecido…, depois penso no meu caminho, eu também uma coisa esquisita / estranha a me sacudir nas letras!

“Creio que é preciso impregnar-se completamente de um assunto até que ele saia da terra, como uma planta cuidadosamente regada” (p.142)

Ah! os diários! os diálogos! os encontros misturados com ausências!

no jardim, neste cuidado com/da floresta, deste arvoredo e deste gramado…, sim, pelas calçadas eu imagino, olhos apertados com tanto sol! o que me rodeia vai permanecer/ficar, as palavras se misturam na fala dos pássaros e viver é sentir o outro! Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – ainda Torres

coisa esquisita pode ser chorar

“Era noite e chorei. Chorei lágrimas absurdas, não lágrimas tristes; pelo contrário, eram o alívio necessário. Durante toda a minha vida confundira o desejo com o medo.”(p.52)

“Toda felicidade é uma forma de inocência. Tornar-se necessário (ainda que te escandalize) insistir na palavra felicidade, embora me pareça uma palavra miserável. Nada prova melhor a nossa miséria do que a importância que conferimos à felicidade. Durante algumas semanas, vivi de olhos fechados. Não abandonei a música. Pelo contrário, sentia uma grande felicidade em mover-me dentro dela. Deves conhecer aquela leveza que experimentamos no fundo dos sonhos. “(p.53) Marguerite Yourcenar Alexis ou O TRatado do Vão Combate