arrebatada narcisa

uauuu! tem dias assim, gustativos e gulosos! fechados / internos…, curiosos! coisa de ventania / frio e, entrar na cozinha! decidi, fiz, abri o vinho, bebi e cozinhei…parecia tudo errado, esqueci isso e aquilo, corrige, uauuuuuu! ficou pronto. adorei! sim, ficou delícia, às avessas, eu acho, não posso repetir, errei. ficou bom! tão bom comer a comida feita por nós, passo a passo nas panelas…, uma pintura, um prazer, um gosto indizível, fazer a comida, comer e se deliciar! uma escrita minha a ser degustada! muito bom cozinhar, claro, na vontade de trocar e remexer as panelas, passando pela limpeza! mas o cheiro, o gosto da comida, nosso. um jeito de viver fazendo…, falta uma horta, eu sei. sinto falta da terra, mas acompanho as buganvílias florindo. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

beijo abraço carinho e

Beijo abraço carinho olhar e doçura: um muro a me proteger! Sobrevivo! Agradeço a construção, estou em casa, não sinto o vento. A chuva escorrega, e, não molha. Os trovões se escondem, os raios iluminam: a luz da plateia aquece! Beijo abraço e carinho, a diferença deste amanhecer! As palavras me visitam! Sentadas, ao meu lado, sorriem. Ofereço água, leite, depois volto a dormir sossegada! Outra vez agradeço! Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

amor para sempre

O mesmo amor / amor para sempre (volta nas ondas, desaparece no mergulho, e volta -, coisas de mar). O amor agarra o vazio / aquele esvaziado sentimento triste de tristeza grande. Chega e surpreende. O amor da surpresa alegre / inesperado, não capturado: como tropeçar, torcer o tornozelo, cair no precipício, e amar. O mesmo amor azul. Saudade! Estás em todos os lugares (banal), foi muito, eu sei, tu sabes… Elizabeth M. B, Mattos – agosto de 2022 – Torres

Não adianta brincar-, primavera de amar, tão bom lembrar!

a dificuldade de ser / Jean Cocteau

Ter dom é perder-se, se não se vê claramente, a tempo de endireitar as rampas e de não descê-las todas. Vencer um dom deve ser o projeto de quem o constata em si. E esse projeto é delicado se, por acaso / por azar, o dom é percebido um pouco tarde.” (p.31)

Suponho que a pessoa se atrapalhe, e, se enrole, estupidamente, nos fios das facilidades. Começar a trabalhar quando a hora é brincar. Correr quando se deveria olhar as árvores e as nuvens. Dormir demais ou dormir de menos. Não comer ou se exceder. Uma confusão completa nas vontades porque tudo é vontade, a vontade se confunde com a facilidade: desordem. Fica-se a consertar as costas, a pegada, a fantasiar o café da manhã, até o olhos do outro. O colorido das amoras azuis, transbordam vermelho, amarelo. Confunde-se a vida com o dom, com a facilidade. ah! Os amigos atentos! Os familiares que esticam a fita e nos deixam passar!

Câimbras que sofro nos meus órgãos e que reproduzem as singularidades nervosas às quais a infância se entrega às escondidas e por meio das quais ela acredita conjurar a sorte”(p.34)

Prioridades inúteis, logo aquele cansaço perdido, espalhado pela casa como se fosse a desordem permanente de não ser: quero dormir sem sono, acordar sem preguiça, comer sem gula, não sentir dor de cabeça, nem no estômago, nem arrastar o coração nas calçadas molhadas, nem no lodo da saudade, nem guardar, nem fechar a porta. Quero voltar ao começo, mas não sei exatamente em que ponto…quando comecei a caminhar e a corre?! Ou aquele tempo de fazer piano, de fazer pensar, de quer ir até o fundo do quintal, subir na árvore, fazer fogueira, ou apenas olhar os nós de pinha ou pinho?/! chorarem vermelho? Ah! E os textos já foram magistralmente dominados e escritos escritos. A viagem seriam os idiomas. Viagem extraordinária na comunicação do outro: espectador. Não acrescento. Nenhuma palavra importa. Nossa infância, igual a todas as infâncias. o frio congela, o calor exaspera, as distâncias aumentam, os sonhos diminuem: confusão. Dificuldade. Aquele atropelo para dizer / falar depressa na pressa do outro: quem tem tempo livre para me escutar, quando eu estou, de fato, disponível. E porque não há convergência?

Ah! Jean Cocteau!

Eu tenho poucas palavras na minha pena. Reviro-as de todos os lados. A ideia galopa na frente. Quano ela para e olha para trás, me vê lá atrás. Isso a deixa impaciente. Ela foge. Não a encontro mais. Abandono o papel. Ocupo-me com outra coisa. Abro a minha porta. Sou livre. Basta dizer isso. A ideia volta com toda velocidade e me lança ao trabalho.” (p.35) Jean Cocteau A dificuldade de ser

Genial!

desorientada / empurrada…

Desorientada / ou atordoada, menos frio, menos rumo, mais incomodo, mais não sei exatamente o quê. Vou caindo / resvalando, e, também segurando as paredes, as dores, ou o enjoo. E pode ser nada, sendo tudo. Reagir seria o correto, mas este agir, este fazer acontecer tem um peso inesperado, doído. Abrir o livro certo, mas qual? As leituras picadas, inquietas. Palavras deslocadas, cores misturadas, não é definido, mas enjoado.

PARAFERNÁLIA PARA HÉLIO OITICICA

[…] 2.

o amarelo

os elos do amarelo

o vermelho

os espelhos do vermelho

o verde

os revérberos do verde

o azul

os nus do azul

os martelos do amarelo

as veredas do vermelho

os enredos do verde

os zulus nus do azul

os brancos elefantes do branco

(p.85-86) Haroldo de campos /a educação dos cinco sentidos

Estás em Porto Alegre / não estou em lugar nenhum. Sem voz, ou aos gritos, tento chegar, não consigo, não estou, estás. Tenho me arrastado nas tentativas de chegar / ser, como vou te explicar, cansada das tentativas. Exausta. Penso na idade como um marco. Os vinte justifico, os trinta sonho desvairada, aos quarenta realizo, plena, depois, depois é sempre depois. A vida se alonga/segue/se compõe esdrúxula. Eu cansei. Ou a doença cansou, ah! Tenho mesmo a mania/o vício de agarrar as doenças que justificam, descrevem o que não faço: vejo nublado, e parece bom.

As notícias, o que deve acontecer em outubro, como novembro será calor / ou ventoso, o silêncio, o mar ruidoso e tão quieto neste cinzento, deve rebentar em verde em força, em poder. O que será mesmo que vai acontecer?

Pois, para além da dificuldade de comunicar aquilo que se é, há a suprema dificuldade de ser aquilo que se é. Esta alma, ou a vida dentro de nós, não combina absolutamente com a vida fora de nós. Se temos a coragem de perguntar-lhe o que ela pensa, ela está sempre dizendo o oposto do que as outras pessoas dizem. (p.15) Virginia Woolf O sol e o peixe

Tinha eu / tenho eu o lado infantil e ativo de ficar a me descrever, a olhar mil vezes o mesmo lado, ou esquecer o que fiz ontem, ou há duas horas atrás, ou ainda encontrar o motivo de fazer/agir/dizer isso ou aquilo… Esta coisa de viver entre muros, sem janelas, no meio da chuva imaginar o sol. Atrás do livro, da página, dos velhos escritos, ou da música perdida, o piano. Por que não estou inteira nas sonatas, nos exercícios fáceis do solfejo. E os lápis de colorir, aquele desenho fácil, a casa, a árvore, as flores de três pétalas, a menina com chapéu, um olhar brejeiro e outra folha. Segue Woolf no mesmo ensaio:

O homem que está consciente de si mesmo é, a partir daí, indepedente; e nunca está entediado, e a vida é apenas curta demais, e ele está impregnado de uma ponta a outra de uma profunda – ainda que comedida – felicidade. Ele, sozinho, vive enquanto outras pessoas, escrevas da cerimônia, deixam a vida passar por elas numa espécie de sonho. Conforme-se uma vez, faça uma vez o que outras pessoas fazem porque elas o fazem, e uma letargia toma conta, lentamente, de todos os nervos e todas as capacidades mais delicadas da alma. Ela se torna toda espetáculo e vazio exterior;embotada, insensível e indiferente.” (p.16-17)

Indiferente e insensível, mas dolorida. O corpo inteiro reclama, e aquela tristeza miúda me acomete, silenciosa, cansada de justificar, acalmar, explicar. Ah! Como a vida pode ser um elástico velho, sem pressão, sem prender, apenas estica, não prende. Se eu pudesse voltar a mexer nas panelas, encontrar gosto e sabor. Bebericar: sentir ora o sal, ora o doce guloso, e te beijar. Bem, vou tentar caminhar um pouco mais, sentir este sol que transborda hoje, e já me assunta no verão. Pois é. Indefinida eu sou.

Os pequenos e grandes textos, nos grandes gestos cansados, nas vontades desfeitas. Esta pressão de bobagens, de promessas emparedadas. Desejos desfeitos! Aonde escondi o desejo ardente que eu sentia/tinha por ti… Volta. Não me esquece. Estende a mão, ainda tenho dezoito anos: dança comigo. Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

femme bleu

às vezes a gente acorda um livro! um livro, um conto adormecido na memória boa, na memória guardada para despertar. A Morte de D. J. em Paris de Roberto Drummond

A gente fica como se uma lua tivesse entrado dentro da gente. Mas é preciso estar em estado de graça para ver uma femme bleu…”

se o tumulto deste inverno me atropela, se sinto dor aqui e ali, se fujo do tempo e não adianta, o tempo me agarra, aperta, e faz doer…, recorro aos livros! ah! as velhas leituras miúdas, agarradas na memória me ressuscitam (a gente tem mesmo esta mania de morrer pra esquecer, depois volta, e a volta tem um cheiro tão bom! de vida!), e,

abri o D. J. como se pudesse ter mágica / ser mágica:

Custo acreditar que D. J. morreu, mas, afinal de contas, o jornal disse que ele está morto, então deve ser verdade; para mim, no entanto, le brésilien D. J. está vivo, está aqui: tinha uma cicatriz no supercílio esquerdo, um mistério: eu nunca soube como surgiu aquela cicatriz; ele era magro; louro como um inglês, mais ou menos 1 metro e 75 de altura, e, segundo mistério: tinha hora que D. J. parecia ter 45 anos, outras horas ficava com 29 anos. Era solteiro por amor: terceiro mistério. As mulheres feias achavam D. J. horrível, mas as belas gostavam dele, D. J. teve quantas quis, até o dia que descobriu que só as mulheres azuis faziam os homens felizes.” (p.56) Roberto Drummond A Morte de D. J. em Paris (editora Ática – 1991)

ah! este texto! a ideia de Paris, o lugar onde os sonhos moram! a calçada de passear, a calçada por onde não passas, e eu te sinto! ah! se eu pudesse, como o D. J. ir para Paris, não importa onde fosse, a minha, a tua, a nossa Paris dos sonhos! apenas ir aluando na vontade de ir, e, chegar no jardim, ir sair andar e chegar… eu quero esquecer que estamos no inverno de agosto, e chagar a galope no fim da primavera, quase verão! Elizabeth M. B. Mattos – agosto de 2022 – Torres, querendo sair, sem saber ao certo para onde ir! ah! se eu pudesse resolver / consertar, não sei.

segredo evidente

Nada na tua vida é segredo, tudo tão absolutamente evidente, transparente! E, como se tu fosses, de fato, transparente, as pessoas te atropelam, passam, não te veem tanto já sabem de ti! Quase cruel isso, mas é assim. O tempo de viver está/parece tão curto que o já descoberto /evidente, não mais interessa! Depois, levianamente, inadvertidamente, opiniões o acho aquilo e isso são ditos com uma leviandade inconsequente / frouxa -, machuca. O ingênuo, o exposto ferido, maltratado, arde, dói. Há que se proteger! Se reiniciar devagar, como se a segunda chance de viver fosse ainda semente, na terra, a brotar, a crescer ainda…haja cuidado e atenção! O jardim precisa do sol da chuva. Precisa de todos os detalhes amorosos que não estão em cartilha, e precisam ser realimentados. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

bancos náufragos / registro

Acordar antes de clarear, coisas de quem dorme cedo demais. Deveria ser quatro horas, eu acho: escuro. Desci com a Ônix, deu umas voltinhas no gramado, e pensei, com frio: vamos dormir mais um pouco, voltar para o quentinho. Gelada manhã. Percebo, mais longe, na beira da lagoa, uma caminhoneta branca estacionada, esquisito! Voltamos rápido. É a hora que pescam ilegal, tanta coisa fora do permitido, gente da madrugada do sábado…Sou curiosa. Apaguei as luzes. E, surpresa, a caminhoneta estacionou bem na frente do prédio. Faz já um mês, não vi como, nem quem foi, mas os dois bancos de cimento foram parar dentro da lagoa: pernas para cima, entre mergulhados, ou esculturas, os dois… Não fotografei o vandalismo. O socorro não veio… lá ficaram, um mês, ou dois, o inverno. Surpresa! Da tal caminhoneta um homem grande, forte, enorme, começou o resgate. Lutou bravamente, Aguentou o peso. Foi incrível! Conseguiu colocar na caminhoneta, empurrou, pro fundo, e nem conto às vezes que quase não suportou, o esforço, a exaustão, eu podia ver… Arrumou o outro banco em baixo da árvore! Já começava a clarear. Voltei pra cama! Bem! Levou um, mas colocou o outro no lugar, perdemos um, mas, lá está o outro. Quando levanto, escancaro as venezianas pro dia entrar! Olhei! Nada de banco, deve ter voltado, com alguém para ajudar, e, levou o outro…Não temos mais bancos! Olha! Pesados! Aqueles de cimento! E se fossem bancos de jardim…, não, não merecemos bancos nem brinquedos nas praças! Como é triste! As pessoas arrancam as flores, as árvores, o que puderem carregar. E jogam o lixo no quintal do vizinho! Como é difícil compartilhar! Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres

sem bancos agora, mas ainda muito bonito – apenas o registro

pendurados desejos

Ali onde meu mundo se organiza eu penduro meus sonhos. A realidade daquele varal no espaço da minha sala em desordem se concretiza num hoje perfeito. Estou feliz, os movimentos chegam/entram com a luz refletida no espelho, e os pendurados desejos se materializam. Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres – frio, gelado, surpreendente inverno parado nesta temperatura que se despenca, agarro o que posso, seguro, aperto…, não deixo escapar nenhum pouquinho de calor. Tenho que contar o dia.

indestrutível

A vida autêntica de um pensamento dura até que ele chegue ao ponto em que faz fronteira com as palavras: ali se petrifica, e a partir de então está morto, entretanto é indestrutível, da mesma maneira que os animais e plantas petrificados da pré-história. Também se pode comparar sua autêntica vida momentânea à do cristal no instante de sua cristalização. Assim, logo que nosso pensamento encontrou palavras, ele já deixa de ser algo íntimo, algo sério no nível mais profundo. Quando el começa a existir para os outros, deixa de existir em nós, da mesma maneira que o filho se separa da mãe quando passa a ter sua existência própria. Como diz o poema de Goethe: “Não me venham confundir com contradições! Logo que falamos, começamos a errar.” (p.66-67) Arthur Schopenhauer – A Arte de Escrever

verdade que ao dizer, mesmo depois de muito pensar, perdemos alguma coisa, o inexplicável na explicação…ah! cansa exaure esvazia as longas conversas! Que sejam no repouso do travesseiro entre o sono e vigília / entre a intimidade do amor e o sonho! Terminam com o abraço, e no calor do beijo, e eram apenas palavras, palavras petrificadas… Elizabeth M.B. Mattos – agosto de 2022 – Torres