“Melanie Klein era uma personificação das teorias que construiria mais tarde: o mundo não é uma realidade objetiva, mas uma fantasmagoria povoada com nossos medos e desejos.” (p.73) Phyllis Grosskurth O mundo e a obra de Melanie Klein
Diários, autobiografias podem ser adulterados. As cartas podem ser uma boa radiografia / quando fragmentos de notícias, pequenas pontes. A carta pode trazer algum detalhe significativo e fiel. Embora também possa ser um modo velado, a correspondência, tem um interlocutor evidente, o confidente, o membro familar, o amigo especial. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres
…se fosse passear e beijar seria tão! tão! não sei… O dia começa no estica e lava, e limpa, arruma, pendura a roupa, recolhe, passa (porque gosto), perfuma, areja. Olha pro sol, pro vento, tira areia dos tênis, das frestas… Troca água dos vasos, e respira fundo. Três jogos de paciência, reviso o francês no Duolingo e a manhã já começa a ter o almoço no cheiro da hora.
O livro era mediocre. A manhã outonal brilha brilhos, confetes. Deve ser coisa de brilhar a vida. Sair do porão e despejar mensagens positivas no facebook porque é preciso acreditar. Então, eu me pergunto, o que é mesmo que eu quero? Quereria teus beijos, teus carinhos, tuas conversas e tempo… Tempo de caminhar juntos?! Talvez. E já pensei nas lágrimas. Lágrimas fáceis e jovens.
Quando Lucas (meu neto) fez uma apresentação de piano, concerto miúdo, perfeito: chorei bastante. Depois, guardei um balde de soluços para o João, a se diplomar com profissão, tão valente! Degraus rústicos, ele príncipe. E sou eu a imaginar sem viver, ou eu vivendo relíquias… Ah! Se eu tivesse um piano! Se eu soubesse fazer música, ah! se eu tivesse pincéis e tubos e telas, ah! se eu lembrasse de fazer! E se ainda pudesse correr! Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres
Conseguimos ser invisíveis e nós dois, tu, claro, furioso estavas atrás dos risos. Sem largar a tua doçura nem as tristezas presas, sem estar furioso, mas aborrecido. Não és violento ou rancoroso: livre nos teus grilhões consegues brigar no meio do riso. Duvidamos da confusão. Eu estabanada, porque sou desastrada mesmo. Entre vestida e nua, escondida com nome e sobrenome, evidente: certidão e barulho no meio dos rastros de te amar, estabanada…Tudo perfumado muito limpo: o tapete, e os lençóis, a roupa pelo chão, cinematográfica, claro. Os galhos, daquela árvore, misteriosos, entrando, o frio sem inverno, o suco, o pão com queijo, todas as frutas picadas e música, ora. Gostas de música. E aquela mulher entrou para trazer revistas e jornais e olhou nos meus olhos cúmplice, equivocada? Deixou um bolo com goiabada, uma delícia doce. Ela não te viu, mas me olhou sem roupa, despudorada.
Como sempre, mais jovem, estás preso na tua vida dos riscos certos, das boas Suiças, do Lago de Como, tua Itália de todos os prazeres, dos sentimentos abertos, dos campos e das jornadas de trabalho compridas, como gostas. Eu te gosto. Secas feridas, entras nas igrejas, preparas o futuro. Místicos encontros, tuas orações e dores se diluem. Devolves os livros lidos, com voz firme de amor. Sem fazermos historinhas, nos entregamos muitas e muitas vezes nos beijos demorados. É no jogo da alegria que amamos, tu e eu, a tantos tantos tantos anos já se passaram, envelhecemos. A fantasia e o desejo revirado. Somos o erótico se contorcendo. Quanta coisa atrapalhada Beth! Lago, lalo e luz, lua, lagoa, listas, riscas e linda fatia de vida pequena, imaginação… Barreira de um tempo de voo e chegadas curtas, risadas… Ainda temos tempo? Mais tempo? Uma tarde misteriosa, uma noite quieta.
Era para ser mais silencioso. O lugar perfeito, sem testemunhas, estacionamos num lugar sem nome. Arrumaste para ser nós e nosso. Pequeno, com os nove travesseiros e todos os fios na delícia dos lençóis cinzentos, a coberta, o tapete, a cortina pesada, a fresta deixando a árvore entrar. O tempo estacionado, sem telefone, nem compromisso… E nossos anos respeitados, nossa nudez sem vergonha… E aquela mulher esquisita, com revistas, revirando os olhos, e largando as flores. Acordei… Fui eu que contei/dei o endereço, ou foste tu, que esqueceste que eu já te esperava? Uauuu! Sempre fazemos o estabanado. Eu sei. Nada temos para esconder. Mas tudo é para ser apenas nós, nosso. Escondemos o perfeito. Somos tu e eu. Os encontros de mistério são o precioso, o de toda a vida. O que guardamos, o não repartido, o sem tempo real, sem lugar, apenas nós dois e o espichado tempo compacto da meninice, da areia, dos bailes, dos segredos, da tua mão me apertando e de nossas brejerices. Nós juntos estes anos todos: nos pertencemos para sempre.
O fogo foi alto, no álcool do pano. Nas minhas desastradas limpezas. Água para café, confusão de limpeza e flores, estabanada. Quase o desastre nos preparativos… Esta mania de limpar, esterelizar, lustrar, e fazer mil vezes a rota dos limpa-limpa e o cheiro. Não consigo adormer meu lado borralheira de fazer, e varrer, e aspirar e limpar. Um susto. Não te espanta querido, coloquei fogo no pano sim, enquanto a água esquentava… Consegui salvar os dedos, e comi o bolo, bebi o café. A te esperar dormi, foi quando, com olhos arregalados, a tal dona entrou com jornais e revistas e espanto e me encontrou nua no meio da casa. Esquece, ainda não peguei fogo, nem morri, queimei o aspirador, não me pergunta o porquê. Tenho medo que não aches nada engraçado os meus desastres.
“Bonheur n.m. (de bon et heur): État de complète satisfaction
C’était donc ça le bonheur, un état de complète satisfaction. Un état rond, sans la moindre faille. Avait-on le droit d’être heureux sans être dans la satisfaction complète? Existait-il un seul moment où l´homme pouvait se sentir dans un état complètement quelque chose? Ce jour de mon mariage, j’ai admis les limites de la frénésie de tout rédacteur du Larousse: il existait tant de mots qu’il ne fallait pas définir. Le bonheur ne s’enfermait pas quelque part, on le vivait dans un air indefini. j’en étais lá de mes pensées quand je vis arrivr alice, blanche et éternelle de ce moment; j’ai ressenti que nous étions importants d’amour. J’étais un héros, c’étais la mytthologie qui avançait vers moi avec un grand sourire.” (p.118) David Foenkinos Nos séparations – Collection Folio – Gallimard
A gente se envolve, vai caminhando num livro sobre as nuvens do sonho / e sonha. Foi assim que eu acordei (agora duas horas da manhã) meu amor juvenil pelo amado de sempre. E de tudo. Arrosto lembranças espicaçadas confusas e inúteis: duas vidas carregadas de cumplicidade e fantasias dois fortes meninos/crianças, adolescentes e livres e poderosos, e atordoados: fomos tudo isso. A vida nos sacudiu para todos lados, carregou na tragédia dos desencontros e na mansa ternura do para sempre. Fortaleceu, separou e aproximou um milhão de vezes a rir ou a chorar / desesperar: nós dois, a nos consumir sem… Eu me casei num dia quente de fevereiro, num atabalhoado casamento cariocando a vida, dando o troco, esbanjando, altiva, menina os desencontros gaúchos. Inventamos. O tempo das paixões ferventes passa num escaldante verão. Depois, nós somos sacudidos pelos ventos do mar, e racionalizamos. Cedo demais nos casamos e puxamos a graça de viver aos trancos e barrancos. Besteiras? Encontros? Desencontros. Mitologia. Viagens e viagens e viagens: o mundo é um pátio de experiências coloridas, passadas no parque de diversões da juventude. Ah! Boas incertas certas / convictas e absolutas bobagens. Quando abres a porta e demoras olhando a lagoa, e te sentas na poltrona, e te admiras com a desordem dos livros… Que alegria sinto! Eu fico a te espiar enquanto preparo uma limonada, arrumo as uvas, e penso que vamos nos beijar com gosto de frutas. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres
Todos os dias não significa nada, todos os meses? faz dois anos? Dois anos que persigo o tempo, o ar, o vento, a mudança das estações? Não sei. Persigo. Danço para me veres. Ou troco os móveis de lugar, procuro outras ruas, outra cidade, outro país… Eu não gosto de mudar, gosto das raízes. Não importa. Eu mudo. Se amanhã fosse morar em Porto Alegre, ou no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife com Luiza, por que não iria? Iria. Mudei tanto quando era criança, um tempão aqui, outro ali, os amigos dali, depois os daqui… Uma chatice sem solução, nenhum brinquedo na caixa, tantas crianças, aquela comida mais ou menos, as frutas do lugar, os pinheiros, os cones, o inverno… Uma saudade esquisita. Os verões em casa. Em casa sempre estás… Eu acho, as lembranças se misturam com os sentimentos, fazemos uma tremenda confusão entre o real, e o desejo. Onde, em que caixa, eu te escondi, não sei. Meus bonecos eram de papel. Guardei dentro dos livros de Monteiro Lobato. Gostava de trocar as roupas, de imitar as vozes, de surpresas. Não sei se gostava daquelas histórias, lembro delas. Demorei tanto para apreender a ler, e escrevia garranchos, desenhava mais ou menos: rodinhas, quadradinhos, florzinhas, casinhas pequenas e grandes. Eu te desenhava chegando, mas nem sempre ficavas, suficientemente, nítido, suficientemente tu… Hoje queria te escrever uma carta, apertar tua vontade de escrever, mas não sei se lembras de mim, coisas sérias te cercam… Aqui, o brilho da lagoa. Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2023
Encanto da gentileza graciosa derramada de carinho certo: beijo, abraço. Eu posso, confio e sou feliz Paulo, obrigada.
Registro, às pressas, alegria. Corro dos lençóis para abraçar a festa! Festejo, festejo e danço. Tão feliz! Obrigada: carinho aconchegado / coração acelerado / borboletas no estômago… As palavras. Os sorrisos bobos, nós felizes. Obrigada meu amigo. Elizabeth M. B. Mattos -maio de 2023 – Torres
Uma memória seletiva se pendura no imaginário, ou muitas estão encapitadas para florescer… Uma floração sezonal. E cada uma carrega diferente necessitade. Voraz, ou vertiginosa. Irremediavelmente, presos aos sustos e as alegrias das crianças que fomos. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023
Posso ficar sentada todo o dia: não respirar; continuar empilhando um pensamento no outro. A leitura sobre a China, Os cisnes Selvagens de Jung Chang volta. A descrição das mulheres: nada mudou embora hoje se sintam libertas (elas se sentem libertas?). Ilusão, nada mudou. Posso repetir o pensameto, o gesto, dizer que eu compreendi, tentei, mas, continuo sentada. Um dia depois do outro, outro. Reviradas feridas se avolumam… Não as minhas, mas as dos filhos, dos netos. Enormes e cinzentas elas se sentam no meu sofá. A percepção de vida. Magda deve ter razão quando se programa para ir e andar, e visitar, e olhar, e fotografar, e ir outra vez! Um baile.
Olho pela janela, a ilha desaparece com seus lobos marinhos espumada pelo mar escuro. O céu escuro de chuva e vento. Volto a olhar para as estantes. os livros. Os livros são como muralhas. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres
a gente caminha por livros tão belos, intrigantes e poéticos! mas não me perguntes quais são, cada um tem seu motivo, sua âncora particular de beleza. E da culinária, não me perguntes com quem eu cozinhei, algumas coisas e fazeres se mexem misteriosos, como dançar… dancei muito e sempre, com pares e sozinha, eu danço, não me perguntes com quem…Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2023 – Torres