Rosaura e Sonia

I

Sonia penda roupas no varal. Quatro fronhas, duas toalhas de rosto, dois panos de prato desbotados. Depois os lençóis. Onde estarão os vestidos, as blusas, as saias? Nenhuma meia. Entra na casa pela porta dos fundos. Já varreu o alpendre. Lavou a louça. Escutou o rádio. Este dia não termina! No entanto, cada vez que pensa no fim, o fim necessário / fatal da vida, estremece. Não, ela não quer morrer, não hoje, nem amanhã. Pensa no Júlio, na Laura, na Vera. Na cozinha separa ingredientes para o bolo, pensa na batedeira. Descasca as frutas. E sente o cheiro gostoso do amanhã… do amanhecer.

II

Rosaura se surpreende com a chuva pesada. Fecha as janelas. E se deslumbra, atrás da vidraça, a olhar o gramado. O prazer do frescor. Pudesse esquecer aquela inesperada conversa confessional. Sem sofrimento a esbofetear. Uma avó louca. Não, não era louca. Um dia sofreu transtornada. Internaram. Esqueceram dela, simples assim. Morrer é desaparecer da vida das pessoas. Esquecer e ser esquecida. Todos de costas. Já não lembro em qual igreja… Elizabeth M.B. Mattos – março de 2014 – Porto Alegre

Recorte de ALFREDO AQUINO

Recorte de ALFREDO AQUINO

De todas as formas a pintura continua sendo o suporte mais cobiçado. O martelo atingiu o atril em 878 ocasiões acima do milhão de dólares para obras sobre tela. Em 2003, para estabelecer uma comparação, foram 205 vezes. À frente desta pujança encontram-se os 142,4 milhões de dólares pagos por Elaine Pascal Wynn, a ex-mulher do magnata dos cassinos Steve Wynn, pelo tríptico Três estudos de Lucian Freud assinado por Francis Bacon. O arremate mais caro da história. Mas não está só. A esta bonança também se somam os 105 milhões de dólares obtidos pela venda da tela de Andy Warhol Silver Car crash (Double disaster) e os 58,3 milhões que conseguiu Number 19 (1948) de Jackson Pollock.
Outra leitura interessante que deixa no ano é que a obra gráfica, que tradicionalmente tinha uns níveis baixos de revalorização, ganha força. O volume de peças vendidas é similar ao de anos anteriores mas seus rendimentos anuais são quase quatro vezes superiores. O mercado da gravura, aponta artprice.com, equivale a 260 milhões de dólares, a cifra mais alta de sua história. Nesta categoria mandam os preços de AndyWarhol, Pablo Picasso, Edvard Munch e Odilon Redon, que têm obras que se arrematam acima do milhão de dólares.
Também as esculturas aproveitam essa bonança. Somam vendas de 913 milhões de dólares. Em uma década esta cifra tem se quadruplicado. Nunca tantas obras foram vendidas neste suporte: 22.500. Um espaço no que o artista norte-americano Jeff Koons é capaz de arrematar na Christie’s sua escultura de cromo polida Balloon dog (Orange) por 58,4 milhões (42,5 milhões de euros).
E a fotografia? Nessa área aconteceu algo curioso. Continua sendo inovadora para o mercado, pese a sua implantação generalizada entre colecionadores e museus. Apesar de tudo obtém 153,3 milhões de dólares, o que supõe multiplicar por três seus rendimentos de 2003. E artistas que trabalham com a fotografia, como o alemão Andreas Gursky, podem vender uma imagem de grande formato, Chicago board of trade III, por 2,85 milhões de dólares. A quantia mais elevada em 2013. Na sequência desse ranking de preços estão Richard Prince,Cindy Sherman e Man Ray.
Quanto às supervendas, a classificação dos dez artistas com melhores resultados em leilões em 2013 vem marcada pela recuperação das posições dos criadores ocidentais frente ao reaquecimento do mercado chinês. De fato, esses dez grandes nomes venderam obras por valor de 2,28 bilhões de dólares. Os eleitos? Andy Warhol (367 milhões de dólares), Pablo Picasso (361), Zhang Daqian (291,6), Jean-Michel Basquiat (250), Qi Baishi (230), Francis Bacon (195,7), Gerhard Richter(165,8), Roy Lichtenstein (140,5), Zao Wou-Ki (139,5) e Claude Monet (137,6).
De todos estes preços se beneficiaram as grandes casas de leilão. Em concreto, Christie’s vendia em sua sala de Nova York, no dia 12 de novembro de 2013, em sua oferta de arte de pós-guerra e contemporâneo peças por valor de 609 milhões de dólares. A arrecadação mais elevada jamais alcançada em um leilão de arte, e, por extensão, a melhor marca da casa em 247 anos de história.

Avoados

O estabanado causou danos. Avoados amores inacabados, turbulentos. Por que não confessar?Inconsistentes. Amores abandonados, não amados. Viagem em fantasia de querer segurar, ser e beijar, abraçar. Arrepiar, sentir, tocar, estar, entrar, cair! O que se esquece nem foi, já passou. O trem rola apressado pelos trilhos, o avião voa alto, e as estradas excessivamente lotadas. Quanta distância! Como te encontro neste meu esquecimento? Este tempo não se apagou. Está para sempre na memória da nossa história,  opaco. Elizabeth M.B. Mattos – março 2014 – Rio de Janeiro

Nós

O mesmo

Crianças estão no tempo, hora e lugar certos. Aprender a cada olhar, gesto, a sensação de pertencer. O jovem, ansioso, quer sair. Estar, mas partir. Inventar. Avançar. O limite sem limite das sensações, a igualdade perfeita do desigual. Tem pressa… O adulto, medo. Medo deste mesmo limite, de não estar onde pensa estar, pressa em se confundir… E corre, corre pro mesmo lugar conhecido, limitado, contra o tempo. Medo do futuro. O desencontro fatal do conhecido encontro… Elizabeth M.B. Mattos – Torres – 2014002 (9)

 

001 (7)Fotos de Ana Maria Menna Barreto Vianna Moog

 

Olhos fechados

A felicidade é quase sempre uma irresponsabilidade. Somos felizes durante os breves instantes em que fechamos os olhos.” (p.102)

JOSÉ EDUARDO AGUALUSA O vendedor de passados.

 

“Cada livro é uma investida na vida da gente! Quanto mais se lê, menos se sabe e se quer viver como nós mesmos. Por isso é terrível! Os livros são nossa perdição. Quem leu muito não pode ser feliz. A felicidade é sempre inconsciência, a felicidade é apenas e inconsciência.” (p.99)

MARINA TSVETÁIEVA Vivendo sob o Fogo

Olhos fechados. Cheiro da chuva. O cinza do dia. Silêncio. Tuas palavras e as minhas palavras. O texto. O meu. O teu. Felicidade. Pequena. Do tamanho da minha mão. Contradição… Elizabeth M. B. Mattos

Galope solitário

Alemanha e Tchecoslováquia (1922-1925)

MARINA TSVETÁIEVA Vivendo sob o Fogo

“Quero que você seja irrepreensível, isto é, orgulhoso e livre a ponto de enfrentar as repreensões, como um soldado o fogo da metralha: não matarão minha alma!

Ser irrepreensível não é não ter defeitos – é responder por seus defeitos e ter consciência deles a ponto de defendê-los. […] Imaginemos um sujeito covarde. Só há duas saídas: lutar ou reconhecê-lo, no começo para si próprio, depois para os outros: ‘Sim, sou covarde. ’E se há apreço pelos tais outros, explicar: sou covarde por causa disso, daquilo. E isso é tudo – simples, não é?”(p.286)

“Meu amor nunca passou de um desligamento do objeto – desligamento em dois sentidos: distanciar-se e tirar as marcas. Começo por distanciá-lo – de tudo e de todos, depois, uma vez livre e sem marcas, eu o abandono – à sua solidão e à sua pureza.

O prazer mais vivo de minha vida tem sido o de ir rápida e sozinha, sozinha e rápida.

Meu grande galope solitário.”

COSTURAS

20140217_101758 (2)A leitura tem o fio no vício. A química da leitura costura o alinhavado. O vestido se ajusta no decote perfeito. Falta a bainha, no linho, aberta, como renda… Então escrever é esta bainha. Costuras no corpo do manequim. É assim que se faz hoje, estica-se o pano, (de seda, ou algodão), e corta-se o excesso. Fixa-se ao corpo com alfinetes de cabeças coloridas, e molda-se a roupa, o texto. Estou a pescar o pensamento numa conversa aleatória, uma conversa que me agarra. É real o prazer afiado da palavra. Moldo, apanho frase, parágrafo. Elizabeth M. B. Mattos – março de 2014 – Porto Alegre

Sem bloco

Envelhecer é como entrar na floresta do lobo mau, da bruxa, do feiticeiro, na floresta conhecida do medo. Sem caçadores, sem saída. Mata verde, escura. O ponto final, sem reticências. Enfim! A cada quarta-feira de cinzas o desânimo. Sede, ritmo interior, fantasia, música, o grito, tudo desaparece. Grotesco desânimo. Não sinto as pernas, doem os braços. Cerveja, vodca, gasosa, água? Não sei o quanto bebi. Cantei. E hoje envelheci. O samba da loucura terminou. Não é mais carnaval. Sem máscara não sou pessoa, sou esquecida, mal humorada, desleixada, abandonada. Engasgada. Triste. Não estou no bloco. Esqueci a letra, não escuto a música. Onde foi mesmo meu último carnaval?  Esqueci. Eu me esqueci de tudo neste sono pesado de envelhecer. Elizabeth M.B. Mattos – março de 2014 – Torres