EXCESSOS

Desconforto da idade do poder. Sem comunicação: desastre distraído, ou ensimesmado, suscetível. Observação pontua o jeito de ser/dizer, e incomoda. Desaparece a tolerância.

 

Jogam cartas o pai e os três filhos. Os mais velhos em parceria, o pai com o mais novo. Pipocas risadas empolgação. Cartas trapaceadas cumplicidade explica o pai. E o pequeno ganha pelo truque. Roubo na brincadeira. Não aprende a perder. Jogos de faz – de – conta no comando de tirar vantagem/proveito.

 

Roubam doações aos flagelados de Santa Catarina, tão naturalmente! Aconteceu neste ano de 2008. Doações do Brasil inteiro aos que perderam casa ameaçados por doenças. Assaltados. Que venham caixas com surpresas. Fita e música brinde ao esperto! Ao descuidado personagem atento a vantagem … Só uma lágrima, o desalento.

 

&

 

Adormece envelhecido este corpo. Cabelos ralos a velha se remexe na cama atrás do sono. Uma palavra puxa outra. Um fazer outro desfazer trocar ficar ou ir… segue o fluxo no excesso. Desconforto da idade do poder. Criança desastrada distraída. Ou ensimesmada, suscetível. Cópia fiel. Observação pontua incomoda. Desaparece a tolerância. O fazer/ver a vida no filho de nove sete anos, igual ao de trinta anos. Quieto, amoroso, expansivo. Manhoso. Rouba beleza e quietude. Desalento.

Moça bonita caminha entre estantes do grande bazar. EM.B. Mattos/ Beth Mattos

espiando 2011 pelas cartas

VERDADE verdadeira: não nos damos conta do efêmero. Vivemos como se fôssemos viver para sempre, e acreditamos que as estradas estarão sempre abertas. Um equívoco.

  1. Do Rio de Janeiro abraçando corpo coração. Já antes de chegar sinto saudade. Estou, graças! Cada vez mais disposta integrada ajustada a vida nova. E assim pude acompanhar o ritmo eletrizante da Joana. Já na chegada mágica com mimos e presentes! Uma blusa incrível, camisola (que adoro), livros … Enfim! Incluiu uma dúzia e meia de rosas de chocolate. Carinho de filha! No sábado tomar sorvete (goiabada e queijo, uma delícia!), almoçar em Copacabana. De noite bebemos vinho, e que vinho! 2002 Margot Chateau Palmer Medoc – appelation Margot contrôlée -, preparei a comida e conversamos, conversamos, conversamos até muito tarde. No outro dia, domingo, amanhecemos nas confidências. Café especial ao jeito único de Joana! Depois, nos paramentamos para caminhar ao longo do calçadão: chapéu e sol. De repente nos desviamos, e fomos ao cinema, no Roxy, ver Uma Manhã Gloriosa, gostei: romance tipo O diabo veste Prada. Com direito a pipocas.  Filha, torço por ti. Teu Pós Graduação será sucesso. Pelo que descreveste a professora de português está com medo de te ter por aluna! A surpresa grande! Melhor! E o professor Longo na direção! Fico já pensando em fazer algum curso por lá!  Adorei as fotos dos meninos e a história das férias de vocês. Estou feliz por estar aqui. Não sei se conseguirei ver o Pedro! O Léo chegou hoje, viaja na sexta-feira “o jeito Lattog de ser”. Vi tuas fotos no fim de semana, achei a Cláudia charmosa e a Marina tão menina!
  2. Segue um relato da minha vida carioca. Puro luxo! Cervejinhas salada de frutas chocolates. Fomos ao teatro ver As Centenárias com Marieta Severo e a Beltrão. Ótimo trabalho baseado na obra de João Cabral de Mello Neto, lá no teatro João Caetano. Outra super, maravilhosa pizza, no Estravaganza em Botafogo. Hoje vou tentar ver o ‘filhão’ que está indo para umas férias na Baia. Telefonei paro o Roberto, que certo verei também meu amigo de Itaipava. Tudo rápido porque a ideia é estar muito, e muito com a Joana. O filme Cópia Fiel – adorei! Discute a relação e sendo na Toscana, … vale a viagem! Vontade de ser italiana outra vez. Eu te imaginei festeando o Rio. Não posso ir à praia para proteger minha cicatriz. Assim curto a temperatura pendurada na janela carioca, ou caminho em Copacabana. Mas preciso ir a Ipanema ver o Pedro. Vamos ver! Beijo

2. Roberto: desculpa estar te encaminhando a carta do meu sobrinho neto preferido. É que tudo nele me leva a vontade renovada de ler e ler e ler. Encontrei um artigo na ZERO Hora sobre Lobo Antunes, e fiquei curiosa para ler os livros: Que Cavalos São Aqueles que Fazem Sombra no Mar e O Meu Nome é Legião. Títulos ótimos! Arquipélago da Insônia. Segue a tortura do calor! Que coisa! Hoje o dia parece mais quieto. Gosto. Estou com saudade da minha cama em Porto Alegre, mas penso nos barulhos/ruídos, e no calor! Que coisa chata ser chata! Tenho dormido bem cedo, acordado mais cedo ainda. No contra fluxo das pessoas. Detesto Torres neste período do verão. E não cheguei nem perto do mar. Formigueiro. Como se as ruas tivessem vida própria. Respiram gritam. Se agitam transbordam. Praias lotadas. Aquele tempo de veranear na SAPT terminou: não mais cabritos barracas silêncio amigos Guarita. Um povo avança disputando um pedaço de areia. Bom quando isso tudo terminar e o verão se aplacar vou ver o mar.

3. Maravilha amiga! A possibilidade de ser livre destes chatos compromissos familiares! Eu detestava/detesto. Não nasci para ser casada nem para fazer social. Detesto amarras não importa de que tipo. Ler sobre teus agitos me encanta. É como poder voar, voar. E ganhar o teu dinheiro, maravilha! Aqui faz muito calor, muito calor. O mar segue verde. Acreditas que ainda não fui até a beira da praia? Devo ter adquirido uma doença qualquer quanto a conviver ou estar com grandes grupos. Tanta gente na rua! E pessoas feias. (desculpa, mas a beleza importa) O balneário do nosso tempo morreu.  Não existe mais a praia grande com barracas. O farol francês do cemitério de 1800, do golfe no alto do morro da Guarita, nem a SAPT. Desapareceu a Torres daqueles verões. Uma gente muito estranha tomou posse. Qualquer lugar é desagradável. E eu, minha amiga, sonho com um apartamento como o teu em Porto Alegre. Um lugar só meu, na justa medida. Ainda me sinto exposta, não gosto. Estes dias, arrumando velhas fotos encontrei sonhei desejei outra vez a casa de Santa Cruz do Sul e a casa da fazenda: passei em revista o tempo de construir, tu salvaste minha cozinha. Lembras? Lembras quando não tínhamos luz na fazenda? Era um galpão com terra batida. E os verões de seca? Molhávamos o arvoredo com baldes num ir e vir de trator. E a casa lá de cima com seu verde exuberante me aquecia. Gostava dela. E também de estar fechada a imaginar a vida lá fora. Receber os amigos com a sofisticação do improviso. Fechar os portões. Disto tenho saudade. Na época eu tinha energia redobrada com esperança de existir um para sempre. Seguia trabalhando quarenta horas, mas assim mesmo rodeada de livros. Explico: o ato de ler como norma, nunca apenas conduta. Estranhos nomes! Norma! (já o F. me assombra). Conseguia administrar adolescentes. Lembras que Maurício estava conosco? E naquele ir e vir da fazenda fui feliz. Claro que tinha bastante tempo apenas meu, J. não ficava/parava em casa. Funcionava nas oficinas de carro (q. mania!) antiquários e construção. Eu podia usufruir do tempo quando não me arrastava junto. Incoerências da vida. Dá um beijo na Vanda. De repente nos encontramos numa esquina, escreve. Beijo

Reli, li outra vez tua carta. Que movimentação!Tu estás super bem adaptada a roda dos filhos, isto é ótimo. Eu sempre me queixo quando fico sem tempo para escrever, ou ler. Sou viciada nos meus retiros… E, sempre minuciosa para algumas coisas de limpeza. O Natal foi tranqüilo com muita alegria dos meninos…. Bom a festa em casa, mesmo simples, na tua casa tem espaço para reunir mais pessoas.

4.Não foi exatamente assim que pensei passar o verão. A casa tomada e o calor fervendo na pele. Preciso de um banho de mar, mas ainda não fui… Sempre envolvida com os dois cães: indo vindo limpando. Sensação de sujeira pó e pelos. Não posso convidar ninguém abrir a porta, nem escrever. Tenho lido muito o que me acalma um pouco. E limpo, limpo e caminho. Faço exercício, mas exaspero-me também. Que sufoco! Não fui treinada para isso. A vida prometia ser apenas glamour. Era pra ser limpa e linda! Onde ficou este filme? Estou atrelada a outros sentimentos. Escolhas erradas? Como foi que tudo começou, e como terminou? A cada um o seu cálice. Eu sempre meio esquerda, mas preciso te dizer: tua coluna sobre o escritor argentino, Ernesto Sábado, me deixou inquieta. Não achaste demais teres te citado, vaidoso!? Colocar-se tão sem cerimônia entre os grandes me pareceu demais, mesmo sendo palavras do generoso Sábato. A coluna ficou toda direcionada a Memórias do Esquecimento, não te parece? Sigo me exercitando (caminhando) com os cães da Luiza. CAMINHO todos os dias, umas três vezes. Fico logo morta. Assim durmo mais cedo, e acordo muito cedo. Estou sem conexão, mas hoje consegui abrir os exames que estou te encaminhando. Foi o João que fez… Graças ao neto! Que coisa. Espero que consigas abrir. Encontrei aqui em Torres um livro do Cees Nooteboom RITUAIS. Lido, mas vou dar uma relida. Inacreditável como esqueço. Edição Nova Fronteira, antigo. Sei que li porque está cheio de anotações, mas não consigo lembrar se foi este que tu me indicaste, ou se tem outros livros do autor traduzidos. Luiza está em Garopaba com o pai, feliz da vida! Se passares por Torres, e puderes me procurar, vou gostar. Eu, a Beth Mattos te espera. E.M.B.Mattos  –  outros tempos e tanta energia!

e sorrimos

…, um aperto. Se  o pão  se esfarela na mesa  chamo os pássaros que revoam e gritam. Ouço o sorriso na tua voz. Eu te beijo. Bebes o vinho. Da lareira o fogo de amar: estremeço. Soletro distraída leio teu nome nas páginas abertas do  azul. Sorrimos. E.M.muitas flores nas cerejeirasCEREJEIRAS de TÓQUIO – fevereiro de 2018 –

 

Para quem sabe inspirar amor apesar do medo de amar

O meu corpo despertou inteiro. Devo te escrever uma longa e demorada carta de amor. Exausta insone o desejo borbulha retalhado. Imagino/quero teu corpo. O beijo. Emoção. Necessidade premente: bênção. Pecado. Desejo e pecado. Inferno cego. Sinto na pele tua voz a dizer explicar agarrar. Estou em ti sem nada saber. Que seja possível real apenas estar em ti. Eu não te sei eu te sinto. Todo o meu dia gira em polir e perfumar cada canto da casa na esperança de que possas, sem avisar, entrar e derrubar/terminar com a fantasia louca de te amar em ausência. Eu te quero em mim, e eu me quero no abraço. Possuindo possuída. Todas as cartas de amor são ridículas já escreveu Fernando Pessoa, e não seriam de amor se não fossem ridículas. Noite da noite. Teus braços. Da minha transformação o melhor. Do teu desejo o assombro. Eu te concebo eu te descrevo. Cheiro e suor. No pedaço humano amoroso de amar. Sou tu és o meu Eu. Na água dos meus teus banhos. No cheiro/perfume: nós dois. Nas passadas do dia. Na alegria nas repetidas inquietudes transparentes. Perguntas/questões, as nossas. Grito voz sussurro. Dor desespero prazer. Assim como chegas vais sair devagar quieto manso meu. Quero tempestade chuva vento trovão. Quero o vinho seco gelado: embebedar-me no teu prazer. Tocar o corpo. Amar devagar sem medo. Noites que amanhecem. Teu meu teu meu marcado corpo. Apertado acarinhado. Não meu querido amado, vou apenas te escrever uma carta cheia de ponderações lógicas. Segurar o medo e derramar a voz. Sussurrar. Não posso nada. Não sou nada. E se te parece louco desvairado sentir, …eu te digo, impróprio é viver. Sinto a força do silêncio no corpo. E eu te beijo devagar cansada devagar voraz devagar inquieta devagar sinto. Não importa amanhã. Nem quero saber se gosto ou não gosto do jogo de futebol que não vou mesmo assistir. Esqueci o que sabia, não sei. Quero a preguiça de estar e de te esperar. Quero o silêncio apertado. Corpo colado no meu corpo. Desperto alerta deste sono sonho, sono. Revivo viva e te gosto. Não durmo. Droga! Não estás aqui e os reis não trouxeram nem ouro mirra ou incenso. Saíste tão rápido como entraste. Estás outra vez voltando já saindo. Som velado das minhas tuas atropeladas palavras. O trabalho consome a família rasga. Sonho guardado. Agoniza acomoda a tristeza real. Não…,não fecho o círculo. Vou deixar minha mão na tua mão. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018 – Chuva forte e frio e tu e nós.ESTOU DE COSTAS OLHANDO UMA ESCULTURA LINDA foto

uma carta de 2005 para PHFilho

7/10/2005 PORTO ALEGRE, cinzenta outra vez, como eu gosto.

Li a crítica ilustrada, pois consegui participar dO 12 PORTO ALEGRE EM CENA.

Obrigada. Hoje mesmo farei seguir o texto ao Tavares. Da minha parte, enterro a cabeça no que chamo “minha ignorância” e a tendência a nada escrever. Releio o teu bilhete: “diz se funcionou”. Funcionou.

Dia 9. Os Negros:inovadores e caprichados, já um impacto”, “ amplo elenco dá o recado” depois o que diz GENET ”isso basta”. A crítica? Um “roteiro mais lógico” formar e apresentar a dificuldade de deixar redonda a fala/idéia de Genet: gostei do resultado que tu apresentaste: “Tá bonito, mas onde vamos chegar? Não chegaremos, é isso aí”. Concluíste com o importante: “Peça de Genet é assim, um derrubar de ídolos, idéias, criaturas. Pode-se achar que para que o próximo passo, no teatro e na vida, seja mais verdadeiro, superadas as ilusões”. Genet precisa ser conhecido do público. Que a água/gente atravesse o esgoto e que as pessoas saiam limpas, úteis do outro lado do cano. E eu me pergunto, será que ele pretendia isto? (Coisa esquisita eu escrevi aqui.) Ler e ficar mesmo entre o dito e o não dito. Reler e ver é passar pela “coisa” outra vez e reescrever só para nós mesmos. Estamos em “as pessoas se entredevoram”. Entenderão? Ou apenas se sentirão fedidos e indignados? Colocaste o PONTO DE INTERROGAÇÃO.

 

Adorei o poema El tiempo de um silencio.

 

O tempo de um silêncio pode ser tudo, não tem fundo.

Dou-me o tempo de um silêncio e sou mais eu. Ou menos?

Até que ele me diz, ou eu me digo, fim, e zero a zero.

 

Isto é PHF “… trata-se do horror após a separação de um casal. E não é que atingem mesmo esse horror com arte! ” É isto: “E soberbo”. Lamentei não ter assistindo. Estou sempre presa nas minhas próprias separações e fechada ao mundo. Ler PHF é ouvir, ver, sentir sem sair do quarto. Bom mesmo é estar a ler o que escreves. Repetir o que escreveste: “A fotografia, excelente, respira em belas imagens rurais…”. Exílios, o filme francês. E ou então sobre o que escreves sobre

Howard consegue transmitir a vibração do boxe, um esporte que, a sério, torna praticamente direta a luta pessoal pela vida” Este filme eu vi, maravilha, e lutei com ele no ringue: menina. E tu estás em Beckett abrindo os livros, o autor, o teatro, resumes o texto e ainda diz: “estamos todos nos afogando, ninguém pode ajudar ninguém. Beckett não faz por menos e no entanto não há só a vida humana, há uma civilização, onde é verdade não conta pouco a poesia que ele encontra na angústia do vazio”. Deveria eu seguir um por um os dias todos dos espetáculos e comentar. Passar por eles em palavras, mesmo que citando o já dito. Meu limite. Que bobagem! Sempre que te colocas, “tornando intensa a sua própria personalidade” O. Wilde, a tua voz é ouvida no contexto texto. Exato o que pretendes.  Funcionou. E com gentileza escreves: “Você é poesia sem esquecer a mulher” para Tutikian. E eu, curiosa, fico pensando e querendo ler a carta toda que não é para mim. A frase já diz. O quê? Houve precisão e participação. Do último espetáculo saíste agraciado por mais um eterno amor. “E antes que o tempo morra nos meus braços, volto à seleção de filmes franceses QUARTAS LOUCAS, de Pascal Thomas. Uma glória. ”. Meu querido, vou tentar encaminhar para o Tavares e ver se ele escreve, – se é que deseja entrar mesmo em contato, às vezes, palavras são apenas palavras. A vaidade, seguidamente, corta fios. Vamos ver!!!! Sou amarga e seca. Eu sei. Gostei de receber notícias do mundo inteiro através de PORTO ALEGRE EM CENA. E, tens razão quanto às perdas do espanhol, castelhano ou sei lá como nomeiam estas línguas todas nossas parentas distantes, ou próximas. Línguas difíceis, justamente, pelas semelhanças e a ideia falsa de que podem ser compreendidas sem estudar. Como? Sequer compreendem o português. Ora!!!  Ver “os ataques à tevê, professores e críticos”.

Se ninguém ainda aprendeu a nadar por falta de professores, informações e críticos, morreremos todos na santa ignorância da benta água, incompreendida, como a mesma santa água que misturam na farinha, e cozinham em forno à lenha as pizzas desta nossa boa política. Assim seja! Foi publicado? Onde este teu trabalho? Sigo pousada num bom lugar. Como aquela pomba do poema do Carlos D. De Andrade. Coisa de egocêntrica e preguiçosa: nada faço, espero. Espero que o tempo passe. DURMO e não repouso. Vou ao correio agora. AH! Adorei teres adotado o Xavier Marques: vou contar para o Roberto que faz ou já fez um trabalho sobre estes autores de 1800. E tudo em ti é vida e trabalho. Terei outra vida? Um beijo com saudade. Beth

Arthur Schopenhauer

“ O amor é o objetivo último de quase toda preocupação humana; por isso que ele influencia nos assuntos mais relevantes, interrompe as tarefas mais sérias e por vezes desorienta cabeças geniais” (1788 – 1860) Arthur Schopenhauer

quase me compreendeu

“ Num minuto, houvera uma mulher bondosa dando-lhe atenção, enquanto ele corria ao quarto dos fundos para buscar suas lembranças, e no minuto seguinte, enquanto ele as estava desenrolando diante da ouvinte, ela tinha ido embora. Imaginei a mágoa que ele deve ter sentido ao ver como historias tão esenciais para a pessoa que ele era devessem exigir um ato de caridade de uma jovem enfermeira para serem ouvidas. Ele não tinha nenhum biógrafo para recolher suas palavras, para mapear seus movimentos, para organizar suas lembranças; ele estava vazando para o interior de inúmeros receptores, que o ouviam por um momento, e então lhe davam uma pancadinha no ombro, e partiam para suas próprias vidas. A empatia dos outros era limitada às exigências do dia de trabalho, e assim ele morreu deixando fragmentos de si dispersos casualmente em meio a uma caixa de cartas esmaecidas, fotografias sem legenda reunidas em álbuns de família e histórias contadas a seus dois filhos e a um punhado de amigos que marcaram presença no funeral em cadeiras de rodas” sobre Wittgenstein no livro de Alain de Botton

 

E “ […] o filósofo Cioran escreveu uma vez sobre a impossibilidade de uma pessoa estar verdadeiramente interessada por outra por mais que um quarto de hora (não caçoe, faça a experiência). E até mesmo Freud, de quem se poderia esperar que acalentasse esperanças pela compreensão e comunicação humanas, disse a um entrevistador no fim de sua vida que ele não tinha nada realmente nada do que se queixar;

            –Vivi mais de setenta anos. Tive o suficiente para comer. Tive prazer em muitas coisas. Uma ou duas vezes encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso pedir? ” (p.16, Alain de Botton, no livro Mínimos Detalhes)

 

insone

Uma noite inteira acordada. Coisa de menina. Reli escritos selecionei. Esperei um bilhete de Francisco. Não chegou. Afetos escondidos. Importa a necessidade de alguém por outro alguém? Se posso chorar, tudo é possível. Chorar largo. Chorar cansada, cansada porque insone. Liguei a TV e vi um filme: Razão para Viver. História de uma história. Difícil escolher palavras. Ou dizer/explicar o que vejo/ sinto. Se eu pudesse dizer o que sinto de verdade e como vejo/olho. Se soubesse das palavras escreveria. ElizaBeth  M.B. Mattos – maio de 2018 – Porto Alegre

P.S. Lise me deixou um livro pra ler: Assédio Moral, Violência perversa no cotidiano – editora Bertrand Brasil de Marie-France Hirigoyen. Encontrou resposta para dor. Dores brotam e se repetem pelo perverso. Só a bondade salva. Vou ler o livro. Se chover o dia inteiro, sei que será um bom dia. Sono revirado da noite vai me seguir hoje.

palavra

Palavra é aparência e o mundo é cinza porque o queremos cinza. Palavra é uma máscara que raramente expressa de maneira correta o que está por trás, antes encobre. A inteligência não é o que importa, mas sim a imaginação. Beth Mattos

ISADORA DUCAN e RODIN

Abro a última gaveta daquela cômoda grande da sala de jantar. Agora no canto direito. Cartas, fichas, rascunhos. Passados tantos anos sem te escrever, retomo a conversa, transcrevo parágrafo. Reconheço vida sentimento. Inexperiência impossibilidade desencontro de Rodin com Isadora.

Rodin era baixo, troncudo, vigoroso, com o cabelo aparado curto, e umas barbas patriarcais.  Mostrou-me as suas obras com a simplicidade dos grandes homens. Por vezes, murmurava um nome diante das suas estatuas, mas percebia-se que esse nome, qualquer que fosse, não tinha a menor importância para ele. Depois, corria a mão pelas formas da sua criação, como que a afagá-las. Vinha-me a impressão de que sob estas carícias, o mármore se amolecia, igual ao chumbo derretido. Finalmente, pegou num bocado de argila dúctil e passou a afeiçoá-la entre as palmas musculosas. Enquanto isto resfolegava com força. Todo ele era uma forja em trabalho, crepitando fogo. Num instante tinha moldado um seio de mulher, que lhe palpitava entre os dedos. Tomou-me pela mão, chamou um fiacre e fomos até o meu atelier. Vesti rapidamente a túnica e dancei para ele um idílio de Theocrito, que André Beaunier havia traduzido especialmente para mim: 

 Pan aimait la nymphe Echo,

 Echo aimait Satyre, etc. 

A seguir parei para explicar-lhe minhas novas teorias sobre a dança, mas não foi difícil certificar-me que ele não dava nenhuma atenção às minhas palavras. Sob as pálpebras caídas, fixava-me com olhar brilhante. Depois, com aquela mesma expressão fisionômica que adquiria diante de seus trabalhos, aproximou-se de mim. Passou-me a mão pelo pescoço, pelo peito, acariciou-me os braços, correu-me os dedos pelos quadris, pelas pernas nuas, pelos pés também nus. Pôs-se a modelar-me o corpo, como se estivesse diante de um barro mole. Enquanto isso se desprendia dele um bafo ardente, que me queimava, enlanguescia …. Por todo o desejo gostaria de abandonar-me entre os seus braços, e o teria feito, se não fosse a absurda educação por mim recebida, e que me levou a recuar num gesto de pavor. Então, sem mais pensar, enfiei, às pressas, o meu vestido, mesmo por cima da túnica, e conduzi-o precipitadamente até a porta. Que pena! Quantas vezes não lamentei, depois, aquela incompreensão pueril que me privara de oferecer a virgindade ao grande deus Pan, ao poderoso Rodin![1]

Escolhas erradas! Importante insignificante insegurança que não permite sonhar com estrelas, apenas com margaridas. Beleza equivocada simplicidade. Somos ceifados. O encontro de Isadora com Rodin evidência de amor no desencontro de amar. Lamento o que já não posso desfazer. Penso no que poderia ter sido. A vida se repete.

Encontrei o poema que inspirou Drummond: eco e ressonância. Pedro ama Maria que ama José que ama Luiza que ama o João que casou com Valentina. Maria morreu e Pedro foi para o convento. Beth saiu de casa e colheu fores no jardim de Joana. Curiosa conversa entre homens de diferentes tempos.

FOTO linda

Tu não és Rodin, não sou Isadora, apenas lamento …  Elizabeth M.B. Mattos

 

[1] Ducan,Isadora -Minha Vida – Ed.Livraria José Olympio, Rio de janeiro,1938, p.104/105.