De volta às panelas com novidade, alegria de fazer acontecer. Laboratório certo. Descobertos das ervas, sem incluir tabletes, e o sabor vem das escolhas… Escolher, tomar posições não parece tão simples, ou isto ou aquilo como diz Cecília Meireles naquele poema. Arestas, frestas podem ser possíveis, entra vento, reflexos do sol, e algum cheiro de capim, mas… O cheiro da nossa mistura = odor, caprichos escolhidos, ah! Remexo, coloco vinho, depois pimenta, cravo e canela naquela abóbora! Céus! Eu me encontro contigo no prazer. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2021 -Torres
Ou isto ou aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo… e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Hoje eu estou isso, gostei de cozinhar, ontem, sonhei, e antes de ontem, senti uma saudade danada da ansiedade de te esperar, dos bilhetes apressados, dos atropelados, do desarrumado de te gostar, da excitação inteira por te encontrar, e das noites insones a te pensar.
…,estoura a bolha, e no outro minuto, quero mais, quero tudo, quero inteiro. Esbravejo como criança pequena, bem pequena: chora porque não sai mais leite do bico do seio, e esperneia aos gritos… Imagino que seja uma sensação de pânico! Assim, assim estou agora, nesta aflição sem nome porque eu quero quero quero quero quero… E na verdade todo o equilíbrio é importante, os alertas acendem, o equilíbrio e aquela coisa de limite e finitude se faz necessária. Decrepitude não. Vou achar que sempre estou a me renovar…e encontrar um novo canteiro de margaridas, e depois as rosas perfumadas, misturadas aos cravo e muitos metros de uma cerca de arame cheia, tomada pelos miúdos jardins perfumados , mais um arbusto com camélias. E as laranjeiras carregadas com seus galhos pesando, e os limoeiros. Respiro num sorriso gargalhada o prazer de estar viva. eu me deito no gramado, como nos filmes, abro os braços, depois rolo na grama e sinto aquele cheiro de terra entrar pelas narinas, imagino tua mão na minha mão e respiro numa gargalhada de amor o prazer dessa garoa invernosa molhando a roupa, umedecendo o corpo do macacão da preguiça. Levanto com certa dificuldade, mudando as posições do corpo, ainda achando graça da infantilidade e corro pro chuveiro quente, as pantufas e vou beber vinho à beira da lareira…Talvez venhas hoje. Rabugento. Eu sei, mas não me importo. Eu te juro que tudo vai estar no lugar quando a primavera chegar, e os ajustes serão, no mínimo, pacíficos e estarás feliz. Eu me inclino para te beijar, vou ficando no beijo. Tão bom! Tu respondes. E lá me vou para fazer um carreteiro com linguiças, aquecer o feijão e descascar as laranjas, deixo contigo. Sou feliz. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2021 – sábado
O amor tem ajustes definitivos, e poderosos. Não acontece, a gente faz acontecer, há que estar/ser atento. O lampejo faz estremecer, e de repente, o sono bom, inteiro. Teremos. Espaço certo de horas certas. Aperta, chega, escorrega. Escorrega no indefinido. Sentimento revirado: ciúme, desejo, raiva curta destes medos indevidos, desejo enorme…, doçura. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2021 – Gosto do fogo das lareiras, laborioso e cuidado, e do frio, e do inverno nesse outono. O mar equilibra a temperatura, e o sol aquece generoso. Que cada fazer te tranquilize meu amado!
“De nada te servem os bons velhos tempos. Sempre que te dá para a nostalgia, para chorar a perda das coisas que pareciam fazer a vida melhor então do que é agora, mandas-te parar e pensar melhor, olhar para o Então com o mesmo rigor com que olhas para o Agora, e depressa chegas à conclusão de que existe pouca diferença ente eles, de que o Então e o Agora são essencialmente o mesmo. Claro que tens múltiplas razões de queixa das malfeitorias e estupidezes da vida americana contemporânea, não passa um dia em que não despejes as tuas arengas lamentosos contra ascensão da direita, as injustiças da economia, o desprezo pelo ambiente, a infraestrutura que se esboroa, as guerras sem sentido, o barbarismo da tortura legalizada e das rendições extraordinárias, a desintegração de cidades empobrecidas como Buffalo e Detroit, a erosão do movimento operário, a dívida com que sobrecarregamos os nossos filhos para podermos frequentar as nossas faculdades excessivamente caras, o fosso cada vez maior que separa ricos e pobres, para não falar do lixo de filmes que estamos a fazer, do lixo que comemos, do lixo que são os nossos pensamentos. É o suficiente para uma pessoa ter vontade de desencadear uma revolução – ou viver como eremita nas florestas do Maine, alimentado se de bagas e raízes de árvores. E no entanto, se olhares retrospectivamente para o ano em nasceste, que vês? As leis de Jim Crow em pleno vigor em todo o Sul, as restrições antissemíticas às quotas de imigração, os abortos clandestinos, o decreto de Truman a impor um juramento dos Dez de Hollywood, a Guerra fria, a Ameaça Vermelha, a Bomba. Cada momento da história é causticado pelo seus problemas e injustiças, e cada período produz as suas lendas e as suas devoções. Tinha quinze anos quando Kennedy foi assassinado, andavas no liceu, e já a lenda diz que a população americana inteira foi reduzida a um estado de dor muda pelo trauma acontecido no dia 22 de novembro. Mas tu tens uma versão diferente para contar, porque se deu a coincidência de teres ido com dois amigos a Washington no dia do funeral. Querias estar presente porque tinhas uma grande admiração por Kennedy, que tinha representado uma mudança extraordinária depois dos oito anos de Eisenhower, mas também querias estar presente por que tinhas a curiosidade em saber qual era a sensação de participar num acontecimento histórico.” (p.142-143) Paul Auster Diário de Inverno memórias – traduzido do inglês por Francisco Agarez Edições Asa II, S.A. Portugal
…, uma conversa com o papel, o livro me faz bem, aqui tem gosto /sabor e história…, bem, sou suspeita, uma certa comunhão…
Tem dias, ou aquele dia único, que te atropela com evento de festa, o inusitado completo: alguém te abraça pelas costas, és presenteada como rainha: todos os olhos, toda exuberância do tempo, como se fosse uma primavera explode: ser feliz / estar feliz e ser acarinhada tem esta força gigante! Como ontem foi assim, hoje tem que ser quieto, e a luz entra pelas frestas, dengosa. obrigada, obrigada, obrigada, obrigada… nunca estive mais completa na minha vida, em nenhum momento fui surpreendida assim…obrigada Beth Mattos – junho – 2021 – Torres estou/sou repetitiva
Ridículo!, vou a me esconder no teu colo, nas tuas palavras, no teu tempo, no teu campo de margaridas, ridículo! hoje fui pro campo, abri valas para a água correr…, que venha a chuva! Depois descansei. O tempo não é lá aliado perfeito, mas eu vou…, então, junto à cerca afofei terra, adubei e plantei as sementes que levo no meu bolso, são…, não sei, fica a surpresa. De repente, o prazer de se pensar assim criança a fazer castelos no barro, daqueles misteriosos… e eu, estou nele, sem espelhos, sem reflexo, sem ser vigiada. Eu comigo. Bom! Beth Mattos
temperatura de inverno num outono delícia, colorido no cinzento das manhãs a se desenhar aos poucos, ensolarar, gosto, gosto muito
e tropeço nas banalidades: comida deliciosa (feita por mim), prazer de bom sono, de preguiça se esticando e depois atropelos de envelhecer, idas ao médico, ao dentista, ao céu e ao inferno, tudo no mesmo dia. O que posso fazer? aceitar. A lareira com fogo crepitando, gemendo e conversando, um bom vinho beaujolais, depois contar as moedas porque sábado vou a feira comprar bergamotas e laranjas… a vida sem roteiro. Beth Mattos – junho de 2021
não seguro o tempo, ele me atropela, e não faço nada…adianta? a loucura de correr atrás da juventude, ela, a loucura, fica escondida, e por dentro, brinca, agrada… no entanto, ele, o corpo atropela o desenho da vida mesmo atrás dos bisturis, das vitaminas. responde, impõe e segue ativo, acena… a tal felicidade, o detalhe, grita. eu me agarro nele. Elizabeth M. B. Mattos – junho de 2021 –
No passo lento da vida sigo a mim mesma e vou a catar memórias no afeto. O amor não se explica, existe. Existe como árvore de sombra e conforto… E todo este cuidado do cuidar responde com flores, frutos, às vezes, espinhos. O sentido da posse, do pra sempre. A natureza surpreende. As buganvílias brotam, galinhos minúsculos. E sei que a primavera vai me alagar de alegria. Agradeço a doçura do amor que me acorda!
Estou a ler Paul Auster como se estivesse a conviver. Livro de memórias que ele nominou Diário de Inverno. Penso que faz sentido o título, com a idade / com o jeito de encarar o tempo… O nosso particular inverno.
O grande cuidado cresce desorganizado inventivo tricotar colorido num ponto chamado memória… Construção de todos os dias. Elizabeth M.B. Mattos – junho de 2021
“Não te vês. Sabes que aspecto tens graças aos espelhos e às fotos, mas lá fora, no mundo, quando te movimentas entre os outros seres humanos, sejam eles amigos, desconhecidos ou os entes mais queridos, a tua cara é-te invisível. Vês outras partes de ti, os braços e as pernas, as mãos e os pés, os ombros e o tronco, mas só a parte da frente, da de trás nada, nada a não ser as costas das pernas, se as rodares convenientemente, mas não a cara, a cara nunca, e afinal de contas – pelo menos para os outros – a tua cara é quem tu és, o essencial da tua identidade. Os passaportes não têm fotos de mãos nem de pés. Até tu, que há sessenta e quatro anos vives dentro do teu corpo, serias provavelmente incapaz de reconhecer o teu pé, para não falar da tua orelha, do teu cotovelo, ou de um dos teus olhos em grande plano. Tudo tão familiar para ti no contexto geral, mas completamente anónimo quando tomado individualmente. Somos todos estranhos para nós próprios e, se temos alguma noção de quem somos, é só porque vivemos dentro dos olhos dos outros.” (p.128-129) Paul Auster Diário de Inverno memórias / Edições ASA II S.A. Rua Cidade de Córdoba, número 2 Alfragide / Portugal
Os olhos de quem me vê são o que eu sou. Bonito isso! Dar as mãos, e não nos perdemos, não do amigo, mas de nós mesmos. E o fazer importa… “E não parece nada” sendo tanto, tanto! Penso que não é preciso mudar, este fazer é muito forte minha amiga.
“Ando as voltas com meus trabalhos de tricô: muitas ideias, poucas mãos. Me divirto, me ocupo, me satisfaz, me reinvento…O dia fica muito curto entre tantas coisas e ao mesmo tempo não parece nada…será isso? …sempre tentando entender um pouco…mas sério Beth… parece que às vezes ‘emburreço’ diante da vida, principalmente, quando não consigo mudar algotão difícil querer melhorar e não conseguir por que não quero? Não consigo? Ou mesmo não tento? Sinto que preciso ser melhor, mais generosa… mas Beth porque tão difícil??? ” “E não parece nada” sendo tanto, tanto! Penso que não é preciso mudar, este fazer é forte e bom, minha amiga.
Bilhete de carinho e lucidez. Divaga e desenha, inteligente. Quer ser e faz: sem vaidade a tricota… Reinventar transforma a vida em poder: linda, inteligente, preparada e amorosa. Este amoroso já é o generoso M.F. o generoso a transbordar… E tricotar! Saudade tenho das lãs coloridas e das invencionices… O difícil, o terrível pode ser não questionar. E não fazer. Obrigada.