Teu beijo, meu. Passo voltas na chave, seguro, guardo. Abraço quente como as dunas de verão, fica: não me importa que tenhas engordado, também eu, não sou a mesma, e, ainda assim, somos… Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres

“Percebe-se, bem pelo alto, que o homem é duplo; mas é, diz-se, por ser composto de uma alma e de um corpo; e acusa-se este corpo de não sei quantas coisas; seguramente, muito mal a propósito, pois ele é tão incapaz de sentir como de pensar. É da besta que nos devemos queixar, desse ser insensível, distinto da alma, verdadeiro indivíduo que tem a sua existência separada, os seus gostos, as suas inclinações, a sua vontade, o que não está acima dos outros animais senão por ser melhor educado e provido de órgãos mais perfeitos.
Meus senhores e minhas senhoras, tende tanto orgulho da vossa inteligência quanto vos aprouver; mas desconfiai muito da outra, sobretudo quando estiverdes juntos.” (p.27-28) Xavier de Maistre

…estremecida a contar os dias, jogar naftalinas no lixo, ventilar mil vezes o quarto! ah! este cheiro não desaparece! venha o sol! e que eu possa arrancar o melhor de todos os anos! vou seguir a enfeitar minha vontade e a lustrar o tempo! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres

[…] “converter as nossas lágrimas em prazer. Enfim, as percepções do espírito, as sensações do coração, as próprias lembranças dos sentidos são para o homem fontes inesgotáveis de prazer e felicidade.”(p.86) Xavier de Maistre Viagem ao Redor do Meu Quarto – tradução de Armindo Trevisan

Rotina pode ser uma palavra sem graça, eu gosto. Empresto E N O R M E importância: a novidade, a surpresa, a beleza transborda da rotina. Ação decide, escolhe: uma aposta. Apenas uma alternativa, decido e resolvo.
Não amanheceu ainda: o gosto do café com leite define: já se faz hoje. Empurro a ideia de demorar na cama, rotina: escrever. Quero dar um volta / sair dela. Por quê? Estou a pensar! Não tenho escrito, rasguei a ideia de escrever impreterivelmente…
Estou a fantasiar o dia de festa / de dança. Termina quando a orquestra para, ou o disco (ah! este tempo!), não sei o que escrever, assim mesmo, empurro os dedos, voltar a rotina.
Quando eu me afasto a desordem fica maior… Complexidade de uma arrumação: buraco no dia, confusão, dificuldade de seguir. Vou dormir mais um pouco, e fazer de conta que hoje é amanhã. Oxalá o sono me aperte num gosto bom de sonhar! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres

Escrever acalma, não compreendo porque reluto. Alongo o dia, aperto o corpo, não escrevo… como se, como posso explicar?! Uma represa / uma contenção, será por que penso em ti com tanta frequência? Será que estou a me sentir só?! Por que não chegas? Não te apressas em voltar? Será que não guardo paciência para te esperar? Reli a carta, reli teu escrito apressado, acompanho as notícias, recebo tuas saudades / recebo teus beijos / sinto teu carinho, igual me inquieto
escreve outra vez, exige, quem sabe o telefone? sim, detesto, não é o meu forte, mas pode ser solução. Eu me apresso em desligar, então…, talvez escreva e me acalme.
vou descobrir uma forma nova de te contar de mim, da casa, das panelas novas, da chaleira, da minha velocidade em limpar, da comida que fiz! é diferente, tens razão, cozinhar, arrumar a mesa, pegar o bom copo, e ter flores pela casa…tens razão! Sempre tens razão. Beijo. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres – vou me acalmar. Amanhã colocarei a correspondência em dia, voltarei a ser eu. Outro beijo.
“O escritor é uma pessoa que passa anos tentando descobrir com paciência um segundo ser dentro de si, e o mundo que o faz ser quem é: falo de escrever, o que primeiro me vem à mente não é um romance, um poema ou a tradição literária, mas uma pessoa que fecha a porta, senta-se diante da mesa, e sozinha, volta-se para dentro; cercada pelas sombras, constrói um mundo novo com as palavras. […] Enquanto escreve, pode tomar chá ou café, ou fumar. De vez em quando, pode se levantar e olhar pela janela as crianças que brincam na rua, e se tiver sorte, contemplar algumas árvores e uma bela vista, ou apenas topar com uma parede escura. […] Escrever é transformar em palavras esse olhar para dentro, estudar o mundo para o qual a pessoa se transporta quando se recolhe em si mesma – com paciência, obstinação e alegria. […] ano após ano, sempre com paciência e esperança -, criamos novos mundos.” (p.12-14) Orphan Pamuk A maleta do meu pai
Escrever: uma obstinação desordenada. Indisciplinada pessoa eu sou, então, eu vou teclando, não sei se isso é escrever. Queria ser diferente, queria perseguir/seguir o foco, escrever de verdade. Não consigo, nem vou conseguir entregar ou colocar na maleta cadernos e tentativas. Nem levar os meus sonhos até eles, os meus filhos. Ficarão espalhados, ou perdidos. Achados (risos) entre as panelas coloridas, pesadas, lindas! Elas pintam/escrevem o fogão. Chaleira amarela /grande! Amarelo tão claro! tão claro! Agora apita! Pode ser bom! (risos) Céus! Poderia ter ser vermelha, porque comprei amarela ovo? Tão despropósito, vontade de tentar outra! Estas compras às cegas, dedilhadas, surpreendem. Não. Vou tentar misturar outras cores ao fogão e voltarei a brincar de cozinhar, limpar a casa e arrumar, fazer chá ou café, sopa de legumes, carnes especiais. Vou acertar. Que meu filho me descubra eficiente e talentosa quando vier me visitar, e, as filhas me achem quase perfeita, (risos), sem errar na escolha do aspirador. E juntos possamos Brindar! Venham os netos! Vou cozinhar para todos! (risos) Parece que aguento! Acho que vou reler Meu nome é vermelho de ORPHAN PAMUK Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres



“Impulso estranho
Olhei pela janela. O sol brilhava e os lojistas tinham saído para se aquecer na calçada e ver o movimento. Mas por que estavam cobrindo os ouvidos com as mãos? E por que os passantes corriam pela rua como se perseguidos por um espectro monstruoso? Logo tudo voltou ao normal: o incidente foi apenas um momento de loucura em que as pessoas não suportaram mais as frustrações de suas vidas e cederam a um impulso estranho.” (p.217) Lydia Daves Tipos de perturbações – Ficções – Editora Companhia das Letras,2013


Terminei o sexto volume de Karl Ove Knausgard – Minha Luta – Enveredei com entusiasmo nos livros deste autor, estive, certamente, na Noruega e na Suécia. E volto a série de Murakami, e aos livros de Orhan Pamuk – obstinada, li todos os traduzidos. Obstinada, abduzida. Hoje, esvaziada e triste com a despedida, e enfiada nas dores do dia (bom que o sol ilumina), resolvi retomar/agarrar o tempo e limpar as estantes. Ah! O cheiro do pó, a nostalgia dos livros lidos! E, paft! lá está Lydia Davis / uma primeira edição, intacto! Memória nenhuma, embora dentro encontre um marcador da Lattoog! Vasculho a data que teria comprado o livro: ano de 2013, julho, em Porto Alegre – no Moinhos.
Uma narrativa incrível! Claro! Tipos de Perturbação foi finalista do National Award em 2007 / a danada da exposição, do caminho ordenado, do encontro do livro com os leitores. Que prazer! Vou devagar! Tenho ainda o Paul Auster para terminar, e o Guimarães Rosa!, tenho que conseguir! Gostei de limpar os livros, reencontrar e reorganizar! Assim deixo o inverno caminhar devagar e vou a pensar primavera! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres
antes e depois, disposição, medida do prazer/satisfação, termômetro
cozinhar e / digamos, sentir a imposição, é péssimo. sem o envolvimento da emoção, mas empurrada por obrigação = castigo
refeição pressupõe comunhão
ilustração?! os horríveis bolinhos de arroz / quinta categoria! e os ingredientes? os mesmos de sempre, e assim mesmo faltou tudo… agora, preciso resolver o cheiro…, sim, tenho sensibilidade aguçada / excessiva para odores… ah! que desastre!
sou eu num dia errado / a balança! Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2022 – Torres
“Será mesmo? Por que não encarar a situação de forma prática? […] O coração não argumenta. É no cérebro que essas coisas acontecem. E se havia uma coisa que eu tinha aprendido sobre a vida era que o coração era tudo e o cérebro não era nada. Por isso tudo na vida era sempre doído pra caralho.” (p.953) Kar Ove Knausgard – O fim /volume 6 Minha Luta