Porque nos pensamos nos queremos: sem histórias ou amoras ou azuis. Sem plural no singular nós nos queremos. Hoje agora nos queremos. Tanto faz enamorado velho ou velho enamorado. Somos. Por favor, diz alguma coisa, não vai com a sombra, não liga para este jeito azedo desconfiado de ser eu. Não quero esperar. É urgente. Elizabeth M.B. Mattos abril de 2017 – Torres
Mês: abril 2017
Apaixonar desarruma
Colocar ordem no caos não sublinhar expressões amorosas. Abandonar este surto de paixão que domina, floresce, desarruma. Dependência um do outro. Planando no silêncio, fora da realidade. Há cada um seu pequeno/grande universo. Sem abismo, sem precipício. Sem voz. Não sou Não és. Quero ordem e silêncio.
E eu te abraço cansada, apaixonar desarruma … Elizabeth M.B. Mattos
Junto com o amor
Junto com o amor este enamoramento apressado urgente e cheio de agora de sempre. Perturba. O arrebatamento não tem idade. Enlouquece num quero não quero como se fosse possível manipular ou negociar. Fantasia/ ideia/ palavra do outro que fica nossa. Incerteza nossa que fica dele/dela. E eu te digo: não me esquece, fala, diz. Sonho que acorda. Despropósito. Anarquia. Loucura porque te quero perto.
E junto o destempero. Elizabeth M.B.Mattos
Lembrei de te dizer
Lembrei varias coisinhas pra te dizer antes de viajar. Acordei agora, estou querendo fechar as malas. Sigo estranhando este ir vir… Bom estar contigo! Ao chegar em casa o cheiro forte da limpeza com querosene, gimo cupim. Enfrentei. Dormi antes da noite chegar. Amiga, estou sufocada nos desinfetantes. Intoxicada. Sim, adorei o que mandaste: mel delícia, canela gosto. Estou ouvindo Stevie Wonder escrevendo cartas, melhor dizer postando emails e lembrando dos gloriosos trinta anos. Do Marco Frignani quando desembarcou com as cerejas de Modena. Do Rio de Janeiro. Boas lembranças. Aqui arrumo, arrumo e tudo segue lento. Confesso que a mala está por fazer. Não penso na viagem: limpo esfrego, dobro, estico, separo… Guardo tanta roupa para depois de emagrecer, ou caso engorde um pouco mais! E quanta tralha no fundo do armário. O marceneiro AINDA não colocou a porta. A Ana me fez um rocambole de/com goiabada divino, comi inteiro. Que gulosa! E fico pensando que é tão bom ser magra, elegante. Roupas bem frouxas, soltas no corpo. Detesto engordar, mas como gosto de comer! Dançar. Caminhar na beira da praia. E dormir. E também engordar comendo chocolate. Ler, não fazer nada e tudo impecável e perfumado. Que bom estar viva! Assim eu me sinto aqui. Se morássemos mais perto talvez estivéssemos tricotando. Estou com o cesto de lãs coloridas a transbordar. Beth Mattos, Torres.
Cordas do piano
Extenuada, cansada. Sensação de impotência. Gratidão porque escuto o céu e a noite. Desligo o mundo, logo amanhece. Tudo parecia / ia ser fácil. Fiz o meu melhor, penso. Preciso descansar. Como se faz para interromper inquietude/desencontro/aflição/ turbulência… Quero horas inteiras para a preguiça. Um não fazer nada com vagar. O lado suave organizado e manso da vida prometida. Que chegue depressa o aconchego do embalo. Há de ser sempre exigente apenas respirar? Hoje estou cansada. Ontem também estava. Quero de volta a energia vital. Quero de volta a menina encantada. Quero outra vez o quintal com jacarandás. Posso confidenciar, mas por favor, estou cansada, exausta, traga rosas do jardim, esquenta o leite, e preciso da coberta perfumada, outro travesseiro. Senta ao meu lado, diz que amanhã vai ser mais fácil. Deixa eu ficar quieta. Deixa eu chorar lágrimas. Lê o livro das AmorasAzuis desde o começo. Deixa o piano tocando… Pode ser Chopin Mozart Schumann se são cordas do piano, gosto. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2017 – Porto Alegre
Comer laranjas e ver televisão
Devagar, hora a hora, dia a dia, como se o tempo fosse um banho de acidez, vou vendo com mais nitidez o negativo da fotografia. Imagem-duplo: a memória-lembrança. Esgaçado sentimento da inércia. Perdas inseridas no limite do não aconteceu. Por que não disse isso, perguntei aquilo, não fiz assim…; miúda saudade de conversa pequena. Do cheiro, do sorriso, da fala. Saudade física. O corpo se ressente. Saudade fervente/estranha/ inquieta do agora do que não existe. Ávida presença-ausência porque sendo já não é mais. Lamento a perda neste beijo ansioso. O corpo fala, o discurso se contradiz. Tudo importa, mesmo o tempo que não teremos. Abraçar e me aquietar no teu abraço. Se existisse um sempre que este sempre fosse você. Quero mais amor raiva alegria frustração tristeza nostalgia, lágrimas. Vou quebrar este tudo. Esparramar terra no gramado, cavoucar canteiros. Pensar gerânios margaridas hortênsias. E sombra. Vou passar roupa, esvaziar armário, encher gavetas, limpar, polir, lustrar, fazer feijão, assar o peixe com manjericão. Cozinhar legumes comer laranjas. Ver televisão. E.M.B. Mattos – abril – 2017 – tuas margaridas do campo, crescidas!

Clarice Lispector para Fernando Sabino e XICO STOCKINGER e Beth Mattos
da correspondência ao trabalho…
Missivas atravessam o olhar, o tato, o olfato, o gosto mesmo quando o mundo todo é/seja apenas silêncio. Beth Mattos

“Tomo menos milk-shake e levo uma vida diária vazia e agitada. Passo o tempo todo pensando – não raciocinando, não meditando – mas pensando, pensando sem parar. E aprendendo, não sei o quê, mas aprendendo. E com a alma mais sossegada (não estou totalmente certa). Sempre quis ‘jogar alto’, mas parece que estou aprendendo que o jogo que o jogo alto está numa vida diária pequena, em que uma pessoa se arrisca muito mais profundamente, com ameaças maiores.Com tudo isso, parece que estou perdendo um sentimento de grandeza que não veio nunca de livros nem de influência de pessoas, uma coisa muito minha e que desde pequena deu a tudo, aos meus olhos, uma verdade que não vejo mais com tanta frequência. Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição séria para ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar.” (p.201) Correspondências, Clarice Lispector. Organização de Teresa Monteiro. Editora Rocco, 2002.

Xico, em pouco tempo conseguimos reunir o material para o corpo do livro. Realizar esse trabalho foi também provar das receitas culinárias, estar presente na intimidade da família, chegar perto. Agradeço a tua tenacidade, organização. Empenhados, ameaçados por computadores, limitados aos horários da rotina do trabalho, não desistimos. Neste momento quero agradecer aos amigos Flávio Tavares, Walter Galvani, Paulo Hecker Filho e Roberto Acízelo Quelha de Souza, importantes. (p. 103) Elizabeth Menna Barreto Mattos, no livro Xico Stockinger Memórias da Editora ARTES E OFÍCIOS Porto Alegre, RGSul, 2002.
Entre todos os gêneros a correspondência/ missivas me agrada pelo imediato, o desnudado, e assim mesmo mentiroso universo das palavras. O artista deforma ao informar. As pessoas pensam e fazem diferente do que pensam porque se dobram às exigências do outro, do entorno, da sobrevivência. Então tudo é sempre camuflado, mesmo sendo aberto. Irreal mesmo tangendo o real. E se nos jogamos de muito alto e de no muito fundo, não resistimos. Então! Cuidado! Assim mesmo tentamos este transloucado movimento de ir…, mesmo sem vontade ou querer. Quando penso no pequeno livro MEMÓRIAS do Xico Stockinger penso que os caminhos são perigosos. O maravilhoso no artista é o silêncio absoluto, tens razão, mas apenas este sentido lhe faltava … e tudo mais era mais. Quando escrevo, nada me assusta. Escrevo. Se respondes então posso gritar, dançar. Aqui está um pouco desta estreita fronteira entre poesia, ficção e realidade a que se refere Celso Aquino Marques. As histórias da feitura/ construção de um pequeno livro.” Elizabeth M.B. Mattos – 2017 – Torres

A lista
Também eu quero a lista. A lista dos livros essenciais. Também eu quero me aproximar deste alicerce que construíste. Também eu quero procurar. Se a casa da rua Vitor Hugo existir e se souberes o caminho… Ouvir o que tens a contar pode me ajudar a escutar o que tenho para me dizer. Eu preciso me apreender para te compreender.
O amor se espalha. Quando / quanto menos se espera volta como onda cheio de força. Esqueço idade, já nasci velha. Envelheço como menina ansiosa, barulhenta. Encantados. A vida leva a vida traz. Este mar somos nós, eu e tu. Estou a esperar a voz, o olhar: tua voz. Olha para mim. Elizabeth M.B. Mattos
Clareza sem proveito

[A doença do sr. Keuner]
“Por que está doente?”, perguntaram ao Sr. Keuner as pessoas. “Porque o Estado se acha em desordem“, respondeu ele. “Por isso também o meu modo de vida não está em ordem, e meus rins, meus músculos e meu coração ficam em desordem.Quando chego à cidade, tudo anda mais rápido ou mais lento do que eu. Falo apenas com quem está falando, escuto quando todos escutam. Todo o proveito que ganho do meu tempo vem da confusão; a clareza não traz proveito, a não ser que apenas um a possua.” Bertolt Brecht

Virando a página

Não sei medir o apressado da leitura nem o quanto posso ser lenta para terminar o/um/ ou dois livros… Ou uma página de amor apressado/ malvado. Intenso tempo despedaçado sofrido arrastado atropelado e encantado. Descabelado como gosto de usar, ou melhor, atabalhoado, real e fantasioso. Qual é a medida? Não sei.
Quem escreve só começa a respirar quando produz/escreve/ diz… Verdade parcial. Tem grito sobressalto gemido. Há tempo de divertir, tempo de arrumar, lavar. Tempo de doçura. Há tempo de fechar a porta. Tempo da preparação. Há o tempo sol/luz gloriosas janelas abertas. Tempo de não existir, desaparecer. Não falar, nem ouvir. Tempo de dar voltas e voltas pela lagoa. E aquele precioso tempo do vazio completo em que o tédio parece constituir o próprio tecido da vida. Mas é virando a página de cada história que respiro. Ficam os/as/ tantos /muitos personagens: mentiras verdades fatos sentimentos de raiva e amor. Eles aparecem desaparecem se estratificam… Como a página virada do livro. A página escrita de um Diário, o prazer de um sábado que termina e se atira no domingo manso da Páscoa. Penso que se atirar no mar, no rio, nadar é coisa boa. Elizabeth M. B. Mattos abril de 2017 – Torres
