verdade ou ilusão

Fui ver o mar.  Inquieto e barulhento. Aberto! Perfumado. Depois caminhei pela cidade sem mar.  Loucura desordenada de tempo sem tempo. Desconexo. Não compreendo as perguntas, a memória é um fiapo … tento lembrar se já foi assim antes.

A casa está em desordem,  a minha. Os objetos se movimentam pelo chão. As coisas saíram das caixas das gavetas e se movimentam, … inquietas como eu. O mundo de dentro no tapete. Oprime o desejo contido. Oprime  a preguiça a incapacidade ilusão frustrada e a idiota vaidade intacta. Egoismo opaca mediocridade. Quero o vagar do recomeço. Quero tocar no beijo silencioso.  Não há surpresa amorosa nas pessoas … as palavras voltam antes de chegar. Elizabeth M.B. Mattos – setembro 2017 –

ritual de medo

História pequena. Ritual de entrega e medo. A desordem interior projeta sombra corajosa, cinzenta, azul. Quando a brincadeira termina a idade o tempo a memória o instante aquela graça, o gesto… Voz e gesto desaparecem. Não sei o que quero. Medo de quebrar as coisas. Acho que vou voltar para a calçada e caminhar… Você mencionou outra vida… Não sou eu na outra vida, e esta vida, a de agora, está atrapalhada, difícil, estranha! Tão qualquer coisa que eu não sei… Acho que fomos desatentos, distraídos ao  nos vermos. Passamos um pelo outro, e não nos olhamos nos olhos.

Ah! você não sabe! Temos cada dia uma vida!

Maravilha pensar isso: uma das tuas vidas faz parte de uma das minhas vidas… E sinto vontade de chorar. Chorar lágrima mesmo. Lavar tudo tudo com muita lágrima dentro do teu abraço, e ser pequena, ser criança e aprender, apreender tudo outra vez, outra vez, de novo fazer as coisas com atenção e cuidado. Não quebrar nada, sem distração… Conta, explica, diz em qual das vidas estivemos juntos? Você duvida? Você conta das lágrimas, e me parte o coração…

Chorar é lavar a alma. Ah! Eu sei.

As coisas quebram, lascam, saem pedaços das coisas… Elas se estragam. não são para sempre, é verdade. Escondem um tempo de ser…, e naquele tempo, foram perfeitas. As pessoas também foram/são perfeitas e passam. Perdem pedaços, mudam e  ou se mutilam, ou são mutiladas. A terra, a terra se transforma. O que era mar vira terra e as árvores mudam de lugar. E o verde fica rocha. Muda. Estranho sentir assim tudo misturado. Oxalá tivéssemos mesmo muitas vidas!

Nós temos! Cada dia uma vida. Um dia é pequeno para este sentir. Ínfimo e lábil como você disse, eu traduzo: efêmero, escorrega facilmente, fugaz, transitório. Não quero um dia, não limite, mas o para sempre. Quero uma vida no quente do abraço do beijo da quietude cinza de um dia cinza e bem grande! Escondida nesse abraço. Elizabeth M.B. Mattos – Torres, setembro de 2017

abraco-modificado

… você precisa escutar

A imagem se move, … viva. Ousada.

Não quero que vá embora … fica! É bom e natural estar junto.

Outras vidas na sua vida, na minha vida! A cabeça um laboratório. Não dou conta do que sinto. Preciso da magia do anjo, do demônio, e preciso de nós dois.

Não tem cerca, nem rio, nada … uma planície.  Fica  comigo, segura minha mão. Não diz nada. Elizabeth. M.B. Mattos – Torres, setembro de 2017

 

Pierre Bonnard

não sou o que sou

O amor, se amor existe e há (e há na pessoa) se aproxima como furacão, como enchente, como catástrofe, e se descobre um eu escondido que salta … e obscurece qualquer razão. E se pode dizer com júbilo: “Estou louco de amor”. E.M.B.Mattos – setembro de 2017 –

” A casa renascia de nas cinzas e eu navegava no amor de  Delgadina com uma insanidade e uma felicidade que jamais conheci em minha vida anterior. Graças a ela enfrentei pela primeira vez meu ser natural enquanto transcorriam meus noventa anos. Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco.”(p.74) Gabriel García Márquez

Neste grande e pequeno livro o escritor colombiano entrega/ presenteia com uma narrativa única o / a (?)… Não tenho a palavra. Cento e vinte sete páginas. E me demoro na leitura. Não gosto do título por um cem número de motivos, mas, isso importa?  Memória de minhas putas tristes é  joia de literatura e vida: rejuvenesce. Um desafio. Elizabeth M. B. Mattos

bruxa e princesa

Aqui chove bastante, muito, gostoso, forte, ruidoso e fresco. Aquela coisa de aconchego, lembra o inverno. Ontem, nostálgica, ansiosa, desejei chuva como introspecção, e como bruxaria chuvão. Como princesa lamentei a falta de sol de ontem. Espiei a piscina, espiei o mar, e  constatei  ‘chuva prende mesmo em casa’! Às vezes estamos fora do lugar, inquietude sem explicação. E se ventasse agora? Ou fosse possível nevar…

Meu querido: Estou em casa te esperando. Que voltes logo!  E te penso: dias e noites  se remexem… Nada de novo sobre o céu. Política, sobressaltos, futebol, inflação, novo horário, e a rotina da vida no balneário. Estou me programando para passar uns dias m Porto Alegre, cinema. Ver uma amiga, duas, conversar com as irmãs e voltar logo. Escreve.

Se não entendeste nada, nem eu. Tanto quanto fiquei feliz ao te ver fiquei confusa como se fosse menina estranha, fora do lugar… Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2017 –

Le solitaire

“É para construir que demolimos”. Há que ter paciência! E aguentar firme… Roteiro estupendo, nem sempre encenado. O medo engole o desejo, também a vontade. Alimento um pedaço de mim mesma, belisco o desejo.

Ao mencionar D E S E JO e prazer, desorganizo minha cabeça. Há muitas, muitas, muitas pessoas que não querem, em absoluto, a explosão de desejos, nem mesmo aceitam que estes avassaladores e demolidores desejos possam existir em suas vidas, também quero ser uma pessoa assim… Bem traçadas vidas! Confortáveis! Ou talvez sintam, mas não forte o suficiente, ou nem tenham mesmo escabelados desejos…, como explica Ionesco. A cada um sua vontade… Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2021 – Torres

“Mais il y a une grande partie des gens qui ne veulent pas l ‘explosion de leurs désirs parce qu ‘ils ne s ‘avouent pas leurs désirs à eux-mêmes ou parce qu’ils  ne sont pas assez forts ou parce qu ‘ils  n’ont pas des désirs du tout.”(p.35)

“Il n’y a de faute à rien. Personne n ‘est coupable de rien.  Ou tut le monde est coupable de tout; ce qui revient au même. Mais combien sont faibles ceux qui se sentent  coupables tout en pensant qu íls ne le sont pas. Quelle rupture entre la raison et la déraison. Ce qui se sentent  et en même temps se croiet coupables n ‘ont  qu’à se rendre, se démettre. Plus rien ne les retient dans leur suicide. Tandis que moi, l ‘embrouillé …”(p.55)

Il y aura peut – être un matin de grâce pour l ‘humanité. Il y aura peut – être un matin de grâce pour moi. ( p.105)

 C ‘est pour construire que l ‘on démolit. (p.174)

IONESCO,  Le solitaire, roman  – Mercure de France – 1973

É verdade, estou arrumando as estantes, e as gavetas: preciso pensar em outras coisa que não seja o outro, nem no desejo pelo desejo, organizar minha vida.

Philip ROTH

Todas as coisas que me ocorreram dizer haveriam de lhe parecer banalidades insinceras. Pensei em repetir: a a gente aguenta tanta coisa. Pensei em dizer: neste país, quem pensa como você acaba fracassando nove entre dez vezes. Pensei em dizer: a coisa está ruim, mas pior foi acordar de manhã depois do dia em que bombardearam Pearl Harbor. A coisa está ruim, mas pior foi acordar de manhã depois do dia que mataram Kennedy. A coisa está ruim, mas pior foi acordar de manhã depois do dia que mataram Martin Luther King. A coisa está ruim, mas pior foi acordar de manhã depois do dia que mataram os estudantes na Kent State University. Pensei em dizer: todos nós já passamos por isso. Mas não disse nada. Ela não queria ouvir nada, na verdade. Queria um assassinato. Queria acordar de manhã depois do dia que matassem George Bush.“[…] (p.86)

“Embora fossem inteligentes, articulados e cheios de savoir- faire , e embora Jamie conhecesse a América dos republicanos ricos e o tipo de ignorância gerada no Texas, os dois não faziam ideia do que era a grande massa da população americana, e jamais tinham visto com tanta clareza que não eram pessoas instruídas como eles que determinariam o destino do país, e sim dezenas e milhões de cidadãos  muito diferentes deles, pessoas que eles não conheciam, as quais deram a Busch uma segunda oportunidade, como dissera Billy, de ‘destruir uma coisa maravilhosa’.” (p.87)

– viver sem se torturar por causa da burrice e corrupções  gerais – e procurar se realizar com seus livros, sua música, seu companheiro, seu jardim.”(p.87)

PHILIP ROYH – O fantasma sai de cena  – Companhia das Letras, São Paulo 2008

Do amor

Les chansons les plus courtes …

L ‘oiseau qui chante dans ma tête

Et me répète  que je t ‘aime

Et  me répète que tu m’aimes

l ‘oiseau aux fastidieux refrain

Je le tuerai demain matin.

Histoires poèmes de Jacques Prévert et André Verdet // Éditions du Pré aux Clercs

LUL e eu

 

Desistência do amor … uma volta de não quero mais … Enquanto se ama se espia. E a imagem volta, a ideia volta, teu sorriso volta … mas não me amas de amor. Não sabes, não sei.  … e o tempo não espera, já passou. E porque passou sinto a dor estranha de ausência. Saudade de mim mesma como te expliquei ontem … porque não somos … Elizabeth M. B. Mattos – 2017 –

19 de fevereiro – acordei muito cedo esta manhã, e, quando abri a janela, um sol pleno e redondo acabava de se levantar. Comecei a declamar os versos de Shakespeare:’Eis que a doce cotovia, farta de repouso …”e voltei de um salto para a cama. O salto fez -me tossir e cuspi – que gosto extraordinário! – sangue vivo. Desde então continuo a cuspir sangue cada vez que tusso. Ah, sim, confesso que tenho medo, mas apenas por duas razões: primeiro, porque não quero estar doente, seriamente doente, enquanto estiver longe de J. (é para ele meu primeiro pensamento); segundo, porque não me agrada pensar que isto pode ser uma verdadeira tuberculose – (quem sabe, talvez desate a galopar) – e a minha obra pode ficar por escrever. Eis o que importa. Como seria intolerável morrer deixando apenas”fragmentos”,  “esboços”, nada de verdadeiramente acabado. (p.97)

Diário Katherine  Mansfield / Coleção dirigida por Antônio Ferro

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Primeiro de setembro, – fiquei a ter sonhos tenebrosos. Na cama até quase nove horas da manhã. Este cinzento ventoso acabrunha, ou será setembro chegando? Resolvo que preciso, preciso, urgentemente acordar para mim mesma. Não posso ficar a picotar apenas espiando, espiando o que imagino ser o bom … É preciso reagir. Voltar para dentro de mim mesma e acreditar que eu ainda posso fazer, posso continuar, posso ser eu mesma tranquila, sem mendigar … Elizabeth M.B. Mattos – setembro de 2017 –