vontade amolecida

Repasso com pressa a vida esburacando a memória que se agarra na escorregadia seleção do possível. Esquece, nas lacunas, o fel, o veneno. Tenho raiva, até rancor, até vergonha de vontade amolecida, vergada. Por que não fui incisiva, objetiva e eu mesma? Sempre a fantasia carnavalesca da superação caridosa e florida. Sinto falta de casa. Tanta vontade de voltar! Até o Rio de Janeiro idealizo ensolarado e majestoso. Búzios inconsequente, francês lúdico, Petrópolis, agora, nas curvas de Paty do Alferes que, em absoluto, faço parte, eu me envolvo sem direitos. Pulo carnaval e perco a voz. Em Porto Alegre o bairro Petrópolis se alarga com barrancos vermelhos. Jacarandás, todos no meu quintal, e os cães me cercam. Correrias esquecem joelhos escalavrados. As bonecas desejadas saem das vitrines e se metem no meu armário. O quarto dividido com a tia, fica todo meu. Os livros são lidos. E Torres não mais apenas verão. Balsas viram pontes. Cabritos e cavalos, bailes e dança. Praia prazeres. Jogos. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2019- Torres

“15 de fevereiro –

Rompi finalmente o silêncio. Levou empo… Achas que te traí demorando-me a ler? Ah, precisas de ter um pouco de paciência! Hei de fazer progressos. Prometo tornar-me melhor, fazer tudo, tudo o que queríamos fazer. Meu amor, juro-te que não faltarei à minha promessa.” (p.77) Katherine Mansfield DIÁRIO – 1916

 

Buzius 1

Buzius 2EU ÓTIMA NUBLADA fevereiro

Coragem encabulada. Tempo jovem atropelado pelo hoje. Exibir e mostrar fragiliza, apequena. Hoje estou assim, exibida! Perdoa! Deveria apenas escrever, e as fotos seriam esquecidas porque se mostram sem voz, sem propósito, apenas vaidade,exposição jovem e tola. Somos esta soma. Beth Mattos, eu tentando texto, mas imagem.

Comentários:

Walmor Santos
10 de fevereiro às 12:56
Adorei. Somos hoje o melhor e o pior do que fomos. Agora, escolher qual parte ficar é de cada um. Parabéns por seres hoje e nos mostrar que devemos ser iguais a ti, cada vez mais plenos. Por isso, nossa conversa quando te visitei, ficou comigo mexendo com anseios guardados. Obrigado, amiga Elizabeth Menna Barreto Mattos

beijo fantasiado

Limpar, arrumar, lavar, ordenar para o próximo fazer: o mecanismo. Dores nas costas, o peso do corpo esquecidos.  A vaidade grita aflita: se acomoda aqui e ali. Converso com ela. Recuo. Reorganizo. Não posso ser o tal passado-passado nem o remoto nem o de ontem. Tenho que levantar este hoje-agora, tempo para enfiar/dirigir ao bom caminho. Engasgo nas leituras, nas conversas vagarosas, confidenciais. Não estou entendendo muito bem o porquê de dias lentos, pesados. O calor? Todos os verões sufocam, e os invernos levam o frio para se colar nos meus ossos. Antes eu não vestia casacos, eu corria no sol de meio dia.

Reencontros doloridos deste envelhecer: alegria, sonho bobo, fantasia de recomeço, figurinha colada no álbum errado. Eu sou o equívoco. Casada com meia dúzia de palavras, impressões, todas erradas. Sou apenas eu, a mesma solidão. Desencontrada, de conversa trancada. Esta estória de beijo perdido, achado, ou desejado não existe. Dois casamentos torcidos? Amores amados e findos. Já te expliquei/disse que não nasci presa, nasci livre. Nas histórias rupturas, ausências, carências e gozo, alegrias. Educação religiosa minuciosa. Igrejas e mosteiros, retiros silenciosos, fantasiosos. Caridade bordada. Alienação. Livros piedosos. Identificações perigosas. Dificuldade evidente com a verdade. Cruzada vagarosa, não termina. Ah! Que vontade tenho de sentar mansa no estofado perfumado (detesto o cheiro do sol grudado nos tecidos) com lavanda. Nas mãos o gosto da missão cumprida, realizada. Sem fazer/ ou correr atrás. Ah! Se o silencio fosse veloz! Vozes murmurassem: não te apresses. Vida para viver, boas novelas,  filmes no cinema, caminhar pelas praças, olhar vitrines, vestir a moda. Cabelos curtos, pintar os olhos envolvida no bom perfume. Cruzar as pernas com elegância estudada. Usar saias coloridas, vestidos bem talhados. E a janela? Aberta para o gramado e o canteiro farto de margaridas e roseiras perfumadas. Jasmineiro trançado nas grades daquela cerca. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2019 – Torres

otima! com a mala

mais do que lágrimas

Dor, dor e tristeza! Chuva fortíssima. O mar  grita. E se rompem estruturas. Morros descem desesperados. É o soluço do Rio de Janeiro! Incondicional amor. Filhos cariocas: meus vinte, meus trinta anos. Eu toda presa em Botafogo! O mais lindo hotel do mundo, o Sheraton, com sua praia particular! Petrópolis. Serra. Lagoa, Ipanema, Leblon, Jacarepaguá, Flamengo. Volto sempre, voltarei, e voltarei. O essencial, carioca. Como posso abandonar tudo?! Considero! Como se o mar…,  ah! O mar. Cheiro, luz! Amo o Rio de Janeiro, e/mas, eu me debruço em Belo Horizonte. Ganhei um punhado de terra mineira. Outro mar, outro tempo. Dividida. Que não aconteça nada pior nesta chuva torrencial! Sou brasileira. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2019 de Torres.

envergonhada

Dançar. Embalar o corpo. Alegria a transbordar. Onda, mar. Redesenho sensações. Intensas. Nome, cheiro e vontade se misturam. Danço no volume possível as canções: atordoada juventude.  A FUGITIVA de Marcel Proust aparece exibida, nas páginas uma carta perdida cheia de voltas, certeira. Sou eu. Voltas, fugas, amor de te amar! Caminho e, depois, recuo. Posso definir? Somos passagem? Aperta o nó. Estranhamento ou loucura? Certo bom perfeito adolescer… -, no envelhecer, no perdido ou no achado, brindar! Nada fácil o amor: a pessoa ama o amor do outro no amor do que nomina amor. Sem medida: ciúme e amor feito onda que leva/carrega ao fundo, e me despedaça na areia. Sem roupa, envergonhada, estupefata. Sou perdoado pelo recuo, avanço, surpreendo, desespero no amor desta saudade. A surpresa me surpreende. Elizabeth M.B. Mattos

E, talvez, uma das causas de nossas perpétuas decepções amorosas esteja nesses perpétuos desvios que fazem com que, à espera de ser ideal a quem amamos, cada encontro nos traga uma pessoa de carne e osso que já contém tão pouco de nosso sonho. […] E, todavia, ‘amor’, ‘ser amado’, suas cartas, são talvez, em resumo, traduções – por mais insatisfatório que seja passar de uma para outra – da mesma realidade, pois esta carta só nos parece insuficiente quando a lemos, mas nos faz suar frio enquanto não chega, e basta para acalmar a nossa angústia, quando não para saciar, com seus sinaizinhos negros, o nosso desejo, que percebe só existir ali, apesar de tudo, a equivalência de uma palavra, um sorriso, de um beijo, e não essas própria coisas. De resto, cada vez que relia essa carta, achava – a diferente. Lembrando o quanto ela me fora enganosa, palavras encantadoras ali me feriam, e só agora o percebia. E dessa última leitura, a lembrança presunçosa que eu guardava desaparecia quando a lia outra vez. Assim todas as coisas se mantêm distintamente, conforme as ilumine a aurora, ou a chama da lareira, ou o abajur violeta da tempestade, ou o inumerável cristal embaciado do aguaceiro. ” (p.51) Marcel Proust Albertina Desaparecida a versão de A Fugitiva alterada pelo próprio Proust – inédita até 1986

pode ser diferente

Guerra evidente. Leitura: o sentido pode ser outro. Compreender é teórico, escrever um vício como citar e sublinhar. Conversar, monólogo. Enquanto ouço o som pausado da tua voz escuto o piano, a tua queixa, sinto a respiração do tempo. Construo a resposta, um templo, o nosso. Sem palavra, nem livros, nem escritos, tu e eu nos braços um do outro. Escondidos, expostos. Caio no precipício. Um presente? Uma oferenda? Que seja o possível, não o excesso. Olhar…  Olhe. Não sei se o dinheiro faz a diferença, o poder, tenho certeza. Onde quem tem poder? Nós dois temos. Filhos fazem malas, netos caminham, irmãos se aquietam, tios desaparecem, sobrinhos se estranham, família se renova. Energia desaparece. Não deveria/ poderia ficar velha antes de te encontrar, nem tu. Estamos/sejamos/podemos.

Este calor anuncia um gélido e longo inverno. Quero ir ao teu encontro, então o silêncio. Também em Torres faz calor. Faz bastante calor. Tempo de esquecer, insignificante. Tudo agora, este/neste minuto de aspirar, lavar, secar, resolver, abrir a geladeira e beber água, passar o café, pegar a maçã, comer uma fatia de mamão, escolher as uvas. Ter saudade de pai e de mãe. Energia de recomeçar, reorganizar, dizer e olhar. Depois exaustão. Nada do que se pode fazer ou dizer importa.  Fico a desejar desfazer – me de todos os excessos. Dois pratos, três copos, dois jogos de lençóis, três travesseiros. Dez livros. Duas toalhas de banho, um rádio, oitenta memórias, dois vestidos, duas gavetas, uma coberta de penas, uma janela, dois degraus, um cálice de vinho, uma saudade, nenhuma lembrança, nenhum excesso, um abraço. Odeio somas, subtrações necessárias. Divisões. Multiplicações? Um sorriso. Poucas palavras.   E N S A I A N D O / indo e voltando rasurando. Encontro pedaços aqui e ali. Urgência esperta de agarrar/pegar/ possuir. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2019 – Torres

Eu foto de fevereiro de 2019

chão batido

Claudio e Valentina pintando 2019

…, sigo. Eu te procuro. Ansiosa e zelosa. Na rodoviária peço café, água e espero. Encontro sem lugar nem hora marcada.  Atrasados. Adiantados. Olho para os lados. O acaso. Quero dizer o que não te disse ontem. Quero te ver e te encontrar mais uma vez… Que importa tempo, anos, passado. Somos hoje. Nem o que falta, muito menos, abundância. Somos o mato e o mar. Rota/rumo. Supero o corcoveado da estrada de chão batido. Vives como vivo, no desejo. No teu bolso, na camisa puída, no teu orgulho, eu estou. Acompanho os jogos, lês todos os livros. Estás em mim. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2019 – Torres

 

um texto no AMORAS: quero mais

“Quero mais
Depois de entediá-la com minhas divagações filosóficas, era necessário um tempo de descanso. Aí encontro seu belo texto no Amoras e compreendo tantas coisas. Difícil conciliar a mente com o olhar. São como paralelas que não se perdem nem se encontram. Transitas entre o olhar e o coração, enquanto minha mente tenta controlar os dois.
Talvez no desespero da síntese me perca na busca da ilusão do sentido. Aí vou eu novamente por esses tortuosos caminhos. Estivéssemos perto, poderias me dar umas sacudidas se o desprezo não anulasse sua ira santa. Enquanto isso, perco a possibilidade de vivenciar um dia nublado com sua beleza e sua tristeza e acabo pensando como a solidão povoada não serve nem mesmo para produzir desencontros.” G.L.

Henry de Montherlant

Ou nous sommes ce que nous sommes, ou nous sommes ce que nous avons voulu être.

“Ou somos o que somos, ou somos o que quisermos ser” -, ou quisemos ser, ou melhor, isso não quer dizer nada, ou sou eu que estou desanimada? Ser eu, ou ser o que desejo ser? Para chegar ao ponto preciso me conhecer. Será que a questão fundamental é descobrir quem sou? Será que posso viver e morrer sem saber? Ou represento, indefinidamente, o que desejaria ser? Tempos complicados! Na rede, no palco, visível, atrás de aplauso abraço ou carinho, ou palavra. Tão difícil!

“Les hommes respectent trop la mort, pour le peu qu’ils respectent la vie.”

“Os homens respeitam demais a morte pelo pouco que respeitam a vida. ” Confesso: sou apaixonada, tomada/possuída pelo desejo de vida. E não entendo nada de morte, ou não quero entender. Tenho consciência que pode ser amanhã. Não tem data certa, mas prazo, limite. Estando na vida sou eterna hoje. E o que diz Montherlant oscila, mas ADVERTE.

Le bouddhisme dit que la vertu qui a conscience d’ elle-même n’ est plus vertu. Je dis que la vertu qui n’a pas conscience d’elle-même est une vertu imparfaite, comme est imparfait tout ce qui manque de lucidité.”

O budismo diz que a virtude consciente deixa de ser virtude. Eu digo que a virtude que não é consciente dela-mesma como virtude, é imperfeita. Como é imperfeito tudo que não tem lucidez. ” Eu me inclino. Penso: a lucidez é o molde para ser eu mesma, mas o excesso transborda e mistura tudo. Num repente a percepção é maior e o cotidiano, respirar é menor. Fico abafada na consciência, assumo mais do que posso carregar. Penhascos altos demais, escarpas perigosas, mar aberto, nenhuma prudência. Então,então…, sem palavras.

Henry de Montherlant  Va jouer evec cette poussière CARNETS 1958-1964 – todas as citações.

Leituras se misturam abusivas dentro de mim, tenho necessidade premente/urgente de abrir novo livro/ velho livro. Sair de um texto entrar noutro como se fosse passeio, viagem entre leituras. Espiar outro mundo, sentir outra coisa, ver/enxergar caminhar noutro gramado. O U T R O! Eu que não viajo, de repente, entendo o prazer, para mim desmedido das pessoas a conferir novos lugares. Ter experiências visuais, emotivas, sensitivas ao chegar noutro país. Provar pedacinhos de lugares desconhecidos. Descobrir o OUTRO. Acho que sou igual, apenas, troco de livro. E quando termino a leitura eu me sinto preenchida, mas subitamente esvaziada também. Voltei para casa. E nem sempre a casa é o lugar que quero estar / voltar. Quero esvoaçar, revisitar… Estranhos sentimentos! Eu me sinto abandonada quando termino o livro. O sentimento de abandono é trágico. Só o abraço resolve. Elizabeth M.B.Mattos – fevereiro de 2019

desbordadamente

“Teria profundamente sentido que a inspiração do marido vinha de um âmago amargo, perdido em dúvidas, solitário, presa de sentimentos angustiantes […].” (p.151)

espiando eu

Amava-me desbordadamente, sem medida.” (p. 175) F.C. de Garcia  O Ritual dos Pastores

Sentimento se cristaliza. Parágrafo tenho nas mãos, toco e apalpo,estupefata.  Coloco sobre a mesa ao meu lado, não posso carregar sozinha. E.M.B.Mattos

pobre alfaiate

Você esqueceu que não passa do filho de um pobre alfaiante? Por que você quer casar com uma princesa? Você acha que o  sultão dará sua filha em casamento a um príncipe da sua condição? Você não conhece o ditado ‘ não há homem mais tolo do que aquele que não conhece seu lugar?’Você sabe que o meu maior desejo é ver você casado um dia e me alegrar com a sua felicidade”(p.55) Recontado por Thierry Aprile Nos Passsos de Aladim

O mais importa, o maior empecilho, a dificuldade externa ao sentimento se coloca como absoluta e decisivo: não podemos nos amar. Ser ou não feliz, um detalhe. O defeito está num ou noutro, a nos dois juntos? O outro. O decisivo na vontade estável. Estas convenções que a vida impõe se desfazem de estado em estado, de pretensão em pretensão. Ou as barreiras são humanas, ou os muros intransponíveis.

“Minha avó era ao mesmo tempo enérgica e sensível, heroica e doce, carinhosa e autoritária. Sabia  era desdobrar-se, vestir seus sentimentos de mulher ou envergar suas emoções masculinas de acordo com as circunstâncias, como conviesse.”(p.150) F.C. de Garcia O Ritual dos Pastores

Leio lenta e demorada. Volto e eu me inquieto. Não era assim. No momento paraliso e entro/mergulho/tomo nas mãos o tema, vasculho, assumo e tomo como pessoal. Difícil. Talvez vício de quem se entrega desdobra o sentimento/ o tema/ e vive o livro: posse. Tudo que no livro acontece, acontece dentro de mim. Reluto. A coragem do escritor me faz questionar a minha covardia, espicaço. E se eu não conseguir terminar… Misturo leituras e fico exausta. Beth Mattos – fevereiro de 2019

2019-02-02dois no tepete

Quero amor, fuga: tua voz, tua incerteza, quero o que já me pertence em ti. E sabes por que? És meu. Quando me devolveste o passado numa narrativa tão tua, te entregaste. Hás de me dar a resposta logo, logo. E seremos tu e eu no passado/ no agora que não vivemos, mas desejamos.