MISHIMA : visão do vazio

Enquanto envelheço devagar e quieta Devagar e quieto passa o dia. E eu vou a me despedir da leitura, do filho, do tempo, do dia.  A leitura na conversa. O Real na ficção. 

“As únicas palavras comoventes foram pronunciadas pela mãe, quando ela acolhe os visitantes que vieram prestar suas homenagens. ‘ Não lamentem por ele. Pela primeira vez na sua vida, ele fez o que desejava fazer.’ Ela exagerava sem dúvida, mas o próprio Mishima escrevera em julho de 1969: ‘ Quando revivo no pensamento os últimos 25 anos, seu vazio me enche de espanto. Mal posso dizer ter vivido.’  Mesmo na vida mais deslumbrante e mais satisfeita, aquilo que se quer realmente fazer quase nunca é realizado, e das profundezas das alturas do Vazio, aquilo que foi, e aquilo que não foi, parecem igualmente miragens ou sonhos.” (p.125) Marguerite Yourcenar,  Mishima ou A visão do Vazio. A alma se rasga… “Morra em pensamento a cada manhã, e não mais temerás a morte.” Hagakure, tratado japonês do século XVIII.

Algumas pessoas ficam/estão/retornam porque as trago de volta. E outras seguem / desaparecem porque não penso mais nelas. Mágica de ir e vir… Eu gosto. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – Torres

Duva Tavares:  “Tua sensibilidade, teu ‘diário’ e teu sorriso cativam. Bom te conhecer! São entrecortados, às vezes, parecem soluços, uma toada tricotada, rendada, pontilhado, parece bilro.”Um alento, e um sorriso. Presente de Natal. Obrigada Duva.

 

fúria do amor

Não há como se defender dele, quando chega, toma a casa; a amada para o amado e esse para ela são o Deus verdadeiro” Paulo Hecker Filho afirma, apresentação  de  A Celestina de  Fernando de Rojas […] ” E o amor só quer o amor; recusa não se completar sexualmente. […] a obra é uma reprimenda aos enamorados, embora toda ela diga sim ao amor. E o ao amor que existe, não o que se sonha, o amor falível, na dependência de mentiras, situação social, dinheiro, ameaçado pelo acasos e os riscos de estar vivo.”

Despedida completa: da fantasia para a vida real. Vez que outra me reconheço num olhar, e ali mora o perigo, ou a vida. Também nas palavras e no gesto. E volto ao Francisco Brennand e seu derradeiro esforço de fechar o círculo com o Diário – O Nome do Livro. Deixa um rastro de aprendizado/esforço e genialidade. E claro, se espicaça em relações e em citações: “O certo é que a carne é um luxo, inspirando cobiças ameaçadoras, daí porque é tão difícil abordar esse tema com sucesso, pois a maior parte das vezes acabamos dominados pelo convencional por medo do abismo. […] Uma vez mais me desligo e volto atrás. A retratação é a seguinte: não é absolutamente verdadeiro que as leituras de juventude sejam mais completas e eficientes do que aquelas realizadas na maturidade ou mesmo na velhice. Espero muito em breve abordar o assunto com mais precisão.  Tanto como eu, o pobre conde Tolstói esteve envolvido  numa luta sem fim com as mulheres: ‘Nenhuma bulha, mas tudo é anormal e angustioso. Sem calma’.” (p.280)

Amanhece. Preciso voltar a dormir. Os passarinhos acordaram. O cinzento da manhã se veste de branco, deve ser o esforço de purificação. O dia se acorda e o laborioso se inflama: tanto a ser feito! Não terminei de dobrar as roupas, nem de levar a louça, nem terminei a leitura. Camille Claudel grita e desespera na liberdade de amar Rodin. Carta de Camille: “…é realmente forte demais!… E me condenar a prisão perpétua para que eu não reclame! 

Tudo isso no fundo sai do cérebro de Rodin. Ele só tinha uma ideia, a de que ele morrendo eu tomasse impulso como artista e me tornasse maior do que ele: ele precisava manter – me em suas garras depois de morto, como em vida. Era preciso que eu fosse infeliz com ele morto como o fui com ele vivo. Ele venceu em tudo, ponto por ponto, pois, quanto a ser infeliz, de fato o sou!… Eu me aborreço muito com esta…escravidão..” (Carta do Asilo, p. 317) Anne Delbée Camille Cladel, uma mulher

 

 

fantasma amoroso

Perseguida pelo amor impossível. A impossibilidade enriquece a sombra das tuas palavras atropeladas, confidenciais e definitivas. Constatação estúpida, mas real. Quero o que não posso ter. Sublinho o impossível com ternura. Humanidade imperfeita do desejo ardido. Vejo teu rosto de antes, saído do sol para sombra. Envelhecer guarda o passado precioso onde o tempo se esgota na espera do que não irá acontecer… Não nesta vida. Coloco tua foto de menino ao lado da tua foto de homem. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – Torres

” – Vim aqui, sessenta anos atrás.

A memória é um espelho de fantasmas. Ela mostra às vezes objetos distantes demais para serem vistos, e às vezes os faz surgirem bem perto.

– …Mas, se não existiu Kiyoaki, então, não existiu Isao. Nem Ying Chan. E, quem sabe? Talvez eu mesmo não tenha existido.

– Cada um de nós deve decidir sobre isso segundo seu coração – diz  a abadessa.” Yukio Mishima Mar da Fertilidade – volume IV

passo

Caminho a passos lentos, agito coração no balanço do Natal! Pensamento em guirlanda! Sinto tua falta física, e me inclino… Volto ao tempo do amor ausência. Te cuida! E volta! Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – Torres

2019-11-24 08.31.08

“Em todo caso, o recuo ou o temor precede o abandono desordenado ou a disciplina exacerbada, que são a mesma coisa.” (p.15)

Marguerite Youcenar Mishima ou A visão do Vazio

Ouve – me

Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo nunca é o que te falo, e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão.” (p.14) Clarice Lispector  Água Viva 

Ela escreveu arrastando/rasgando o coração. Leitura incompleta e inquietante, não definida porque não termina… Clarice no poder de espicaçar e pisotear acerta o prazer. Constrói outro mundo, pinta e entrega o segredo de desvendar. E sempre será o mistério repartido. Tantas fracções! E todas interligadas. Beth Mattos – dezembro de 2019 – Torres

pesado

O verão não começou. As decisões estão no ar…, e as conclusões, apenas, espiam inseguras como se tudo, absolutamente tudo, dependesse do teu/meu olhar e sentimento, dependesse do verão. Acordo do sono, e dos sonho  estonteado: tantas cerejeiras em flor, videiras de magnólias e dálias. O verão com poderes de sanear qualquer frustração, aliviar qualquer mágoa e restaurar a felicidade perdida. Elizabeth M. B. Mattos – dezembro de 2019 – Torres2019-12-06 13.06.58

escancarado

Não consigo. Ando meio, muito, bastante enredada num jeito devagar e atrapalhado de levar o dia. Falta energia. Falta e falta um pedaço do puzzle que se atrapalha em tanto verde, nesta passarinhada que acorda, neste sol de tão cedo! E tanta noite resmungando sono picado! Estou a ler devagar, tão devagar que releio e volto.

O caminho que estamos tomando não é uma estrada. Kiyo; é um porto, e acaba em algum lugar onde inicia o mar. Não há nada a fazer.” (p.247) Yukio Mishima Neve de Primavera

Nada a fazer esbarra com desordem e com a necessidade de tanto fazer interrompido. Não faço. Deve ser a ponte…

Já foi dito, em tantas coloridas e certeiras palavras. Voa certeza, e pendurada no galho da buganvília, soa:

Todas as noites quando vou dormir penso: vai terminar amanhã, algo de irrevogável vai acontecer amanhã; então, por estranho que pareça, adormeço calmamente. Exatamente o que estamos fazendo agora – alguma coisa que não poderá ser desfeita.” (p.247)

A pensar e  a repensar e voltar.

A consciência de cada homem é limitada ao seu passado, seu presente ou seu futuro numa única vida. No meio do torvelinho da História cada um de nós constrói seu abrigo de autoconsciência do qual não pode sair.”(p.223)

Assim eu consigo entender um pouco, um pedacinho de como tudo aconteceu e entender da inconsciência de ter vinte anos, e do rumo faceiro, talvez corajoso de vida enroscada, e lambuzada de esperança. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2019 – Torres no seu segundo dia de um verão escancarado.2019-12-08 16.29.06

Flores para esperar o filho. Que venha apressado, mas venha para o abraço! Tão bom!

Vivendo (…) MARINA TSVETÁIEVA

2019-12-08 16.26.10

“Ouça, meu amor é leve. Não será doloroso nem incômodo para você. Entrego – me totalmente àquilo que amo. Amo com a mesma intensidade – profundamente – a bétula, a tarde, a música, Serioja e você. Eu reconheço o amor pela tristeza incurável, pelo ‘ah!’ que corta sua respiração. Para mim você é um rapaz encantador, de quem – ainda que me digam – não sei nada, a não ser que o amo.” (p.125)  Marina Tsvetáieva  VIVENDO sob o FOGO

Loucura caminha  na dor e na ausência da dor. A tonteira aperta o sentir, e depois esqueço o tamanho do sentimento… Eu me deixei arrebatar, tens razão: foi a tua pressa de tudo dizer, tudo sentir, atabalhoadamente, aturdido, também tu. Assim mesmo registro no livro que leio, na tarde, insisto em te dizer: te amo,  eu te amei.  No ardido dos olhos, no excesso e na carência, neste medo que eu sinto da morte apressada. Eu quero olhar no teu olhar a brejeirice e derramar na tua voz apressada a resposta gaguejante , urgente que guardei para te dizer e não disse. É verdade. Eu me assustei. A cada mensagem eu recuava. Recuar faz parte da guerra, da loucura consciente  ou inconsciente de amar o amor. Recuamos para vencer! Quero que me perdoes. Não pelo que não aconteceu, não temos culpa da distância, mas do meu silêncio no teu grito. Tenho culpa, deveria ter te escrito logo: amo, eu me apaixonei na ausência, a voz que desconheço. Gosto de toda a aquela loucura perfeita das tuas palavras. De todo sonho, de toda a história derramada naqueles idos tempos cariocas que tão perto, não nos vimos. Eu nada sabia/entendia  de viver, e antes, quando nos cruzávamos pelo/no verão, uma vez, uma vez deverias ter ousado… Não me perdoo. Mas, ao te escrever, sinto que também não te perdoo. E não precisaria ter sido para sempre. Podia ter apenas ter sido… Tua história, minha história: um nosso tempo! Nossas mãos! Elizabeth M.B.Mattos dezembro de 2019 – ainda Torres. Sempre teríamos o verão nas nossas mãos…

Estou plenamente convencida de que se um homem conseguir me conhecer inteiramente vai me amar mais do que a qualquer outra […]” (p.124)