digo amor digo tempo digo saudade e abandono, e choro e aquieto, nem penso, fica lágrima com lágrima

Diz pra mim.

por Deivid Lima Pereira

Diz pra mim
Que não é verdade
A atrocidade
Que lá fora está

Fácil é apagar
O giz no quadro negro
Abre a janela
Deixa o ar entrar

Faça melhor do que eu já fiz
Faça melhor sem se exibir

O mundo dá voltas
Destino agridoce
Letras sem inspirações
Apenas estrofes tolas

Já a perdi por várias vezes
Em minha mente confesso
Que já não sei quem tu és
Na vaga percepção eu a abandono.

invisível

Se eu pudesse dizer ou estar,

Não existe um jeito/modo/caminho para esclarecer, apenas equívocos e sustos

O invisível me parece a condição única da possível elegância / e, importa?

Os balões estão se preparam para subir,

As pessoas se atiram nas estradas, velozes, ninguém quer perder o tempo de um feriado;

 

Lá chegam os dois num compasso lento aquecidos pelo sábado ensolarado:

O ritmo do oitavo andar surpreende

O tempo se esfumaça e as explicações se penduram na janela ou sacodem na varal da varanda,

e tudo / ou  nada parece alterar o dito/chamado normal.

Hoje a feira livre enfeitou a calçada,

muitos cães com fitas ao pescoço.

Deve existir nome para a raiva amontoada colorida, mutante e descritiva. E.M.B.Mattos

Gustave Flaubert

8  de fevereiro de 1852

[…] Eu estou em outro mundo agora, o da observação atenta dos detalhes mais miúdos. Eu tenho os olhos nos musgos dos mofos da alma. Está muito longe das flamas mitológicas e teológicas de Santo Agostinho.

Gustave Flaubert Cartas Exemplares – Organização, prefácio e notas de Duda Machado. Coleção Lazuli – Imago

escorregando…

Eu tinha um estoque de alegria, então eu resolvia uma coisa e depois outra, ia até o supermercado e comprava uma coca-cola, o pão, o necessário. Queijo, e também um vinho (parece a coisa certa a ser feita) para almoço festivo. O meu festivo chega com as flores da feira livre, com as caminhadas matutinas, ou com o perfume da comida, uma carta atravessando o tempo…Verdade, as cartas chegavam, as conversas se faziam e a tal alegria se acomodava por perto. Eu tinha um estoque, não tenho mais. Terminou. Estou agarrada na última porção de alegria. E apavorada, assustada com a finitude. O que vai acontecer amanhã quando o sono não me visitar, e as vozes acalmadas  silenciarem… Sim, este danado desconhecido me assusta. E os livros já se escondem, as músicas sairam de perto, e o gosto da risada desapareceu. Ainda lavo as roupa, passo os lençóis, limpo aqui e ali, e  assim mesmo,  quanta poeira! Abro as janelas, entra o sol, quanto sol! Quanto calor! Eu quero o muito, o tanto, o pouco, o excesso. Estou descontente. Estou atacada de uma tristeza irritada. E tudo o que for dito, ou aplacado, ou explicado vira monstro e desencontro. E as pessoas me parecem estranhas, radicais, agressivas, perdidas ou achadas, estranhas. E sou eu que estou assim azeda, me perdoa Fernando. Fizeste o tudo e eu sigo azeda.  Perdoa Pedro, Ana e Luiza, explicam e aplacam, e eu vocifero. A Joana transborda porque nela o contente tem fonte, tem caminho certo. No mais estou mesmo azeda, azeda e esquisita. Não me digam que isso está certo ou aquilo errado, não consigo pensar. Ou que o caminho seria este ou deve ser aquele. Claro! Teremos em outubro eleições e depois outras eleições e depois outras escolhas, e depois vai ficar igual como sempre foi, ou diferente. Agora, Deus Meu! Não consigo entender nada. Qual era mesmo o bom filme? Cinemas nem pensar! Tudo na caixa dita televisão. O que era tão manso ficou feroz e violento. É porque envelheço, o certo é porque envelheço e não tenho vontade de inventar, nem de fazer, nem de compreender, nem de esquecer. Enlouqueço. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2020 – Torres

P.S.

Luiza Silla pensei em rasgar tudo por dentro, e dizer como sinto, sem pejo sem censura para medirmos as duas as minhas loucuras. E depois, já recolho, sinto outro medo, melhor silenciar, e tua carta não chegou, teu mundo não veio. Bebi o vinho sozinha, e os camarões estavam fantásticos, e a quarentena não ajuda nada, e as pessoas morrem, não sei se me consolo. As pessoas estão desaparecendo. Descobre o que aconteceu com o Tavares. Dá o recado que gosto dele e que se cuida. Fala com ele. Para que serve a rede? Ana Maria comprou uma máscara para que eu possas sair, então vou até a esquina, estupida e vazia esquina, estupida e vazia pessoa. Nada para dizer / acrescentar / Vamos contar imaginar uma história, Vamos publicar minha amiga, Ufa! Hoje o dia terminou. Espero tua carta, teu estoque de alegria. Chega e rápido, minha amiga,

…amanhã

…amanhã, eu te digo, explico que “Não é preciso sonhar muito – sonhar tomando consciência de que a vida é um sonho, de que aquilo que sonhamos para além do que já vivemos é verdadeiro, está vivo, está aí, presente com toda verdade diante de nossos olhos. […]A h, que me importa a história já que o passado é presente, já que um passado que não é o meu acaba de se enraizar em minha alma e me proporcionar sonhos sem fim!” Gaston Bachelar O Direito de Sonhar

amanhã quero falar contigo, vou tentar o telefone / vou mandar sinais de fumaça, amanhã vou me fazer entender, vou pegar um ônibus, depois caminhar na estrada, depois sentar em baixo da árvore para descansar, quero que os pés doam, quero estar exausta, quero sofrer, e quero passar, quero justificar teu cuidado, tua preocupação. Caminhai muito, caminhei muito para chegar aonde estás. Beth Mattos – abril de 2020 – Torres

abstrações

Viver abstrações, que mobilidade! Todos os pensamentos, os graves e os sutis, os apaixonados e os frios, os racionais e os imaginários, fariam parte dessa partida meditada.

Viver abstrações seria fugir/escapar desta específica loucura. Sempre, como necessidade absoluta, escolher entre direita e esquerda, rosas ou cravos, desertar ou ir para a morte, estourar ou minguar até chegar ao nada… Mobilidade seria o balanço? O exercício se alimenta da oscilação doente? Não pensar, mas fazer acontecer a guerra. Não estamos com a doença, o vírus grita escandaloso, assusta. E tudo acontece preso/amarrado na oportunidade de gritar contra, exterminar, destruir, não fazer junto, não ir, mas… E já estou na política, no movimento louco. Ninguém se opõe ao fantasma, todos sacodem o monstro. Fomos tão longe nestes anos enfiados que amordaçar se segue ao crucificar, eleger se tornou uma palavra a ser corrompida. Neste país…, em cada país o seu tempo de sangrar. Não posso escrever. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2020

O que antecedeu a epidemia, a raiva verdejando, e estou estupefata, e desanimo. Tantas pedras!

De repente perguntaríamos: onde estou, eu que sou? Em que espaço imaginário meus laços me prenderam? […] O redobramento do pensamento é automaticamente um desdobramento do ser. A consciência de estar só é sempre, na penumbra, a nostalgia de ser dois.” (p.191) Gaston Bachelard  O Direito de Sonharacuso 2

o tempo todo aqui comigo, ficou preso

13 de abril 2020 tão esquisito, tão improvável. Tão pouco lógico. Quero/queria entender e torcer, e reviver claro, isso/essa certeza boa de “amar de qualquer jeito e sempre” está ligado/amarado no teu prazer da vida a sobrevivência ao encantamento de plantar…, ao afofar a terra regar jogar sementes, fazer nascer. E ver brotar transbordar nascer. O cuidado mínimo das floreiras, das hortas e dos gramados neste capinar arrancar urtigas e inços. Aquele labor vigoroso do jardineiro e da infância agitada e ou regada com tanta alegria de abraço e de beijo, empurrões e noites quentes! O que faz brotar amor de uma palavra fantasiada de olhares! A timidez costurada na lógica de conversar, conversar. Foi o entusiasmo de brigar por amor maduro que te desviou do ermitão e acordou aquele homem das conquistas, das histórias velhas e todas novas de garotão. Floresceu de um jardim de cinzas. Eu adorei ouvir aquilo tudo e fiquei a vasculhar no reprimido passado as minhas ousadias que queriam saltar e te assombrar, elas também te assombrariam alvissareiras. Céus! Não tivemos tempo para tudo, entre os cozidos das batatas e o perfume das carnes e as risadas! Comemos cenouras, espinafres nos ovos mexidos e as frutas do pomar. Era tanta conversa tanto perfume! Bêbados estávamos de amor sem poder ver/olhar ou explicar. Agarramos tudo gulosos. Eu obediente. Voltei a usar sapatos com saltos, pintei os cabelos, lambuzei a cara com maquiagem e coloquei batom. Arrumei a mesa com esmero. Larguei os livros e fiquei a te esperar. Dois anos para mandares um bilhete! Tão desavisado que emudeceu o tempo e a tarde e o meu espanto não te deu resposta. Sem voz eu respondi tão menina! Céus! E estavas na porta. Somos dois apaixonados. Os anos não derrubam, fortalecem. Por isso eu te beijo e tu me abraças. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2020  de volta a Torres (de onde nunca deveríamos ter saído)

raiva

não aparece o erro, fica mascarado na acusação insistente, mesquinha, virulenta: não a política, mas a voz vingativa, ou magoada… a história tropeça incomodada

por que a raiva se apresenta antes, antes, antes das palavras se acomodarem, antes de ser já ela se exibe virulenta e contamina,

quanto tristeza e confusão!

quanta raiva no meio de um café, ou num discurso, no meio das flores o despetalar precipitado sem motivo… ninguém pergunta, a negação se espalha caprichosa, de chorar!!!!!!!!!!! Beth Mattos abril de 2020 / quanto vírus de prontidão!