tu

je sais que tu es là, je sais qu’ il est trop tard

o terror de ser homem. de ser eu como eu sou passa por estar envolvida, embrulhada no conceito de vida, no conceito da vida do outro, na imaginação do outro, e neste afã de agradar/participar nos corrompemos / e fazemos até o que não sentimos, no fingimento de ainda amar/ te amar/ te amar tanto!.

a única coisa que não muda em mim é o meu passado. o passado costuma ser estável, está sempre lá, belo ou terrível, e lá ficará para sempre. Tu, Tu como tu és no meu sonho, como tu foste na minha vida é ficção, não existe. Tu, tu como te sonho é sonho…………………………….., sonho / sono pontilhado e insone. Não compreendo. Um amontoado de pequenas mentiras, não tuas contigo, minhas comigo e também nossas. Afinal, não existimos. Estás na tua vida, estou na minha vida, e não temos mais tempo para esta bobice toda de apaixonar. As marcas.

Lembro quando Jorge me comprou um Santana em 1988 / carro lindo com um pouco de verde na cor, como meus olhos, tirou da loja/zero. Pobre Jorge! Adorava carros! Eram prazer e inferno e nós tínhamos os seis filhos (os dele, os meus e a nossa) em casa, e todos exuberantes na alegria e disposição. Em muito pouco tempo o carro bateu quatro vezes! Uma na minha mão. Que loucura! Numa das vezes Marcelo Coufal estava em Santa Cruz do Sul para disputar um campeonato de golfe (tirou terceiro lugar), e  pode me ajudou a encaminhar as coisas/ resolver com mecânicos. Com tantos filhos a vida poderia dar/ter estes giros e sair toda do lugar em acasos desastrados. Jorge tinha ido para Rio Pardo passar um tempo…, como se não acompanhar estas travessuras do/com o carro pudessem ser “não acontecer”. Como  tudo se mistura numa confusão de referências. Onde estavas nesta ocasião? Não no campeonato de golfe. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2020 – Torres

perto

desenho

Estou perto, bem perto da serenidade. Como aconteceu o impossível? Horas extras de sono, almoço organizado, tarde escondida num filme qualquer, numa ideia. A japonesa  ensina arrumar, especial… Ainda não terminei, mas dei dois passos: as roupas, eu gosto, não gosto, importa, não importa, e tudo muito perto da limpeza do olhar um para outro, do fazer juntos. O amor se arruma assim, juntos. Escolhas são futuro. Caminhei muito pouco. Não liguei notícias, não sei se o mundo melhorou, sei que vai mudar, muito, tanto! Um registro pequeno. Decidi (por agora, agora, um pouco, talvez…, decidir difícil!) que preciso voltar, e voltar precisa de letras. Beth Mattos – abril de 2020 – Torres

Ninguém mais recolhe pedras, ou já levaram todas, não sei.  Nem existem coloridas, mas formas, texturas, bonitas e… Devem existir. Sou do tempo de colecionar tampinhas, botões, caixas de fósforos, vidros de perfume. E agora este descartar urgente. Céus! E ninguém me escolheu, ou eu não vi…Quanta estranheza se amontoa!

esbarrando

Estas últimas cartas: memória saltando das páginas, das letras. O esbarrão na juventude de ser eu e tu, tu e eu a caminhar até o Farol naquela Torres mansa de 1964. Tudo ainda poderia ser diferente / outro futuro / outro hoje. Não lamento, não lamentas, fantasiamos  agora / nos esbarramos / e pensamos em outras vidas, outros poderes, outra música, outras cartas, outro jeito de amar. Outro eu, outro tu. Quem sabe um nós dois? Beth Mattos – abril de 2020 – um beijo meu querido – ainda em Torres

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a casa

Costumo pensar nesta casa como sendo um barco. Um velho navio a vapor cortando a custo o rio lamacento. A floresta imensa. A noite em volta. E os livros…, estão cheios de vozes. Eu espero uma carta, um tempo de ancorar. Há de conter teu amor, revelações, e sustos, talvez o medo que por estes dias as pessoas transpiram, respiram. Abro tua carta, e logo vou para casa. E lembro o passado. o nosso. Tão carentes de um bom passado andamos nós todos, e em particular aqueles que por esta triste pátria nos desgovernam, governando – se. Obrigada por estares comigo na lembrança da rua Vitor Hugo, 229 – Petrópolis da infância e juventude. Beth Mattos – abril de 2020

dentro de mim

Quero voltar para dentro de mim, nada mudou na rotina, mas mudou / fugiu/ correu ou estagnou, não sei. Vivo reclusa mesmo. Mas os que não viviam assim, os que se assustam mais do que eu? Porque tenho medo. E nem sei que medo é este… Ronda. E o mundo? Agradeço a luz da lagoa. As janelas abertas para o sol. O verde!, e esta alegria toda que se debruça. Enquanto escrevo, mesmo escrevendo, ou caminhando pela casa, posso levantar os olhos do livro ou me debruçar na janela e o azul o verde os lilases e o amarelo me surpreendem… Tenho a mão de Deus no meus ombros. Beth Mattos neste abril estrangulado / aflito de 2020.

Enquanto esperamos, vivemos num corredor cheio de sombras; tateamos nas trevas. Falta – nos uma alavanca; a terra desliza sob os pés; o ponto de apoio nos falta a todos, literatos e escrevinhadores que somos. Para que serve isto? A que necessidade responde esta tagarelice? Da multidão até nós, nenhuma ligação. Tanto pior para a multidão, tanto pior para nós, nenhuma ligação. Mas como cada coisa tem sua razão, e como a fantasia de um indivíduo me parece tão legítima quanto o apetite de um milhão de homens, e como ela pode ter seu lugar no mundo, é preciso, abstração feita das coisas e da humanidade que nos renega, viver para a vocação, entrar numa torre de marfim de lá, como uma bailarina com seus perfumes, ficar sozinho com nossos sonhos. Às vezes, tenho grandes tédios, grandes vazios, duvidas que me desfiguram em meio a satisfações ingenuas.Pois bem! Eu não trocaria tudo isso por nada, porque me parece, na minha consciência, que eu cumpro meu dever, que eu obedeço a uma fatalidade superior, que eu faço o Bem, que eu sou Justo.” (p.67) Gustave Flaubert Cartas Exemplares – Organização, prefácio e notas de Duda Machado. Coleção Lazuli – Imago

Preciso voltar a ser eu, nos textos, no olhar, no poço, no jardim. Não compreendo porque estou a esquecer de mim. violetas 33333

os outros

Os outros, os mais dignos, ainda esperavam uma carta na penumbra da caridade pública, morrendo de fome, sobrevivendo de raiva, apodrecendo de velhos na refinada merda da glória. De modo que quando o Coronel Aureliano Buendia o convidou para promover uma conflagração mortal que arrasasse com todos os vestígios de um regime de corrupção e de  escândalos sustentado  pelo invasor estrangeiro, o Coronel Gerineldo Márquez  não pode reprimir um estremecimento de compaixão.

–Ai, Aureliano — suspirou –eu já sabia que você estava velho, mas só agora é que percebo que você está muito mais velho do que aparenta.” (p.218) Gabriel Garcia Marquez -15 edição – Cem anos de solidão

E eu ainda posso sentar para te escrever uma cara, ajustar as frustrações, te dar uo m amontoado de coragem para que venhas dormir aqui, e aqui ficar em quarentena. Passaríamos a mão sem falar. Depois ias contas ou ias ficar quieto espiando as minhas corridas doméstica.

Danada memória -lembrança que volta pulando assim mesmo depois de esquecida,  Gostar poderoso que grita, diz / canta e não sai de dentro de meu apartado aflito… Volta, lembro, tenho por ti tanta saudade e lembrança, tenho, ficou . Aflita….carta.

A minha caçula memória poderosa. Saudade apertada de alguém que veio do nada, das canchas, dos bailes, Isso pode? Não sei. De repente eu gosto. Gosto de cada palavra. Gosto de cada jogo e todo o sentimento me envolve, Beth Mattosvioletas 33333

 

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saudade crônica

Filhota querida, penso todos os dias em prolongar a conversa interrompida/sempre interrompida. Sacudida por mal humores, desencontros, ciumeiras ou coisas que  o verão nos trás…Atravesso um momento carregado de vida, pleno, ou consciente, eu diria. Assumida nos meus descaminhos. Assustada com as descobertas das minhas susceptibilidades, e mesmo dificuldade com as pessoas. Perdi a doçura de moça, a tranquilidade foi junto. Deixei de ser passiva, agarrei um ciúme crônico, pesado, não só do  Magro, mas de tudo o que é meu (posse), até os espaços…Sei que entendes bem destas coisas. Custo a admitir que és parecida comigo. Eu nos julgava livres, independentes. Descobri que estou amarrada  nas pessoas de jeito/forma definitiva. Sinto saudades crônicas. Eu acho… L. e eu vivemos uma nova e reinventada vida, mais mansa, tranquila, mas também preocupante, dou aula todas as noites (ganho bem), mas ela fica sozinha em casa. Esqueci/esqueço de pedir ao P. que telefone/ligue algumas vezes. A Juliana tem subido para brincar, fico apreensiva, mas vou me sujeitando aos novos fatos. Não será a solidão mais doentia e triste? Preciso trabalhar. Vale mais a cabeça da minha filha / alegria do que os meus melindres, eu acho. E com as novas teorias surgiu um novo gato, macho, branco e preto, amoroso e dengoso, mas fez  ‘cacas’  lá em baixo da minha cama, bem escondidas, porque eu eu o deixei trancado ( na aflição de fechar o meu quarto contra elos e invasão…surpresa!!!, merecida, é claro.) E agora tudo culpa. Sentimos tanta culpa por não termos sido perfeitos/corretos, ótimos e tudo o mais. é assim com vocês,  cassa a mãe que consiga fazer e ser como deve ser. Eu sempre agiganto as culpas, mesmo as das separações! Parece que não lutei, que desisti na primeira volta. Pessoas são complicadas! E nem disso, nem daquilo me curei. Agora tem o Magro na minha vida, um amor, um amor tardio completo!Transbordo na vontade de ser mulher, mas morro enciumada e me calo, e não atendo ao telefone, e faço um silêncio de morte. Faço mal para ele e para mim, para nós. Rompi num susto! E quero que tudo mude, que ele volte, esquecer, recomeçar. Não sei quando nem como, mas quero que venha inteiro….E tudo é fantasia. Jamais somos inteiros, somos e recebemos pedaços. O inteiro tem que eu, ser ele,…cada um o inteiro (cuida filha!) Não somos inteiros para o outro, e recebemos pedaços. Pedaços. Inteiros precisamos ser para nós mesmos, e como é difícil! Como é difícil este domínio! Se eu paro/interrompo este processo eu me dou conta que a Beth Mattos é a metade da Elizabeth , que um dia foi Elizabeth Menna Barreto Moog. Eu já fui Moog, e depois Domingues, e sempre eu. Complicado isso de trocar os nomes ao casar. E por isso participo emocionalmente da vida de Geraldo. Eu o compreendo Acompanho, guardei e apertei o amor no meu coração por ele, pela vida dela e gosto da Laura porque a laura faz bem e preenche o mundo dele, mesmo ele sendo tão esquivo e reticente comigo, tão apenas e só ele, e vocês. É o pai mais paizão que eu já conheci. Em algumas coias parece com o meu pai no jeito reto e sério de ver a vida, e tanta amorosidade! E algumas mágoas e rancores bem definidos também. Sei lá como te explicar. Fantasiamos. Nós mulheres procuramos o pai em todos os nossos homens amados / como as homens procuram as mães nas igualdades ou nas diferenças definitivas do que não desejam, não querem. Depende do amor que recebemos ou do sofrimento que passamos.  Uma medida. ( 20 de março – quarta feira)

Filha amada, ainda não terminei, aliás, acho que nem comecei pois quero resolver contigo coisas práticas como a ida da tua cama e algumas coisas mais que estejas precisando na casa nova. Pensei no teu cabide, tuas roupas de cama, e talvez os livros que possas precisar para o curso. Aproveitarei a ida para mandar coisas mais pesadas como tua máquina de tricotar, por exemplo. Pensei em te mandar os tecidos para fazeres as cortinas. Faz tudo bonito. O que estás precisando? Se achares que posso fazer alguma coisa, pede.  Quanto ao Darcy Ribeiro já tenho alguns livros, mas não todos. É maravilhoso. Gruimarães Rosa, Graciliano Ramos, e mesmo alguns livros do Érico (devem ter dedicatórias em primeiras edições), os últimos… Procura Fernando Pessoa, livros do Borges. OU a biblioteca já foi? E as estantes? Teu pai escolheu algum tapete? Já estou divagando! Eu adoro estantes. Fica apenas com o essencial. E te desfaz do que não precisas e não aceita.  F. deve estar passando pelo Rio de Janeiro nos próximos dias, exausto, tem viajado muito nas últimas semanas, mas é isso tudo que o mantem vivo e ativo, inteiro. Adoro aquele Magro, mas estou bem recolhida, escaldada, e eu diria que o silêncio também mata. O amor ilumina, mas arranca pedaços também. Pensaste numa terapia? OU é caro demais? Entendi que não vens nesta Páscoa. Eu não sei o que farei. Por enquanto espero o Pedro. Será que ele virá? Rezo para que esteja bem amparado e tudo corra bem. Tão especial este filho! continua desenhando e pintado? Por que não entra para o Belas Artes logo de uma vez. Querida, escreverei/ terminarei depois. Deixei a Luiza no dentista e vou buscá – la. Consegui que o Théo ficasse lá no Bruno, adoram gatos. Enfim, a vida continua igual: rodeada de castelhanos e ônibus acordam a casa  na madrugada. Quanto barulho! Que gritaria! Te amo te amo te amo, escreve te cuida, te cuida. Quinta-feira – 21 de março de 1996

ser encontrada

Se quero ser encontrada não me visto com as roupas de hoje. Busco um jeito meigo e bondoso no decote, escolho a cor da reflexão. Os gestos serão bondade. Entro na moldura e vou sacudindo no  ônibus até chegar onde antes era minha casa. Beth Mattos / abril de 2020 / Lucas com dezenove anos / Torres azul azul azul azul

quero

Antes eu podia, mas não queria. Dava voltas, e me enredava no livro, no texto, na música. Agora não posso mesmo, ou não devo, então, o desejo louco de sair, de viajar, de olhar… O longe, bem longe, no impossível ir, o desejo maior…Beth Mattos

um pote de sorvete

Acordei agora deste este sono desgovernado. Abro bem as janelas. Silencio e frescor entram escuros. Adjetivo esquisito, não importa, o esquisito / o estranho: boa palavra plantada no meio da sala, e floresce, brota… vou comer um pote de sorvete, esvaziar a gaveta dos bombons, e vou me sentar perto da janela, quieta, esquisita e desgovernada como a noite. Das cartas recebidas a tua me surpreendeu com pitada azul. Vontade de chorar. Não sei mais. A da Luiza veio/chegou apressada, e feliz. Indignada também. Somos iguais. Estamos.

Vou contar os balões, chegaram…E o céu está pronto, alguma coisa subirá colorida, e das calçadas, sem o vírus,  olhos iluminados, atentos. No jornal os colunistas assumem posições: lugares marcados, regras adequadas. Pessoas surpresas pensam no planeta ao lado.

Aqui temos margaridas, rosas, goiabeiras perfumadas, laranjeiras, e a água da lagoa resiste, peixes vivos. Um entusiasmo. A camiseta cheia de posição; pintas pontos traços em preto e branco. Aquela outra arrasta a criança. O vizinho prepara o céu. Amanhã o churrasco. Gatos escondidos.

Tu não vieste. Não pergunto mais se vens ou virás. A história que ia te contar sentou na calçada por três dias, alguém carregou, deixei levar. Não quero saber se o outro lado está do outro lado. Elizabeth M.B. Mattos – abril de 2020 – Torres

“[…] jeito particularmente silencioso, como se temesse me assustar daquele estupor versejador. Ele me fazia reproduzir de memória, o mais detalhadamente possível, objetos que eu de certo havia visto milhares de vezes sem visualizá – los de fato: um poste de luz, uma caixa de correio, o desenho de tulipa do vitral de nossa porta de entrada.” […] Eu adorava o jeito hábil com que ele molhava o pincel em múltiplas cores com o acompanhamento do rápido bater produzido pelos recipientes de esmalte de onde eram recolhidos os ricos vermelhos e amarelos que o pincel ondulava; e tendo assim recolhido seu mel, parava de mexer, de bater, e com dois ou três toques de sua ponta luxuriante, encharcava o papel ‘Vatmanski’ com uma uniforme camada de céu laranja, sobre o qual, quando o céu ainda estava úmido, uma longa nuvem negro-púrpura era aplicada. ‘ E isso é tudo, meu querido, ele dizia. ‘Não há nada a acrescentar.'” (p.87-88) Vladimir Nabokov Fala, Memória

Nada posso acrescentar nada à descrição, a iniciação destas  aquarelas. o texto precioso, nas minúcias de escritor enriquecido por educação primorosa, salta, explode, contamina. E salienta, evidencia a pobreza e a precaridade do construído às pressas, de improviso, -hábito de brasileiros. Os russos, preciosos, e preparados. Sei lá porque ouso escrever assim, repito, não é voz, mas são, apenas, letras, perigoso… Ah! tão perigoso!: há sempre abundancia de arte.