medo assusta

Estou toda errada, estou toda perdida, assustada. Também indefinida. A chuva trouxe/deu alívio, prazer. Onde está a barreira? Preciso saltar. Não aconteceu nada, eu foi tanto! Fragilidade, o repente de um instante entre o medo e a coragem, o jeito estupefato/perdido e entregue. Sentimento de…, pois eu não sei descrever. Quero me livrar / jogar pra longe. Despejar, e não sai.  Aconteceu na terça-feira de manhã. Eu carregava um desalento qualquer, um cansaço e o rapaz percebeu. Depois o dia se agitou inteiro: derramei em tanto falar sem dizer. Dormir na quarta-feira. Agora uma insônia desajeitada. Inquieta. No celular as digitais. Da perda aquela luz de espiar e aquietar se desmancha. Jogo de paciência. Estou inquieta / agitada e… No espelho vejo uma coisa estranha sem semblante, opaca imagem fundo e dolorido. Procuro a dor e não vejo, não compreendo. E estou outra vez entregue e fraca e desajeitada sem saber… O que será mesmo que precisamos saber pra voltar a ter e ao dizer estar/ sim, estar aqui agora é preciso. Neste instante, neste agora o medo. Tão rápido! Talvez passe logo, compro celular novo… A mágica será o brinquedo. Vou esquecer. Eu vou voltar. Associações. Energias esquisitas / de certo preciso rezar. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2020 – Torres

do calor

Do calor ao frescor. Já me sinto melhor. Cansaço atravessa o corpo aflito, mas escapa pelas mãos. Olhos se fecham para o sono pacífico: tudo já passou. É bom! Chove forte e chove ruidoso, cheio. Gosto de chuva. É chuva de verão. Chove bastante…Beth Mattos

alegria generosa de Luiza

De repente deu vontade/ deu saudade do e de você. Este pronome agrega/ presenteia alegria/ bastante dor, bem verdade/ bastante triunfo também. Coisas da vida. Coisas de ser você. Depois gauchei, e passei para o tu / bobagem! Coisa de F.T.! Nunca deveria ter abandonado o você mesmo tendo voltado ao tu. Agora a volta se esticou / ficou grande, quase enorme! Talvez eu esqueça de você… Mas Joana não esquece de mim, e lá estou faceirando com Clarice Lispector Todas as CARTAS – Primeira Edição – Rio de Janeiro: Rocco, 2020

Estas coisas de Primeira Edição tem gosto de Natal, de surpresa/ de amorosidade. De preciosidade de olhar / acertar e escolher. Filhos abraçam e festejam / netos iluminam… Coisas de amor. Coisa de não explicar. Abençoar e agradecer: ser feliz. Alegria de ter amiga como a Luiza. Presenteia natalina, gentil, amiga da delicadeza, daquele carinho “não explicado”, mas cheio de sentir de estar perto de ser ela, bonita e generosa. A gente sente. Você sente! Adorei o lenço (precioso) e exuberante, lindo! E o nosso estar junto piquenique de fofocas, as nossas e das doçuras. Apenas você (ou apenas tu sabes) sabe desta coisa de surpreender numa tarde amiga, eu encavernada. Já Natal! Amiga obrigada pelo punhado de risadas, as nossas, suas e minhas!

“Carta curta, mas carta sua. Já há dias recebi carta de Tania e você não escreveu por falta de inspiração. Que menina impossível. Mas eu bem compreendo e sei que às vezes não se tem o que escrever mesmo quando se tem o que falar.” (p.158) Clarice Lispector [A Elisa Lispector] Nápoles, 20 de abril 1945

Sentimento esconde o ‘desajeitado’ impróprio. Mormaço esconde desconforto. Salva-se amiga! Gloriosa, generosa amiga! Sempre ela… Ternura aquece, e o amor explode…

OBRIGADA Luiza, são tantos grandes e pequenos gestos! Somos blindadas pelo A M O R!

Chuva salva / depois de trovoadas entendo melhor, um pouco mais… Sou eu a sufocar, respiro. Livre! Obrigada! Ser presenteada tem a graça móvel! Estou pedalando uma bicicleta em volta da lagoa! Beth Mattos

coração desprotegido

Tanta coisa. Tanto tempo! E aquele quase nada escondido. Pequenos pecados. Um nada que avança. Estes pecados, os mais cruéis, sem perdão, atormentam… Contra a integridade . O Eu perdido em desencanto. Aquele Eu que perambula na criança que somos/fomos se agigantam quando jovens adultos. Velhos, voltam como tempestade. Beth Mattos – dezembro de 2020 – Torres

Terei que ter a coragem de usar um coração desprotegido e de ir falando para o nada e para o ninguém? assim como uma criança pensa para o nada. E correr o risco de ser esmagada pelo acaso.” (p.13) Clarice Lispector A Paixão Segundo G.H.

Tanta coisa. Tanto tempo! E aquele quase nada escondido. Pequenos pecados. Um nada que avança. Estes pecados, os mais cruéis, sem perdão, atormentam… Contra a integridade . O Eu perdido em desencanto. Aquele Eu que perambula na criança que somos/fomos se agigantam/agraúdam quando jovens adultos. Velhos, voltam como tempestade. Beth Mattos – dezembro de 2020 – Torres

Clarice Lispector

Então isso era a felicidade. De início  se sentiu vazia . Depois seus olhos  ficaram úmidos: era delícia, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinada docemente, aos poucos. E o que é  que eu faço? Que faço  da felicidade? Que faço dessa paz  estranha e aguda, que já  está  começando  a me doer como uma angústia,  como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já  está  começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, muares de pessoas não tem coragem de pelo menos prolongar- se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é  sentir – se feliz e preferem a mediocridade. Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo.” (p.76-77) Clarice Lispector-  Uma Aprendizagem ou O livro dos prazeres 

Tem sempre um perigo gente por perto, mais do que muitos precipícios e armadilhas. Ela sabia da vida e das coisas e de escrever. Estamos a homenagear a única, a especial LISPECTOR. Eu a conheci na casa do meu sogro Vianna Moog. Tão mágico, tão único, que depois do Boa Noite eu fiquei muda. Exuberante. Fumante. Incomum. Inquieta. Enfim: a Clarice Lispector que conhecemos pelos seus escritos. Livros e correspondência. E, como não podia deixar de ser, uma beleza exótica. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2020 – Torres

a gente se esconde na vida possível que encontra para viver, escolhida ou imposta, certa ou errada

…somos nós/sou eu/ és tu a respirar. Gostava de ter cabelos compridos. Gostava de ter tempo no meu ócio organizado. Gostava de brincar. Gostei de namorar, dançar. Do prazer alegre. Gosto das pessoas. Do beijo. E das palavras. Minimamente encontrada, minimamente perdida, talvez achada (Céus!) e feliz, talvez. E gosto muito de Árvore de Natal enorme / grande / ou pequena a iluminar este mês de dezembro. Até gosto de quem não gosta de nada disso. Elizabeth Mattos – dezembro de 2020 – Torres

Da leitura da tetralogia de YUKIO MISHIMA

Juventude, empenho em mudar/ transformar. Marcar a ferro cada geração: jovens definirão o jeito/ a forma/ a política / o entorno / o mundo / o jeito de ser. Trocam / alteram / desenham roupas. Sublinham rituais. Penso no quanto fui omissa, alienada e subserviente. Nada fiz de relevante, ah! esta pequena história de moça bem-educada, comportada (ou nem tanto!) de nada serviu. Enfiada em belos vestidos, exigente para bainhas bem-feitas, e cores, e tecidos ou sei lá o que exatamente. Escovar muito e muito os cabelos. Caminhar pela praia, chegar ao rio Mampituba. Dançar, dançar, dançar e, ainda, dançar. Hoje, as academias. Exercícios. O corpo sadio. Alimentação. O brilho de uma prática agregadora. Sentada na minha velha, velha, velhíssima cadeira, enquanto leio, a pensar, espio pela vidraça e vejo velhos, jovens e crianças na calçada, a grande maioria caminha num ritmo de exercício… Este movimento alegre no final da tarde me fez pensar no que era/foi e como era… Claro! Onde estarão, em outras cidades, estes jovens, estes velhos… Ninguém espera acontecer, faz acontecer. E volto para minha mansa / quieta / rotina de ser eu. Como foi, exatamente, chegar a minha serenidade agitada? Claro, Yukio Mishima conta/explica/ narra a história do Japão, atravesso o tempo. Vejo as montanhas, campos de amoras, caquizeiros, cerejeiras, carvalhos, rios, templos, devoção, crisântemos selvagens. Atravesso o livro com o coração aceso. Vou para tão longe! Entendo o Budismo, quero chegar a Confúcio. Acompanho os olhos de um leão em Isao, acompanho a reencarnação. Volto para cumprir/realizar o que não foi possível naquela vida, a outra, mas precisa ser feito. E o feito escreve a história do mundo. Somos flores, não pessoas, somos uma parcela mínima, e gigantes. Somos pássaros. O essencial importa, não o amontoado de palavras vaidosas, o silêncio real. Mas nada sei do essencial. Vejo o Sião se transformar numa monarquia constitucional. E a tarde na beira da Lagoa do Violão me parece tão extraordinariamente perfeita e adequada. As tardes de sono empurram o cansaço do meu corpo, estou revigorada. E posso fazer/ fazer/ fazer/ e também seguir lendo. Tudo me parece tão singelamente natalino! Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2020 – Torres

Yukio Mishima

O verão ameaça / sufoca, mesmo na madrugada (que deveria ser diferente),

Está tudo tão / tão, completamente, parado! Beth Mattos – dezembro de 2020 – Torres

“Tudo era em vão. Lembrou – se de um velho poema que um kendoca experiente lhe ensinara:

Tentar não pensar

já é pensar.

Portanto, até mesmo ‘Não pense!

não se deve pensar. ” (p.223) Yukio Mishima Cavalo Selvagem

“chutamos o balde”

Chutamos o balde. O meu pai organizou tua chegada. Casa espaçosa, enormes janela festivas. Uma espécie de escritório ateliê. Luxo de sofás brancos. Nas paredes quadros do Eduardo Vieira da Cunha. Alegria em sorriso largo. Escancarada descontração. Descalços, rimos muito, sem planos: a pandemia limita a vida ao jardim de rosas da Marina. Pitangueiras, um gramado ensolarado. Imediatamente te levei uma pilha de papéis. “Vais me ajudar a montar um livro, quando tudo se resolver, a publicação. Vais cavar meu sonho!” Eu jovem, muito jovem neste dezembro. Tu com teu sorrisão! Como faz frio nos enrolamos numa manta como dois meninos. Fiquei tão pequena ao teu lado! No fundo da sala, em baixo da escada que leva ao solário baldes coloridos, deveriam ser uns dez ou quinze. Rimos muito. Quatro horas da manhã! Vou voltar para a cama… Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2020 – Torres

Eduardo Vieira da Cunha