o que ele disse

Fiz um amigo importante, fiz dois amigos quando o Amoras nasceu, um deles já morreu, mas, por motivos estranhos nos aproximamos muito e muito. Depois do luto que doeu demais, eu me aproximei mais das afinidades que tinha com quem não me convidou para almoçar, mas fazia música (minha paixão). Depois, e depois, as coisas de fazer se enrolaram e fomos nos afastando. Ele se leva a sério, ele, tem metas e caminhos, inclusive mantem os cadernos diários, religiosamente, / e neles o caminho é explicitado / aberto / claro / religioso. Eu vou tão devagar! Cadernos anarquizados. Eu mantenho as gavetas desarrumadas, eu mantenho a vida por um fio: eu tenho o excesso nos guarda-roupas. Eu me perco todos os dias. A depressão puxa os cabelos da menina alegre, a velha disposta se transforma numa anciã cansada, neurastênica. Eu me apaixono. Eu não durmo. Eu me apaixono! Eu durmo demais. Uma vez o monge me diz: o blog é teu diário de menina, não precisas levar com tanto empenho! Não trabalha sério. Não te empenhes assim… Não respondi. Apenas desanimei. E tudo que quero fazer empurro para amanhã. A caixa de livros do Xavier, as unhas, um bom corte de cabelos, vestir vaidade, esconder as manchas, procurar um vascular, ir a um oftalmologista, colocar um sapato com salto, pedir ajuda na limpeza. (risos) Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro 2022 – chorar por Petrópolis – por nós e todas as dores – chorar – Torres

vento quente

Verão como deve ser, verão. Calor, calor e gosto de sal, de mar superpovoado, e de asfalto quente. Não sei onde encontrar areia. Vento, ruas terrosas. Verde desorganizado, e mar: claro! O meu mar, a minha duna, o sal do meu corpo, o vento dos teus olhos. Posse, horrível! Assim! Quero o meu, o perto, o conhecido, o fotografado, então, bonito. Terapeuticamente acompanho/sigo/observo as buganvílias a explodir flores… Penso em vasos: folhagens. Tudo carregado de verde e cuidado amoroso! Não sei. Pode ser apenas imaginação. Imaginação de/para sobreviver, de viver entre eu e comigo: superlotada, transbordando e represada, azeda e os vasos floridos, e os galhos pendurados a bater nas vidraças. Vontade comprimida na dor do corpo. E o corpo? Não sei. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro cortando, 2022 – Torres

és tu

Escorrego, sem saber, desanimo, aperto a mão / acredito em nós, em mim, em ti e …, estamos lá. E és tu, és tudo. Escorrego, não vou, não sei, mas quero chegar. Escrever se atravessa perdido / perdida / e termina o dia. A vontade, o ânimo, termina e começa/recomeça ao me mesmo tempo, porque não é. Sou eu tentando… Ah meu querido! Que fiques bom logo, que voltes logo, que seja azul, que seja lilás. Amanhã, ou um dia todo verde, outro com listas amarelas e teu sorriso vontade / eu te vejo a força colorida, e as noites pesadas de sono. Eu te vejo chegando. Agarra minha força, coloquei em baixo do teu travesseiro. Amanhã conversamos. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

penso sentir

O amor que sinto / ou penso sentir é como o vento. Uma mensagem chega de longe, e ela não parece verdadeira nem falsa, sensata ou absurda, mas me comove. É como se um leve e doce exagero me caísse no coração! Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

ponte

Entre dor e susto: o medo. Cheiro da constante aflição, desarrumada. Então, não consigo dizer nada! E.M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

A pessoa cuida / eu me cuido para não cair no desânimo, mas o dia pesa e… Dia pesado e difícil! Tão desarrumado! Flores, isso pode ser compensação!

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Quando passo horas e horas com uma criatura imaginária, ou que viveu no meu passado, noutro passado, não é mais apenas a inteligência que a concebe, é a emoção e a afeição que entram em jogo. É a mágica, o possível: calo o meu pensamento, escuto a voz: o que este indivíduo tem a me dizer, a me ensinar? E quando eu o ouço bem, ele não me deixa mais. Esta presença é quase material, trata-se de uma ‘visitação’. Estamos, de fato, juntos. Eu me acalmo, e me inquieto com sua possível dor, com sua possível insônia, com seu sonho interrompido. Mas, imediatamente, eu me aconchego no seu abraço, sinto o se hálito. E durmo. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2022 – Torres

acho que jamais renuncio a uma criatura que conheci, e não posso me separar dos meus amados amores, assim , muitas, e tantas vezes, estou a beber chá com FT, ou a comer arroz integral; estou a telefonar, às duas da madrugada para JAK; e posso ir ao seu encontro às três horas da manhã para beber duas taças de vinho. PHF conversa comigo, pontua, explica. E, e beijo demorado, no abraço de ZM se desmancha no sonho bom de nunca envelhecer. Eu me encontro, outra vez com Paulo Sérgio na Ponte Aérea do tempo.

explica o escrever, e, o pão

Ter o que dizer, não apenas exercitar, pegar a linha, seguir, e dizer, dizer/escrever/ repetir, acordar (tenho estado sonambulando, tropeçando, amuada, enjoada) e escrever. Tão bom ler? E encontrar… E. M. B. M.

Quando sinto que disse tudo o que podia dizer e o disse tão bem como me era possível. Nesse momento, tenho a sensação de que está terminado, de que está acabado. É como o pão: há um momento em que se sente que não é mais preciso amassá – lo. Experienta- se uma sensação de admiração – que aliás experimento em tudo, não apenas com os livros – , a satisfação e o espanto de ter conseguido fazer aquilo. de ter saído bem, de ter chegado ao termo. […] Procuro eliminar o que não é essencial, não ceder ao ornamento, como fazia em minha juventude.” Marguerite Yuorcenar

“toda criatura é um vulcão”

“Fico espantada por ela espantá-lo. A vida tem de um braseiro o calor (este calor que os mortos não tem mais), os sobressaltos, a mistura de luz brilhante e de fumaça negra, e, como o fogo, ela se alimenta da destruição; é devoradora. Digo seguidamente que toda criatura é um vulcão, o que é mais ou menos a mesma a mesma coisa. Contudo, em outro sentido, como não pensar na sublime meditação búdica: O mundo está em fogo ó meus irmãos! O fogo da ignorância, o fogo do ódio, o fogo da inveja, o fogo do rancor…” Vemos nesse momento, em torno de nós, muitas dessas chamas. E não nego a presença tranquilizadora do fogo do amor, mas com muita frequência acontece de esse fogo apagar-se mais rapidamente que os outros, ou, por sua vez, tornar-se devorador.

  • Qual é o sentido exato do título geral que a senhora deu a essas obra: O Labirinto do Mundo?

Nele, também, a fórmula me parece dizer por si mesma. Não se pode ler o jornal matutino ou escutar à radio a noite sem ser mergulhado em um labirinto de acontecimentos e de seres, e no fundo de todo labirinto há, sinistro ou de aspecto falsamente benigno, um Minotauro. É um dos mais velhos símbolos do que convencionamos chamar de nosso subconsciente. A imagem do labirinto foi esculpida, pintada, gravada nas paredes, no flanco dos vasos, no solo dos arredores das aldeias, em várias partes, da Creta à Finlândia, e figura nos mais antigos contos de todos os povos. Portanto, não tenho pretensões à originalidade.” (p.207-208) Marguerite Yourcenar De Olhos Abertos Entrevistas com Matthieu Galey