Lawrence da Arábia

Lawrence da Arábia

Está escrito. É o destino. Para alguns homens o que está escrito é o certo. Bigorna do Sol, o deserto de Nefud…  Diferença e igualdade. O homem pode ser o que quiser. Mas não pode querer o que quiser. Desconfiança e cautela pertencem aos velhos. Vencer o deserto.
Beleza completa, absoluta. Guerreiros  e a política selvagem.

Notas após Lawrence da Arábia. O melhor filme: 1962

Arqueólogo, escritor e militar, o inglês Thomas Edward Lawrence foi uma das mais notáveis personalidades do Século XX. Sua obra prima literária Os sete pilares da sabedoria é o registro autobiográfico da ação árabe na derrocada do Império turco Otomano. Escrito originalmente em 1919, Lawrence perde os manuscritos de Os sete pilares s da Sabedoria na Estação ferroviária de Reading. Uma segunda versão é finalizada no ano seguinte, mas, insatisfeito com o resultado, o autor a destrói. Finalmente em 1926, escreve uma terceira versão, revisada por George Bernard Shaw e publicada em uma edição artesanal restrita a amigos e escritores. Resenha do livro da Editora Saraiva

Combustão

Como é difícil a sintonia das pessoas!  Histórias narrativas, conversas explicativas. Tédio. Comodidade cotidiana. Tropeço na expressão. O inusitado, a espiritualidade. Deduções sobre o sujeito, e o objeto. Emaranhado de palavras, outra vez o tédio. Lado a lado, mas solitários. Na diferença o inferno. No silêncio a paz. Enlouqueço, ou me deixo ficar na superficialidade da relação. Ou no afeto morno, pacificador. Solidão presente na destruição do imaginário, ou do real mesmo… Assim, neste trajeto ansioso de buscar felicidade perde-se o prazer, até a quietude. O que armazeno, inadvertidamente, explode como bomba ativada a menor insatisfação. Explodimos! Este esparso e morno pedaço, a que chamamos memória, se transforma em quebra-cabeça, ou escrita compulsiva, ou fala incoerente, ou sono que não descansa. É um dom exercer domínio sobre estas questões. Talento transformá-las em combustão.  Não tenho pernas. Alguém não tem generosidade, outro excessivo ciúme, aquele não tem mãe. Este não apreendeu a ouvir. Outro não aprendeu o amor. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2012 – Torres

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Só sei viver o que já vivi

Albertina Maciel Souza, escritora gaúcha publica seu primeiro livro. Causa polêmica em revistas e jornais: aplaudem, crucificam, ignoram. Quem é esta Albertina? Ontem ela veio a Torres. Contou o que aconteceu em São Paulo, da primeira edição da novela Viagem pela Alma, vendeu cem exemplares. Um livro experimento. O restante da edição, fica esquecido. Erros que não se sabe/ nem pode como corrigir! Ela se sente ameaçada, não pelo livro, mas a incompreensão. De repente o esvaziamento. O projeto é bom, mas esta coisa de andar pela alma, esta discrição disparatada do que timidamente chamamos alma? Porto Alegre rejeita o livro. Eu pontifico, tento animá-la, mas Albertina cruza os braços, desanimada. Nada a fazer.

Pego um livro da estante depois de servir o chá, morangos na tigela, rodelas de limão. Abro bem as cortinas, e como é da minha natureza, leio em voz alta:

Não fazer nada é uma grande ocupação . É como estar no cosmos. O tédio prolonga o tempo. Sem falar que no tédio se tem tempo de puramente viver e apenas viver. O tempo é o sentido das horas e da vida. Para senti-lo, é preciso se purificar no nada. O que é o tédio? Talvez seja a vazia meditação que parece com a prece sem palavras nem sequer mentalizada. É o silêncio interior seguinte: estar plena do nada. Isso é o resultado de uma longa e penosa aprendizagem.

Clarice Lispector, p. 17 – do livro de Olga Borelli: Editora Nova Fronteira: Clarice Lispector Esboço para um possível retrato.

Olho para ela lembrando das minhas inúmeras tentativas, tentativas de escrever, de casar, de amar, de desenhar, fazer amigas…Um amontoado de fracassos. Albertina Maciel Souza tem os olhos úmidos, mas cheios de coragem. Então retomo a leitura  da Borelli,  o mesmo parágrafo, leio de um jeito mais pausado como se o que diz Clarice notificasse se aplicasse apenas a mim mesma:

Eu só sei viver as coisas quando eu já as vivi. Não sei viver, só sei lembrar-me.

Rimos as duas, peguei minha xícara de chá. Ficamos em silêncio. Passei a mão no livro Viagem pela Alma, e  completei: – é apenas o ensaio, como na vida. Há que se repetir, repetir inúmeras vezes até acertar! Elizabeth  M.B. Mattos – dezembro de 2012

Suspeitar da suspeita

Livros que guardam numa só história, dezenas de outras histórias… Infinidade, um só parágrafo.  Fazer acreditar na verdade verdadeira de simples alusão… Acreditar no mal entendido daquele dito. Chorar. Rir. Ou sangrar. Assim é Javier Marías no livro Amanhã, na Batalha Pensa em Mim.

“A conversa não era fácil, talvez fosse melhor continuar em silêncio. Num momento pensava que era Cecília e que podíamos parar de fingir e falar tudo ou do de sempre, ou nos interrogar abertamente, no momento seguinte pensava que não podia ser ela e que se tratava apenas de uma dessas extraordinárias semelhanças que no entanto às vezes acontecem, como se fosse ela com outra vida, outra história, a mesma pessoa que teriam trocado quando bebê no berço como nos contos infantis ou nas tragédias de reis, o mesmo físico com outra memória, com outro nome, outro passado no qual eu não tivesse existido…”

(p.218)

 

“Como é fácil enfiar uma possibilidade, uma apreensão, uma ideia na cabeça de outra pessoa, tudo se contagia muito facilmente, de tudo podemos ser convencidos, às vezes basta um gesto de assentimento para alcançar os propósitos, fazer como quem sabe, ou suspeitar da suspeita do outro sobre nós para nos desvendarmos sem querer por medo e revelar o que íamos manter em segredo.”

(p.222)

Com Xico Stockinger

Com Xico Stockinger

Correspondência entre Xico Stockinger e Elizabeth Menna Barreto Mattos que resultou em livro em 2002.

Beth – Achas que há tempo (sem pensar neste negócio de idade) para retomar outros trabalhos? Iberê resolveu escrever. Ernesto Sábato pintar. E tu?
Xico – Às vezes penso que trabalho muito para fugir dos qüiproquós que eu arranjo. Trabalho porque gosto de fazer esculturas. Sou cheio de frescuras, recalques, e assim fazer bonecos me ajuda a esquecer essas coisas…
Beth – Trabalhamos para acertar coisas dentro de nós mesmos. Mas o maravilhoso nesta tua arte de fazer bonecos é dar o recado. Deles nascem outros Stockingers, que se apresentam para a luta. Conta da tua vida particular, tuas leituras, viagens, mulheres. O escultor tem uma corte. Assim eu vi a Vila Nova, muitos envolvidos. Há diferença entre a pluralidade de materiais e este trabalho repartido e exposto ao voyeuer? Isto sempre fez parte da tua vida?
Xico – Na Vila Nova há algo que eu nunca tive nos meus oitenta anos. Mas vamos parar de intimidades.
Beth – Temos potencialidades adormecidas. Será que a vida define o talento de alguns? Imaginaste descrever um mundo interior teu com os guerreiros e as guerreiras; eles são um ideário particular?
Xico – É preciso dizer que não caem estrelas do céu, nem ouço vozes. Na produção o que há mesmo no duro são mais de cinquenta anos fazendo escultura. Em cada uma aprendo algo de novo e cada uma me indica o caminho que posso tomar. […]

Editora Artes e Ofícios: Xico Stockinger Memórias

Nas tuas mãos

“O amor não tem portas que possamos abrir e fechar, nem passagens secretas para um sótão onde possamos fazer férias. Toma conta de tudo em nós, envolve-nos como um lençol de tédio, sedoso, infinito. Ninguém fala deste tédio sublime, tão contrário à acção e à eficácia, imóvel inimigo do  mundo. Só no tronco do sonho, iluminado e funesto, o amor interessa. Prolongada, a vida torna-se demasiado curta e o amor ganha o ritmo da chuva que bate leve, levemente.”

INÊS Pedrosa, Editora Planeta. p.78 do livro: Nas tuas Mãos

Há coisas que não comprendo

“Então, ele lamentava não ter aprendido a arte de pensar, começando por dobrar o segundo e o terceiro dedos a fim de colocar o indicador sobre o sujeito e o dedo mínimo sobre o verbo, como seu professor de latim ensinava, e lamentava não ver sentido na babel de dúvidas, desejos , imaginações e temores que lhe doíam na cabeça. E com menos força e coragem, ele também teria abandonado para sempre a possibilidade de vir a saber que tipo de ser ele era, como viveria, e viveria vencido, às cegas, num mundo louco, em meio a estranhos.”

Becket, Samuel. Malone Morre. S.Paulo.F. – Q M Editores Associados Ltda. (p. 26)

Desânimo cansado

A dor continua por um tempo maior do que aquele que pensamos poder suportar. Se eu me penso em estado de amor, penso também na perda, no abandono. Um dia a mágoa finda, como termina uma estação, e se passa do calor ao frio, do sol a chuva. Quase não se percebe a mutação, ela se faz. Pode-se esquecer o sentimento mesmo de sentir. Mas tem a rotina, o cotidiano de fazer o que é preciso fazer. Substituímos amores por dedicação ao mundo real que tínhamos esquecido no estado de amar. O estado de amor é perfeito gozo, dor, lágrima ou riso, tudo é perfeito, mas de repente some, vira cruz.

Amamos o outro neste desespero todo de tão grande, justamente, quando nos esquecemos de ser. Esquecemos o espelho, o fazer, a meta, a ideia, o pensamento. Quando esquecemos que temos um mundo próprio e todo nosso. Como um quarto sem janelas. Quando esquecemos que podemos fazer, deixar de fazer, seguir, parar, continuar. Quando esquecemos que a vida é caminhar, quando estamos cansados de avançar, de abrir picadas resolvemos que vamos amar com paixão, apaixonar-se é o puro estado de esquecimento.

O que é preciso fazer quando o amor nos deixa, quando o objeto de amor desaparece? É preciso recomeçar a ver a vida de viver. Retomar o caminho, o nosso caminho. Dá um desânimo cansado, mas, também é preciso voltar ao espelho,  ao detalhe, ao vaso esquecido na ponta da mesa, ao bolo, as cores das lãs que serão tapete, as flores, ao mar. Temos que voltar ao mundo real. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro de 2012 – Torres

Sem fita

Frescor depois de chuva perversa.

Aperto. Bom que as plantas estão verdes!

Bom que o passado passou.

A rua, a rua… Movimento contínuo que atordoa.

Mutilação ou perda? O definitivo. Ausência presente.

Sem fita vermelha, sem laço.

Sem espinha dorsal, já  mutilação.

Dor de cabeça. Elizabeth M.B. Mattos – dezembro 2012