ou ainda
DOIS MUNDOS: a palavra é aparência[1]

Dois mundos distintos adormecem dentro de nós: o conhecido encerrado no prospecto da infância e o que a vida au hasard nos mostra. Ao acaso? Alguns acidentes determinam certos caminhos, podem ser até genéticos: sucesso, esforço, metas. O acaso. Talvez a melhor resposta, seja mesmo acaso. E sabemos que não é, pois, a vida, a nossa vida, traçamos nós. Acusamos o acaso quando os equívocos, todos, são apenas nossos… O mundo é cinza porque o queremos cinza. Contudo, o temperamento fácil e leve, ou a raiva e a obediência são fatores agindo no homem geneticamente. Pré-disposições. Desculpas! A rigidez se desenvolve pela falta de beijos, ausências. Prolongadas ausências de morte. Não investigamos. É a morte sem lágrimas o resultado. Não vemos céu. Infância pequena e livre, selvagem. A beleza escondeu quase tudo: insegurança latente. A rejeição aos quinze, quatorze anos. Até os treze anos. Aliança com a igreja, o cheiro de incenso, o canto gregoriano, o latim, as madres misteriosas e atentas. A confissão e a culpa. Resultado exótico de escolhas. O exótico se afigura no imediato. A vida é o que somos aos olhos dos outros. Viver para o julgamento e percepção alheia. Ou representamos apenas para nós mesmos? O prazer interno determina o bom e o ruim. Quando conversamos uns com os outros nos damos conta de que os outros, ou nós mesmos, escutamos sem guardar as palavras, sem pensar, e respondemos divagando, resvalando, flutuando. Difícil atenção. Sempre a questão é o próprio prazer da escuta, não a escuta ela mesma. Não somos, de fato, interessantes. A psicanálise nos deu o médico e a doença. Da solidão à cura. No consultório, continuamos sem saber se somos importantes para o mundo, mas nos “entendemos” importantes, nós nos sentimos ouvidos, não importa que o custo valor-consulta nos pese, importa que que o resultado das histórias tenham eco. É cura entender a solidão: somos ouvidos pelos nossos ouvidos. Existimos. E a doença se cura aos poucos.
As pessoas no mundo, lá fora, não se apiedam da dor, sequer nos escutam ou veem. Retomam suas perspectivas ao som de outras palavras. E tantas vezes tentamos nos explicar, tantas vezes elas, as palavras, se explicam e repicam numa ladainha as próprias dores, que terminam por desaparecer. Os outros nada ouvem, contam. E nós nos escutamos através de nossas próprias palavras, dos livros que escolhemos e dos prazeres que nos damos. Somos o foco da interlocução que é um monólogo entre monólogos. A interrupção do telefone ou da campainha quando tocam: qualquer voz nos faz entender quanto e como estamos solitários neste mundo. Difícil dividir ou fugir aos parâmetros daquilo é o corrente; a novidade individual não interessa.
Ao escrevermos precisamos do leitor. Nós o buscamos a cada linha que se perde não no fato, na palavra ela mesma que nos enfeitiça enquanto as teclas caminham. Ausentes, desinteressados, desanimamos, recaímos no ostracismo descuidado de existir. O escrever preenche necessidade vital. De resto, o principal é tentativa, nem sempre sucesso ou fracasso, mas tentativa até chegar na morte branca e vazia. A tristeza engole o ostracismo. O bicho homem carece de afago. Deseja ser escutado, compreendido. Importante repartir o que estamos vendo, comendo, vestindo. A plateia do amor. Sou, eu também a plateia: as pessoas entram e saem da minha vida, não acerto o passo, o beijo. Não toco na harmonia de estar. Estou com saudade das expectativas jovens quando eu ainda tinha os olhos fechados.
Segundo as
Palavras de Mench-Hsi[2]
Quando alguém chegou à velhice
e cumpriu sua missão,
tem o direito de enfrentar tranquilamente
a ideia da morte.
Não necessita dos homens.
Já os conhece e sabe perfeitamente como são.
O que necessita é de paz.
Não convém visitar este homem, falar-lhe,
fazê-lo sofrer com banalidades.
Convém, antes, passar ao largo
diante da porta de sua casa,
como se ninguém vivesse nela.
Neste corpo já não mora mais ninguém, eu morri contigo.
Contudo, a ideia da morte não aconteceu. Então, não envelheci de todo. Não cumpri minha missão, necessito. Necessito enquanto lamento. Conheço o bicho homem, a generosidade precisa ser plantada. Quero paz e não consigo tocá-la. Eu me transformo, dia após dia, sou outra, e… A banalidade me enoja. Não choro. Não retiro esta mesmice da minha vida. Estas coisinhas de todo o dia. Mas sei que nesta casa não mora ninguém. Um pequeno rato assustado. Ou reduzida a um ser unicelular. O que eu faço para mudar o rumo destas coisas? Subserviente ao que exatamente? À minha covardia? Eu faço de conta que não vejo. Invento alegria. E brinco com as pedrinhas brancas separando das pretas. Elizabeth M. B. Mattos. Torres, 2009
[1] As palavras são uma máscara que raramente expressam de maneira correta o que está por trás; antes encobrem. A inteligência não é o que importa, mas sim a imaginação. P.37 in O círculo Hermético de Miguel Serrano.
[2] P.22 in O círculo hermético: Herman Hesse a C G Jung de Miguel Serrano.Ed Brasiliense.1970.
O QUE VEMOS NO ESPELHO, HOJE,
NÃO CONDIZ COM FOTOS ANTIGAS,
A CONTA NÃO FECHA, DIMINUI SEMPRE.
O OLHAR FICOU DIFERENTE, EMBASSADO.
O GESTO FICOU LERDO, DESCOMPASSADO.
O ESPELHO MOSTRA UM DESCONHECIDO,
A BELEZA REDUZIDA À MARCAS DE EXPRESSÃO, FORMANDO VINCOS,
SULCOS NA FACE E NO CORPO.
PERGUNTO DE ONDE VEIO ESTA MOÇA,
JÁ NEM TANTO, QUE REDUZIU TUDO,
A CAMINHADA, A CORRIDA, A VISÃO,
A AUDIÇÃO, A LIBIDO SEM PRESCRIÇÃO.
DIZEM QUE A IDADE TRÁS SABEDORIA,
QUERO A BURRICE ENTÃO, SE É ESCOLHA.
A CABEÇA PENSA, O CORPO NÃO OBEDECE,
PRA QUEM É 200W, 127W NÃO CONVENCE.
DEITAR JOVEM E ACORDAR ENVELHECIDO,
E TER QUE AGRADECER DE ESTAR VIVO,
SENÃO O UNIVERSO CONSPIRA E CONTRA.
A GENTE VAI LEVANDO, SE AJEITANDO,
TENDO QUE ACEITAR NOSSA CONDIÇÃO
DE TERMOS MENOS ATENÇÃO DAQUELES
QUE PREPARAMOS PARA VOAR NO MUNDO,
ONDE SUAS VIDAS SÃO TÃO CORRIDAS
E JÁ NÃO CABEMOS NESTE UNIVERSO.
PARA NÃO ESTARMOS SOZINHOS, TEMOS
QUE NOS REINVENTARMOS, ILUDIRMOS
COM ALGO OU ALGUÉM, CUJA MAGIA
VALHA A PENA E NOS DÊ SENTIDO,
SEM MEDO DE RESPIRAR, DE ASSUMIR
A REALIDADE DOS FATOS, DAS FOTOS.
SER INTEIRO DE NOVO, TEIMOSAMENTE,
ENTENDENDO QUE O CAMINHO É LEVE,
QUANDO O AMOR-PRÓPRIO SE SOBREPÕE
E ENCONTRAMOS SABORES NOVOS, DOCES
PRA DEGUSTARMOS NO ENTARDECER.
TE LEIO E PARECE QUE ME CHAMAS.
LÊS A MINHA ALMA, AMIGA.
COMO VIVER SEM BETH?
BOM FERIADO. BJUUUU
Rose Reis – fevereiro de 2024- Torres