NOUTRO mar a doçura do eterno

INTERIOR PEDRAS CROÁCIA MURADA

ESTOU CHEGANDO NA CROACIA

… aqui o cheiro deste céu azul. O calor da pedra. Não estou onde devo estar/ estou dentro da beleza que conduz a doçura forte e abrupta do eterno. Como pude deixar a vida ir tão lenta sem entrar num navio e me aventurar. O corpo envelhece estacionado… Pelo caminho estremeço: acorda o desejo acorda a loucura. Fecho os olhos. Posso ser conduzida pelo seu abraço sua palavra. Atenta e cega. Mar água azul amoras e amor, seu pensamento caminha junto ao meu. Cada dia engole o anterior, mas estica a noite e o gosto de anis. …sinto sua mão apertando meus dedos. A força atravessa o corpo e a leveza das roupas deixa transparente a juventude do seu olhar. O amor é /tem magia que transforma, e ou guarda o pedaço audacioso…  Feliz no sorriso do sol. A ilha acorda instinto desejo. Desenho escrevo frenética. Nenhuma sensação escapa. Fotografo desajeitada as pedras. Nunca mais  o meu mar. O mar Adriático apresenta Dubrovnik … E estamos em / na paz… Carrego/ amarro a liberdade estranhada de partir/ atravessar a vida. Jovem outra vez/ ainda/ quem sabe para sempre… Elizabeth M. B. Mattos. Croácia, julho de 2017. A sua viagem, na minha.

A BELEZA EXISTE NO ENTARDECER CROACIA

PLACA CROACIA MURO INDICATIVO

Detalhe importa o meu detalhe procura o  seu olhar.

RESTAURANTE BELO BELO CROACIA

QUANDO OLHO PARA MIM NÃO ME PERCEBO

ou ainda

DOIS MUNDOS: a palavra é aparência[1]

DEDO EM pé ACRESCENTAR

Dois mundos distintos adormecem dentro de nós: o conhecido encerrado no prospecto da infância e o que a vida au hasard nos mostra. Ao acaso?  Alguns acidentes determinam certos caminhos, podem ser até genéticos: sucesso, esforço, metas. O acaso. Talvez a melhor resposta, seja mesmo acaso.  E sabemos que não é, pois, a vida, a nossa vida, traçamos nós. Acusamos o acaso quando os equívocos, todos, são apenas nossos… O mundo é cinza porque o queremos cinza. Contudo, o temperamento fácil e leve, ou a raiva e a obediência são fatores agindo no homem geneticamente. Pré-disposições. Desculpas! A rigidez se desenvolve pela falta de beijos, ausências. Prolongadas ausências de morte. Não investigamos. É a morte sem lágrimas o resultado. Não vemos céu. Infância pequena e livre, selvagem. A beleza escondeu quase tudo: insegurança latente. A rejeição aos quinze, quatorze anos. Até os treze anos. Aliança com a igreja, o cheiro de incenso, o canto gregoriano, o latim, as madres misteriosas e atentas. A confissão e a culpa. Resultado exótico de escolhas. O exótico se afigura no imediato. A vida é o que somos aos olhos dos outros. Viver para o julgamento e percepção alheia. Ou representamos apenas para nós mesmos? O prazer interno determina o bom e o ruim. Quando conversamos uns com os outros nos damos conta de que os outros, ou nós mesmos, escutamos sem guardar as palavras, sem pensar, e respondemos divagando, resvalando, flutuando. Difícil atenção. Sempre a questão é o próprio prazer da escuta, não a escuta ela mesma. Não somos, de fato, interessantes. A psicanálise nos deu o médico e a doença. Da solidão à cura. No consultório, continuamos sem saber se somos importantes para o mundo, mas nos “entendemos” importantes, nós nos sentimos ouvidos, não importa que o custo valor-consulta nos pese, importa que que o resultado das histórias tenham eco. É cura entender a solidão: somos ouvidos pelos nossos ouvidos. Existimos. E a doença se cura aos poucos.

As pessoas no mundo, lá fora, não se apiedam da dor, sequer nos escutam ou veem. Retomam suas perspectivas ao som de outras palavras. E tantas vezes tentamos nos explicar, tantas vezes elas, as palavras, se explicam e repicam numa ladainha as próprias dores, que terminam por desaparecer. Os outros nada ouvem, contam. E nós nos escutamos através de nossas próprias palavras, dos livros que escolhemos e dos prazeres que nos damos. Somos o foco da interlocução que é um monólogo entre monólogos. A interrupção do telefone ou da campainha quando tocam: qualquer voz nos faz entender quanto e como estamos solitários neste mundo. Difícil dividir ou fugir aos parâmetros daquilo é o corrente; a novidade individual não interessa.

Ao escrevermos precisamos do leitor. Nós o buscamos a cada linha que se perde não no fato, na palavra ela mesma que nos enfeitiça enquanto as teclas caminham. Ausentes, desinteressados, desanimamos, recaímos no ostracismo descuidado de existir. O escrever preenche necessidade vital. De resto, o principal é tentativa, nem sempre sucesso ou fracasso, mas tentativa até chegar na morte branca e vazia. A tristeza engole o ostracismo. O bicho homem carece de afago. Deseja ser escutado, compreendido. Importante repartir o que estamos vendo, comendo, vestindo. A plateia do amor. Sou, eu também a plateia: as pessoas entram e saem da minha vida, não acerto o passo, o beijo. Não toco na harmonia de estar. Estou com saudade das expectativas jovens quando eu ainda tinha os olhos fechados.

Segundo as

Palavras de Mench-Hsi[2]

Quando alguém chegou à velhice

e cumpriu sua missão,

tem o direito de enfrentar tranquilamente

a ideia da morte.

Não necessita dos homens.

Já os conhece e sabe perfeitamente como são.

O que necessita é de paz.

Não convém visitar este homem, falar-lhe,

fazê-lo sofrer com banalidades.

Convém, antes, passar ao largo

diante da porta de sua casa,

como se ninguém vivesse nela.

Neste corpo já não mora mais ninguém, eu morri contigo.

Contudo, a ideia da morte não aconteceu. Então, não envelheci de todo. Não cumpri minha missão, necessito. Necessito enquanto lamento. Conheço o bicho homem, a generosidade precisa ser plantada. Quero paz e não consigo tocá-la. Eu me transformo, dia após dia, sou outra, e… A banalidade me enoja. Não choro. Não retiro esta mesmice da minha vida. Estas coisinhas de todo o dia. Mas sei que nesta casa não mora ninguém. Um pequeno rato assustado. Ou reduzida a um ser unicelular. O que eu faço para mudar o rumo destas coisas? Subserviente ao que exatamente? À minha covardia? Eu faço de conta que não vejo. Invento alegria. E brinco com as pedrinhas brancas separando das pretas.  Elizabeth M. B. Mattos. Torres, 2009

[1] As palavras são uma máscara que raramente expressam de maneira correta o que está por trás; antes encobrem. A inteligência não é o que importa, mas sim a imaginação. P.37 in O círculo Hermético de Miguel Serrano.

[2]  P.22 in O círculo hermético: Herman Hesse a C G Jung de Miguel Serrano.Ed Brasiliense.1970.

O QUE VEMOS NO ESPELHO, HOJE,
NÃO CONDIZ COM FOTOS ANTIGAS,
A CONTA NÃO FECHA, DIMINUI SEMPRE.
O OLHAR FICOU DIFERENTE, EMBASSADO.
O GESTO FICOU LERDO, DESCOMPASSADO.
O ESPELHO MOSTRA UM DESCONHECIDO,
A BELEZA REDUZIDA À MARCAS DE EXPRESSÃO, FORMANDO VINCOS,
SULCOS NA FACE E NO CORPO.
PERGUNTO DE ONDE VEIO ESTA MOÇA,
JÁ NEM TANTO, QUE REDUZIU TUDO,
A CAMINHADA, A CORRIDA, A VISÃO,
A AUDIÇÃO, A LIBIDO SEM PRESCRIÇÃO.
DIZEM QUE A IDADE TRÁS SABEDORIA,
QUERO A BURRICE ENTÃO, SE É ESCOLHA.
A CABEÇA PENSA, O CORPO NÃO OBEDECE,
PRA QUEM É 200W, 127W NÃO CONVENCE.
DEITAR JOVEM E ACORDAR ENVELHECIDO,
E TER QUE AGRADECER DE ESTAR VIVO,
SENÃO O UNIVERSO CONSPIRA E CONTRA.
A GENTE VAI LEVANDO, SE AJEITANDO,
TENDO QUE ACEITAR NOSSA CONDIÇÃO
DE TERMOS MENOS ATENÇÃO DAQUELES
QUE PREPARAMOS PARA VOAR NO MUNDO,
ONDE SUAS VIDAS SÃO TÃO CORRIDAS
E JÁ NÃO CABEMOS NESTE UNIVERSO.
PARA NÃO ESTARMOS SOZINHOS, TEMOS
QUE NOS REINVENTARMOS, ILUDIRMOS
COM ALGO OU ALGUÉM, CUJA MAGIA
VALHA A PENA E NOS DÊ SENTIDO,
SEM MEDO DE RESPIRAR, DE ASSUMIR
A REALIDADE DOS FATOS, DAS FOTOS.
SER INTEIRO DE NOVO, TEIMOSAMENTE,
ENTENDENDO QUE O CAMINHO É LEVE,
QUANDO O AMOR-PRÓPRIO SE SOBREPÕE
E ENCONTRAMOS SABORES NOVOS, DOCES
PRA DEGUSTARMOS NO ENTARDECER.
TE LEIO E PARECE QUE ME CHAMAS.
LÊS A MINHA ALMA, AMIGA.
COMO VIVER SEM BETH?
BOM FERIADO. BJUUUU
Rose Reis – fevereiro de 2024- Torres

LIZA Eliza liza beth iza

Dividimos categorias nas nossas relações afetivas. Quando jovens queremos amor. E os amores atropelam a vida: misturados, sobrepostos como roupas de vitrine: blusas sobre camisetas, mantas, casacos sobre saias sobrepostas em volume. Moda no acúmulo de graça. Sim, namorar, beijar e abraçar graça. Graça de estar vivo. Então, nós mulheres atropelamos o amor em conversas confidenciais, intimistas. Atropelamos o amor com vinho e morangos. Atropelamos com ciúmes e lágrimas. Atropelamos com tapas e beijos. Tudo o ser amado e amante escuta, gosta, cheira e aperta, acha graça nesta graça. O amor dos vinte anos é assim em camadas coloridas, turbulentas, ferventes. Depois vem o desejo de confiar, excluir, engolir o amor todo e escondê-lo lá dentro na caverna gulosa. O outro não é da vida, mas propriedade exclusiva. O outro não é parte da rosa desfolhada, mas, único. E deste único ficamos vazios, e depois nos apercebemos do vazio de estar velho. Ficamos nus. Sem roupa e sem cor, ao natural esquecemos que ainda é vida a vida. É vida mesmo sem o amor amor aquele já gasto pelos jovens. É vida na lágrima e na febre. É vida na saudade. É vida para se fazer. Tudo abastece a chama de amar o amor: olhar o rio o mar as flores. E o céu as árvores varrer a casa pintar bordar. Escrever e consertar …. Amar é sentir a vida na tristeza na raiva na surpresa e na luz.

Ficar velho é amar mais e desordenadamente.

“…,não feliz não, isso nunca fui, mas desejo que a noite não acabe jamais nem volte o dia que faz os homens dizerem: Vamos, a vida passa, é preciso aproveitar. Aliás, pouco importa que eu tenha nascido ou não, que eu tenha vivido ou não, que eu esteja morto ou apenas moribundo, farei do jeito que sempre fiz, na ignorância do que faço, de quem sou, de onde estou, se é que existo. Sim, tentarei criar, para tê-la em meus braços, uma pequena criatura, feita à minha imagem, não importa o que eu diga. Vedo-a malfeita, ou excessivamente semelhante, eu a comerei. Então ficarei sozinho por um longo tempo, infeliz, sem saber como deveria ser minha oração, nem para quem[1]

Depois de Beckett eu já não sei do que Liza está escrevendo. Sobre o amor? Elizabeth M.B. Mattos  –  Rio de Janeiro, 2009.

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[1] Beckett, Samuel. Malone Morre.

 

do livro pra lembrança

A memória de amores amados (a vida com amor plural, um repente) acolhe fala/diz/explica, no mesmo idioma, o sentido do relevo neste mapa … Singeleza generosidade. O bom olhar, a doçura. Se amor houve há de deixar marcas na pele, no corpo da memória. Carrego saudade tristeza lágrima e sorriso misturados em boas e más lembranças. E amados amores! Elizabeth M.B. Mattos – Torres, julho 2017

“Contudo, quando já o imaginava apagado por completo da memória, reapareceu por onde menos o esperava, convertido em fantasma de suas saudades. Foram as primeiras auras da velhice, quando começou a sentir que algo irreparável acontecera em sua vida sempre que ouvia trovejar antes da chuva. Era a ferida incurável do trovão solitário, pedregoso e pontual, que retumbava […] e cuja lembrança ia ficando mais recente com o passar dos anos. ” (p.276) Gabriel García Marques, O Amor nos Tempos do Cólera, Editora Record, segunda edição, Rio de Janeiro, 1985.

ESTOU DE COSTAS OLHANDO UMA ESCULTURA LINDA foto

 

um pedaço de biografia

“ A estrada seria longa. Todas as estradas que levam ao que nosso coração almeja são longas. ” Joseph Conrad   A Linha de Sombra

Março 2004 – Páscoa:

Balonismo depois do furacão Catarina que assustou, assombrou Torres. Fui demitida da galeria Garagem de Arte no dia primeiro de abril, e não era uma piada. Engasgada gelada assustada avisei filhos, irmãs, – faço o registro do medo, mas logo pensei: novos tempos novos rumos. De certa forma atordoada, mas livre (havia escravidão peculiar a servir/ter chefe e metas a cumprir) e, desavisadamente, aliviada. Agora conto a história de ser marchand em mar aberto … sigo o rastro deste recomeçar, ainda outra vez, tantas vezes recomecei! Sair das cores. Da magia, da vida de amigos pintores, colecionadores, artistas …  Por algum tempo toquei na luz. “E o tempo também caminha – até que se percebe logo adiante uma linha de sombra avisando – nos que também a região da mocidade deverá ser deixada para trás”.

Voltei para casa, para dentro de mim mesma, desertei da vida porto-alegrense, e me perguntei, e agora? Dar as costas para aquele mundo foi um ritual de passagem. Conheci o paraíso de ser eu mesma depender apenas de mim, … e cheguei ao inferno do medo.

“ Mas eu não senti receio. Eu estava suficientemente familiarizado com o Arquipélago por aquela época. Paciência extrema e extremo cuidado me levariam através desta região de terras quebradas, de ares tênues e águas mortas até onde eu sentiria enfim meu comando balouçar nas grandes vagas e inclinar-me com o grandioso sopro dos ventos regulares, que dariam a ele a sensação de uma vida mais ampla, mais intensa. A estrada seria longa. Todas as estradas que levam ao que o nosso coração almeja são longas. Mas esta estrada meu olho mental podia ver num mapa, profissionalmente, com todas as suas complicações e dificuldades, mas, ainda assim, bastante simples de certa forma. Ou se é um marujo ou não se é. E eu não tinha dúvidas de que era um deles. ”

Como eu me senti quando cheguei a primeira vez na galeria? Não sei dizer, mas Joseph Conrad soube explicar:

[…] “, eu sabia que, como algumas raras mulheres, este navio era uma daquelas criatura cuja mera existência é suficiente para provocar um prazer desinteressado. Sente-se que é ótimo estar no mundo que ela habita.  […]. Meia hora mais tarde, pondo meus pés em seu convés pela primeira vez, fui possuído pela sensação de profunda satisfação física. Nada poderia igualar a plenitude daquele momento, a integridade fantástica daquela experiência emocional que chegou a mim sem preliminar fadiga e desencantos de uma carreira obscura. ”

Eu me desligara da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) com a ideia de me aventurar em Belo Horizonte, pois é, uma vez tive esta enlouquecida e amorosa ideia de ser mineira, e comecei a tecer planos que se desfizeram diante da morte de Sonia Maria (minha amiga que se mudava para Belo Horizonte), e o tal namorado um engodo. Foi tão estranho e doloroso! Tudo se enrolou numa rede de fantasia, e de repente, não era mais nada para ser daquele jeito. A morte é definitiva; sinal de limite. Estranho! E minha vida tem estes sinaleiros, anjos, ou faróis a mostrar o caminho …  Não, este lugar não te pertence, nesta ilha não podes descer, este homem não podes ter. Este jardim não é teu. Foi sentimento, encantamento e magia a galeria. Lentamente o amor cobriu o espaço inteiro, e eu estava viva como que hipnotizada pelas esculturas. O mesmo sentimento de pertencimento que senti com os alunos do Colégio da Providência no Rio de Janeiro. Um passo e já fazes parte. O encanto da chegada, e depois a demissão. Posso lembrar dos dois dias. Carteira de Trabalho assinada e depois aquele podes ir emboraHoje, agora. Vais receber o que é preciso … E a vida tomou outro rumo. O imprevisto, o gozado e o estranho … eu sabia que alguma coisa já tinha mudado, e havia a tal moça rondando. Não foi surpresa, foi previsível, mas não me impediu de ficar chocada ao  sair, dar as costas, ir embora. Ao manejar o veleiro de Conrad e levantar a cabeça, – faço uma leve analogia com o curso da vida em determinado momento (assumir a galeria primeiro, e ser demitida de supetão), é como estar em grande tempestade, mas não se pode desistir, ao contrário, é preciso ficar mais forte, mais destro, mais corajoso. É preciso assumir e agarrar a vida. Eu nunca pediria demissão, não ia fazer isso comigo. Eu já tinha abandonado o meu concurso do magistério no Estado num gesto de rebeldia e prepotência. Eu já tinha sido gentil e tolerante. Eu já tinha usado da humildade. Eu já tinha sido Beth, agora eu era Elizabeth, não contestei naquele momento, contestaria mais tarde, no momento certo. Contenção de despesas foi a boa explicação.

Eu era ainda suficientemente jovem, estava ainda demais deste lado da linha de sombra, para não ficar surpreso, indignado com tais coisas. ”

Eu teria que recomeçar. Retomar. Eu ia começar outra vida, como Isabel ou como Liza. Tinha sido contratada no dia 10 de julho de 2001. Saída efetiva na Carteira foi no dia 5 de abril de 2004.

Havia no ambiente uma estranha tensão que começou a me deixar incomodado. Tentei reagir contra esta vaga sensação. […]

No rosto daquele homem que eu julguei ser muitos anos mais velho que eu, tornei – me consciente daquilo que já havia deixado para trás — minha juventude.  E isso isto era realmente um parco consolo. A juventude é uma coisa maravilhosa, um poder incrível — enquanto não se começa a pensar a respeito. Eu senti que estava começando a ficar consciente de mim mesmo. Quase contra a minha vontade assumi uma melancólica seriedade. ”

Reencontro com Joseph Conrad – A linha de Sombra: (The Shadow Line) – Uma Confissão

CARTEIRA DE TRABALHO COMPLETACARTEIRA DE TRABALHO

fora do corpo

A liberdade passa a ser a medida em que nos vertemos em atos que sejam a nossa liberdade. Somos nós nos atos e portanto responsáveis por eles. Já tu passas o tempo buscando descobrir se te amo ou não…” (p.91) Paulo Hecker Filho, Juventude, Editora Sulina, 1998.

LIVROS PHFilho

Encontrar Paulo Hecker Filho foi encantamento, ou a melhor aventura. Fica decidido, não marcaríamos encontro. Nada de pessoa com pessoa. Apenas nos escreveríamos. E assim foi. Cartas diárias enormes galopavam / galoparam entre Porto Alegre e Torres: confessionais, ditatoriais, descritivas, apaixonadas, queixosas… Ele como pai, amigo, amante, inimigo e aliado. Exercia todos os papéis. O mar era meu, a cidade dele.

Lajotas vermelhas do apartamento. Sacadas, o cheiro de maresia conversavam / conversam. O paraíso, minha liberdade. O dia passava pelas cartas, e a rotina pelos alunos. Eu  viajava na imaginação. Amores amados ferviam. De P.H.Filho livros autografados: saborosas dedicatórias. Saudade do amigo.

AMAR  o amor tem destas coisas loucas inexplicáveis, o sentimento derrapa, resvala, anda, vai e volta. No mergulho vemos o que não se pode ver/ter uma segunda vez.  O fundo do mar / da terra  se move, tudo sai do lugar, e nunca é o mesmo, já não somos…

Sinto frio. Aquele gelado  que não tem abraço: escolhi o mais difícil. A liberdade não está ao alcance…  Ao alcance das mãos,  nem da cabeça, mas solta na alma. Não domino sentimentos que me afastam, ou aproximam desta ou daquela pessoa. Eu sou EU.  A natureza de ser/ter/ estar se altera no cansaço, no corpo físico, e por dentro… Sou como sinto: ou como enxergo ou me  imagino ver / não vejo. Contraditório. Um exercício. E.M.B.Mattos, julho de 2017. Torres.

Volto a um velho texto de um velho livro: “Existem numerosas espécies e gêneros de hortaliças, porém todas, segundo nossos princípios de classificação, jazem no lodo. Crescem aí e aí são colhidas. Batatas, tomates, chicória e nabos. Seres não – humanos e seres humanos. Alterando a analogia, poder – se – ia dizer que vivemos vidas que estão encaixadas desde o nascimento à morte. Desde o ventre de que nascemos à caixa da família, da qual progredimos para dentro da caixa da escola. Quando saímos da escola, já nos tornamos tão condicionados a viver numa caixa, que, daí em diante, erigimos própria caixa, uma prisão, um receptáculo em nossa volta… até que, finalmente com alívio, somos introduzidos no caixão ou no forno crematório. ” (p.35) Davis Cooper, – Psiquiatria e Antipsiquiatria, – Editora Perspectiva, Coleção Debates, São Paulo 1967

FOTO ATUAL desenhada MINHA

Agosto de 2019 – Torres depois de reler / retomar / corrigir erros, refazer. Pensar em tudo refazer… Este hoje de agora se agiganta e   quer ser tudo e muito. Releio e agradeço ter sido o texto pontuado: as caixas precisam ser ventiladas, reeditadas, ou melhor, reorganizadas.  É preciso voltar e ficar ao mesmo tempo. Ou apenas empilhadas?  Imagino a sala tomada! Caixas e cadernos, colorida. Então olho nos teus olhos e começamos, devagar, sentados nos degraus da escada,  a levantar /abrir tampas: uma e outra, todas. Nos permitimos investigar / ampliar / questionar cada item / cada laço de fita, foto / cartão e desta memória enfiada em caixas saltam outras memórias irrisórias, e já costuramos outra memória, apenas nossa, particular, compartilhada e maior.  E nos colocamos, tu e eu, nesta outra caixa, a nossa. Beth Mattos

Assim mesmo não dou conta de/do limite destas caixas pré ajustáveis,  ineficazes, angustiantes, as nossas evidentes caixas- casas: caixa amor- casa/caixa despedida, caixa desejo. Caixa sexo, caixa rotulada, caixa rebelde. Caixa casamento. Caixa maternidade. Caixa liberdade. Caixa de amor, de sedução. Na verdade por toda escolha, qualquer escolha há que se fechar nela mesma na pequena jornada daquele específico atalho/penhasco/ labirinto. Abandonar tantas coisas! Ou guardar em caixas esquecidas/congeladas. Tantos sonhos perdidos! Tanta vontade de ziguezaguear… Seria interminável! Não haveriam caixas, mas o infinito…

CAIXASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS

escorregando no domingo

Acordei cedo. Acordo cedo porque durmo muito cedo. E mesmo se não durmo eu me enfio na cama para que a noite passe mais depressa, nunca penso que posso preencher o tempo escrevendo, lendo, pensando. Ou vendo um filme. Acabo não vendo filmes nem televisão. Tenho sempre a preocupação de fazer o que preciso fazer, e antes vem a leitura, ou escrever. Tem um ANTES tão grande que só ligo a televisão se estou com sono. Então ouço notícias aterradoras e mais uns minutos desligo, não penso nada, e não faço nada, as notícias do que acontece assombram…

Antes de pensar em alguma coisa eu me enrolo numa manta qualquer e desço para o gramado com a Ônix, – ela é comportada e companheira, se não levo “se aguenta”, acho uma judiação não pensar nela primeiro, penso.

A ideia de escrever sobre um dia chegou enquanto lavava a louça, depois do café, depois de fazer mil pequenas coisas…

Abro todas as cortinas para o dia entrar. Vejo o amanhecer. Tenho muita luz, e toda a Serra do Mar, a Lagoa do Violão. Gosto de piano: hoje escolhi Mozart, – uma coleção antiga de Digital Classic, Piano Concerto número 26 em D major e repito e repito muitas vezes. Gosto de café preto, pão e manteiga, salame e queijo, e um copo d’ água gelado. Foi quando Luiza nasceu que enjoei do café com leite (sentia o cheiro da vaca no leite) É engraçado! …(bom tempo da vida na fazenda) Bebo este preto que não é forte. Hábito novo, e abraço a rotina … Volta inteira na lagoa, ou meia volta, mas caminho. O dia abre as portas. Em casa separo papéis, livros, abro caixa, e, …repasso a vida em foto, recorte de jornal. Lenta muito lenta: um detalhe, uma fita e já estou a lembrar ,e, … aquela vontade de dizer volta. Antes as mensagens do celular, responder, espiar, conversar com quem está acordado também. É preciso saber desligar porque uma hora duas horas podem passar nesta brincadeira. Aliás não se trata de jogo, mas de estar na vida, aquele virtual que faz parte do amoroso do fraterno da ideia de dividir estar/ participar.  Não sou organizada, sou inquieta, agitada. E faço mil coisas ao mesmo tempo, se não são exatamente quinhentas, são três ou quatro, duas… E já estou limpando aqui e ali, os travesseiros precisam de sol, as cobertas também. E vou aspirar o tapete, e sacudir os lençóis, lavar o que ficou para trás. Escovar, varrer pode ser tudo ao mesmo tempo. E sempre foi assim. Talvez o hábito deste matutino tenha se aguçado no internato. Não éramos obrigadas a assistir à missa diária, mas eu gostava e…

os cantos gregorianos e o latim sabia par coeur …o monástico sempre me atraiu, no ritual ao silêncio. É da minha natureza e fazer/ limpar/ polir e ordenar, sou assim. E tudo está na maior desordem. Estar no evento tanto quanto me isolar, servir, sou eu. Servir como ação singela e boa, o lado leve da vida seria estar à disposição do outro. Agora, vivo sozinha, mas sigo o ritual. Às vezes a mesa das refeições é especialmente cuidada: louça, guardanapos, talheres e cestas… Gosto. E como só tenho uma mesa grande, ela se faz escrivaninha, se faz deposito de caixas e papéis, lugar de frutas. As refeições com o colorido de mesa viva ; os potes de geleia, uma jarra, a frutas, livros e computador. No meu imaginário teria um pequeno vaso com anêmonas, ou margaridas ou até um ramo de hortênsias azuis. Mas não tenho flores dentro de casa, mas gosto delas. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2017 – Torres

quase sempre de amor

Quase sempre de amor, escritos de Anita de Athayde Mattos

 

Não quisemos fazer do sucedido um espetáculo fadado a marcar na lembrança dos outros o admirado e comentado acontecer que marca um casamento quase sempre de amor …

Dele fizemos deste celebrado ato uma festa de amor tão somente.

Festa do amor mais elevado que pudesse morar aqui na terra e por motivo algum jamais se amortalhasse na extrema semelhança com qualquer outro amor já revelado…

Foi desde o princípio livre e de qualquer preconceito despojado.

Integro, ele jamais foi maculado regido pela crença bem maior de que sem sustos nem suspeita deveria seguir inalterado pelos duros caminhos do viver…

Nós o levamos pelo mundo protegido da inveja e da calúnia que o perseguiu sem tréguas pelos anos…

Nós o guardamos com fervor encouraçado ao peito.

Nós o protegemos contra o sofrer das ilusões que se perderam pela conquista de um maior destino.

Nós o sustentamos com o maior avaro zelo sem nunca revelar o segredo de sua força.

Só agora o deixamos derramar-se nos frutos que cedo recolhemos no decorrer desta trilha quase sempre de amor…

Quase sempre de amor foi nossa vida tão vivida e tão dura sem que nunca lhe sentíssemos agravos, pois foi doce também. E, no travo da doçura, nunca deixamos que a saudade de nós mesmos e as amarguras que tivemos acordassem a loucura de esquecer que levamos uma vida quase sempre de amor.

Foi o segredo do maior amor que carregamos audaciosos e felizes e por tantas vezes invejado da pobre gente que ficava à margem, sem ter nunca podido contemplar na face este amor maior que nos marcou a vida… Rio, 11 de outubro, 1967, – Anita de Athayde Mattos.

te escrevo

às vezes sinto raiva, às vezes desejo, outras saudade, depois esqueço. Depois escrevo e me respondes … logo te arrependes. Compreendo. Não decido, exijo, esqueço, apago … fecho os olhos, não durmo, e escrevo … recomeço. E outra vez já não me queres. E.M.B.Mattos

“Não há nada que ensine mais do que se reorganizar depois do fracasso e seguir em frente. Mas a maioria das pessoas fica paralisada de medo. Elas tem tanto medo do fracasso que acabam fracassando. Estão condicionadas demais, acostumadas demais que digam o que devem fazer. Começa com a família, passa pela escola e entra no mundo dos negócios.”(p.53) Charles Bukowski – O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio – Porto Alegre, L&PM, 1999.

não estás no meu abraço

Volto a te escrever com expectativa de te ver. Quero que compreendas a importância da tua presença e da tua ausência. Eu me sinto isolada e sozinha, sei que sabes o quanto. Usufruo da beleza é verdade. Tenho montanha, tenho mar, tenho rio, e tenho a lagoa, mas não estás comigo. Os livros aquecem, conversam entre eles, conversam. Consolam a menina, a mulher, a pessoa… Sem inverno, sem excessos. Durmo bem, mas repito, teu abraço me faz falta. Como posso me despir das letras? Tuas palavras, teu pensamento, teu dizer/contar me fizeram escrever escrever e escrever. Sei que não lês, já não me importa. Sou movida por teu vigor. Tuas palavras removeram tristeza/nostalgia/ isolamento, consegui me encontrar com o espelho, e certezas perdida: tudo foi presente, já faz um ano que abro pacotes, caixas e me sinto feliz, recomeçando. Eu toca nas tuas escolhas, teu colorido, tuas buscas e aventuras e me completo. Pequenos e grandes sonhos. Tua coragem. Eu te admiro por tudo que és hoje / agora / neste momento. Eu me sinto incluída embora tenhas me excluído. Tens razão quando dizes: Nada é mais sensual do que envelhecer juntos sem vergonha da nudez.Ou quando me enfeitiças afirmando:  vou viajar e te despir lentamente …, e vou levar 50 anos até terminar. Elizabeth M.B. Mattos, Torres 2017.

P.S. Temos tanto e muito em comum! O que importa.

Vem, meu-bem-amado, diz Espinosa; saiamos ao campo; vamos morar nos campos. Levantemo – nos de manhã para ir ver as vinhas; vejamos se elas começam a brotar; se os laranjais florescem; se as flores de nossas árvores vingam e nos prometem frutos. Não há uma palavra dessas que não exale um ar de solidão e as delícias da vida campestre. Quer seja o amor que, ciumento de sua liberdade, gosta dos campos descobertos, onde passeia seus devaneios e deixa expressarem – se por vontade própria seus desejos impetuosos; quer seja uma pessoa avessa ao tumulto e que se apraz em cuidar de si mesma, que busque os lugares retirados, cujo silêncio e a solidão enredam seu ócio sempre ativo; quer seja outra causa que o faça gostar do campo, uma coisa é certa: isso tudo o encanta. Mas há um tipo de amor que enche o coração de delícias: costuma ser o amor em seus primórdios. Este gosta dos jardins, das flores, dos campos cultivados e agradáveis, que com seu rosto sorridente, se posso falar desse modo, servem para nutrir suas alegrias. Ao contrário, há um amor enlouquecido, desesperado, levado ao extremo por ausências, privações, desdéns do amado e pelas suas próprias violências. Este gosta dos lugares assustadores, onde vê, como eu disse, suas desolações vivamente representadas. ” (p.35) Rainer Maria Rilke, – O amor de Madalena. Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda. São Paulo, 2000 – (edição trilíngue).

Voilà les admirables et les mystérieux détours de l’ amour penitente, qui s’ avance em fuyant, qui se met em possession em rejetant em quelque manière le bien qu’ il poursuit.

OBRA DE RILKE

 

Transformações HERMANN HESSE tradução de LYA LUFT

Uma violenta pulsão nos impele

A romper a mudez das coisas,

E com palavras, gesto, som e cor,

Exprimir o mistério do ser.

Aqui jorra a clara fonte das artes,

O mundo luta: pela palavra pela revelação,

Pelo espírito, e iluminado, anuncia

A eterna experiência pelos lábios humanos. ”

PINTURA de HERMANN HesseTEXTO DE HERMAN HESSE

TRANSFORMAÇÕES de Hesse