resposta em alto mar

…esvazio o pensamento no mergulho. Nadar, –  água e corpo conversam. Músculos se movimentam, …eu acho/imagino. Poucas certezas,  …saber passou a ser raso! Dinheiro enrolado em poder, insano desejo de ser/ter mais e mais (desacreditado desgoverno de governar), e as palavras se diluem. Setenta e um, já pensando em oitenta e um. Se inverto seria dezoito, ou terei 91 anos? Aos dezenove a vida já era casamento filho e fazeres domésticos: flores nos vasos beleza na voz música folhar revistas e jogar cartas. Beijar o marido.

Eu me escondo na idade, afirmas. Bom que consigo me esconder! (sorrindo) Sou tão evidente e transparente! Depois da entrega, deste desnudar constante, deste amolecimento interior, desta indolência de amar,  …  nenhuma certeza. Lembro da moto possante, – Montevidéu até  Punta del Este, jantar no Floreal. Não cursei medicina, nem direito, nem conheci Che Guevara. Se Iberê Camargo fosse vivo explicaria. Se Paulo Hecker Filho vivesse teria respostas. Se pudesse conversar com Flávio Tavares descobriria de sobreviver. Se eu estivesse e estou apaixonada deixarei de sofrer. Se Tia Joana olhasse para mim fecharia os olhos. Se apreendesse inglês não interromperia a leitura. Amanhã iremos até a Urca: o Rio de Janeiro pode ser sempre mais e mais lindo ainda, explica a vida.. Estou febril no prazer apertado de teu beijo. Sufoco: cheiro tua voz. Eu te belisco. Amoleço o corpo em teus braços… Sem falar.  Elizabeth M.B.Mattos / Torres, outubro de  2017

LIVROS e ESTANHOS LINDA FOTO

não vá incendiar o bife

Escrevo e conto, todos os dias:  o gato, a rua, aquela caminhada preguiçosa. O sono, o livro que terminou, o copo de vinho.

…penso, penso penso e…

Durmo imagino acordo penso outra vez, e me escandalizo: palavras. O bife flambado, o fogo. Estabanada (uma colher de sopa a medida, por favor, não vá incendiar o bife).  O país pegando fogo, a desaparecer enlouquecendo e eu. Eu no rompante a namorar. Beijo e tempestade. Medo estremecimento de loucura. Intenso pequeno e avassalador. Por isso nos abraçamos e somos tão ligados um no outro. A gente não ama do mesmo jeito, desesperador, eu digo. Sempre a pensar que vamos amar mais e melhor, ou que não é ainda amor, medida estranha! Eu te gosto: dizer não significa nada. E respondes: para mim significa… E eu te amo porque acreditas. Elizabeth M. B. Mattos – outubro 2027 – Porto Alegre

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Pierre Bonnard

não se explica

… cartas se amontoam … não consigo dizer o que pretendo, ou penso confessar. Sem importância a palavra … não, tens razão, importante, verdadeiro. Confissão amorosa tem espelho.  Vidro mágico que reflete/guarda e anuncia … o que se esconde está visível. Presente/junto/escondido, e transparente … invisível. A coerência é incoerente, com certeza. Digo nego afirmo, e desespero … a cada encontro. Agitas remexes dominas … transcrevo o que sentes, ou és tu a repetir o que sinto. E sou tu: nós dois ao mesmo tempo. Estás aqui ao meu lado, olhando tocando. Não compreendo. Não entendo. Não se explica. É louco e impossível. Somos dois. Não somos.

astrid

astrid meu retrato

impaciência do amor

Esta coisa de escrever e amar e apaixonar e ferver sendo levada de roldão enlouquece. Nunca estou pronta, e de repente já aconteceu, estou apaixonada. Não esqueci nada: sofrimento ausência perda encontro. Mas, quebro barreiras, acordo insone, durmo apressada para ser amanhã: amanhã estarás comigo.

Já no final do livro de Karl Ove …,apego pela escrita deste norueguês que gosto tanto! Desgovernada saudade, encontro o recado para essa audácia do desvio de se contar… Escrever amassar o papel seguir insistir, e de repente… o texto. Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2017 – Torres

“O sentimento que eu tinha era incrível. Eu tinha passado mais de dez anos sem conseguir nada, e de repente, do nada, bastava escrever. E o que eu escrevia era de uma qualidade que, em comparação com o o que eu havia feio antes, me surpreendia todas as tardes, quando eu relia o que tinha escrito durante a noite anterior. Era como uma embriaguez, ou como o andar de um sonâmbulo, uma situação em que eu estava fora de mim mesmo, porém o mais estranho neste caso foi que a sensação era contínua.”(p.578) Karl Ove Knausgard Minha Luta 5 – A Descoberta da Escrita

eu outubro ainda

desafio

trilha de cogumelos

A mesma coisa já foi escrita. Exercício contínuo de acompanhar letra palavra pensamento…, quase nulo! Escrever o que vivi, aquilo que passou. Escrever mentalmente: revisito/ percorro os anos. Não sei contar, – tanta coisa esquecida! Confundida! O tracejado de textos lidos, de livros sublinhados, anotados. Corro na memória, atravesso amados amores. Paixões inquietas. Olhar de buscar/ver/ enxergar. Nunca me aquieto.

É preciso serenidade. Aplacar saciar a menina. Investigo. Há que buscar a linha certa que desarma arma descobre o amor.

O dia se estende manso, lento. Não estás comigo! Ausência prolongadaaaaaaa. Insaciável desejo de presença, a tua. Rasgo a tarde a te procurar num não sei onde. Escurece e volta a chover, mas o sol espiou o mar.

Estás no mesmo lugar. Estás a rir do esconde-esconde. Não importa. Ah!  Já de volta!.

…eu te abraço, escutamos Mozart outra vez, sempre. Durmo enfiada nos teus braços. Esqueço de beber o vinho, embriagada. Como vou descrever a vida? Presente nesta ausência. Já digo/conto do sonho com minha mãe. Colorido, detalhado: eu a tomei nos braços e dançamos. Ela sorrindo… E na valsa rodopiamos. Espreguiças. Atropelo teu olhar falando falando falando, interminavelmente… Explico das pedras, dos cogumelos fotografados…  Sorrindo. Sorrindo estás.  Infindável discurso da Liza, tu pensas, mas segues a escutar. Procuro o livro que lia ainda ontem: eles se movem pulam de uma mesa para outra. Esperas. Então leio em voz alta: “Nossos desejos são ilimitados, porém sua realização é estritamente cerceada. O ‘ se pudesse’ esbarra a cada momento no ‘não pode ser’. A vida nos obriga a nos contentarmos sobriamente com o que podemos obter. Umas poucas coisas nos sãos outorgadas, muitas nos são negadas: a esperança de que algum dia ser-nos-ão concedidas é e sempre será um sonho. Um sonho paradisíaco, bem entendido: pois no paraíso, certamente aquilo que é proibido e aquilo que é permitido, tão opostos nesse mundo, não serão mais que uma coisa só. ” (p.136) Thomas Mann As Cabeças Trocadas  Edição da Livraria do Globo -1945 -,

E o texto se mistura à conversa enquanto bebemos café preto amargo o meu, doce o teu. Digo sorrindo: não sabes/conheces o gosto do café…

Já estás atrasado.

Elizabeth M.B. Mattos – Torres, 14 de outubro de 2017 –

cogumelos na beira da lagoa bonito

cogumelos no gramado

Seu rosto, que devia ter sido belo, conservara-se inteligente. Era um rosto oval com traços fortemente marcados. Os olhos eram de um azul muito profundo e resolutos. Seu olhar começava com uma nota de desafio, mas abrandava -se no que parecia um deliberado desfalecer da pupila na íris, revelando, por um instante, um temperamento de grande sensibilidade. A pupila recompunha – se rapidamente e aquela natureza, apenas revelada, recolhia -se de novo ao reino da prudência.” (p.107)  James Joyce – Dublinenses

tempo para pensar

…. diante de um cruzamento o susto, a dúvida. O que parece essencial não é. Eu me descuido do importante, escorrego … Confusa errada, ou atrapalhada? Transito no meio de quem pode, de quem sabe, e de quem tem. Não posso, não tenho.

Preciso começar do/no começo. Elizabeth M.B.Mattos – outubro de 2017 – Torres

pedras calçamento

 

 

 

imagem conversa

gramado

Se a palavra confunde, a imagem explica, …

sentimento transborda depois encolhe.

…quero música, dança, …

Se choro não é dor nem pesar, nem raiva, nem desespero (desespero imobiliza) … a lágrima chega em/na emoção pequena, perfeita.

Não posso tocar, sinto e transbordo. Elizabeth M.B. Mattos – outubro de 2017 – Torres

poça

 

 

presença

mae e objetos

tua presença ausente se estica … teu olhar teu traço teu rastro na história de contar … sinto  falta sinto saudade durante a manhã que abre o dia, a tarde  e ao anoitecer também sinto tua falta. Volta logo! Te apressa! Não me deixa sozinha! Eu me estranho neste medo. A saudade espeta, sangra, aperta …és tu que te aproximas no sorriso! Sou eu que carrego tua voz, tuas cartas, teu amado amor que se derrama … Elizabeth Beth Mattos, Torres – outubro de 2017 –

brejeirice de um beijo

 … aroma cheiro e presença humana! … libertar sentimento e voz.  Brejeirice  jovem. Mesmo assim não  fomos tu e eu. A chuva reinventa o segredo. Corremos para o mar. Trovões e raios gritam o perigo. É preciso andar de volta no tempo.  Reencontrar  a diferença de quinze anos, ou já passaram vinte e cinco? … Querer voltar para trinta ou quarenta anos atrás … quando ainda não eras tu, nem eu era eu.  A certeza dos teus olhos presos no meu olhar. Invisíveis nós dois. Vamos desnudar, inventar, fantasiar … Amarrada, enfeitiçada … Suspensa pela fragilidade do encanto, assim eu estou a tua espera presa nos meus dezessete anos .

No piano a canção. Três casais dançam, nós apenas nos olhamos … A casa da avó, o silêncio da rua Vitor Hugo, a certeza do para sempre … afinal, nos encontramos. Elizabeth Beth Mattos  – Outubro de 2017 – Torres

[…] “o assoalho e a mobília estalavam no silêncio, e de algum modo a peça dava sempre a impressão de uma presença humana. A despensa era o lugar que ele tinha mais prazer em visitar, o que raramente acontecia. A mão da avó girava a chave numa porta pintada de vermelho vivo e libertava uma lufada de aromas: os cheiros de salames e presuntos defumados […] p.11 Czeslaw MILOSZ  – O Vale dos Demônios – 

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reclama

Reclamas dos meus 17 anos nos meus 71 anos, desta risada, desta irreverencia de amar o amor, amar saindo, voltando. Rodopiando. Ainda hoje mencionastes o saudosismo, a nostalgia, esta coisa de não estar aqui e agora … correr/ visitar histórias já passadas. Fechei tua boca com um beijo … ELIZALisaBETH M.B.Mattos – Outubro de 2017 – Torres

Tudo envolto em memórias, tudo colorido pelo temperamento. E assim através dos casulos que são nossas vidas, o tempo corre. Uma vez tínhamos dezessete anos, uma vez tínhamos trinta e cinco anos, uma vez tínhamos cinquenta e quatro anos. Será que ainda recordamos aquele dia? O dia 9 de janeiro de 1997 […]” (p.561) Karl Ove Knausgard – A descoberta da Escrita – Companhia das Letras – 2017