… esquisito mágico perturbador esta volta retorno passado 40/50/60 anos. Não tem passado. Tem um agora menino. Esquisitice rever olhar, a todos nós, congelados. Sorriso brejeirice: congelados tu e eu nós. Um menino. Como podemos conceber pensar um hoje descolado do que fomos? Dor nova constatar: não existe passado. Memória deformada: a criança menina se debruça no teclado. Sofro o sono de ontem num hoje/agora inquieto. Há que voltar aquele olhar transvestido fantasiado descoberto sem ontem. No abraço num agora morno envelhecido. Somos nós. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018 – depois que te vi naquele retrato.
Mês: maio 2018
o beijo se esconde
Torres depois da chuva, abençoada água: lavou, refrescou. A água bate forte. Janelas sacodem acompanhando o vento. Cortinas levantam o ar gelado. As pálpebras descem pesadas. O corpo cai no sono inteiro. Respiração solta.
Mar cinzento, ondas altas escondem azul verde de ontem. A lua escondida na nuvem. Lá onde o beijo se esconde. O corpo conversa no desejo: beijo demorado colado manso: tudo lento muito lento. Estou apertada encolhida. Sinto o cheiro do corpo dele. O suor me afoga.
Vestindo as roupas devagar já nos vamos despindo um do outro.
O silêncio enche o quarto. Não há leitura preguiçosa nem sono de entrega, ou desordem. Gosto de café preto sem açúcar. Esterilizado sentimento. Despedida, não começo. É consolo. Apago a palavra. Também o sonho. O grito se dilui no rio pelo mar pelas trilhas nas coxilhas. Envelheço do prazer do beijo do abraço do corpo cansado colado. Elizabeth MB Mattos – Torres maio de 2018
a volta
a vida tem magia e contorno
a vida tem retorno, volta, encontro
a vida a ser reconhecida, vida
não posso desistir
agradecer
estou muito muito muito muito feliz
reencontro de menina
e o veraneio.
PRECISO AGRADECER
sim, volto para a terra da rainha.
Entendi a mágica.
Fomos reis e rainhas e príncipes e princesas.
E.M.B. Mattos – maio de 2018 – TORRES / Rio Grande do Sul
sem emprego
Porto Alegre 12 de outubro de 2004 – Porto Alegre – Carta para Paulo Hecker Filho
Fiquei esquisita com a tua carta: és duro mesmo. Li e vou reler cada pedacinho para te responder, ou, quem sabe, apenas dizer outra vez o que eu sinto. Carta extravagante em impulsos de emoções-recreio. Tão completamente frívola fêmea sem ser gente. Péssimo. Fiquei em estado de alerta. Ninguém quer ser coitadinho, mas estou coitadinha. Escrevo e acordo. Ontem dormi lendo o teu último espetáculo. Alguma coisa conhecida, anotei as observações. Tudo é depois. Ler teu livro, ontem, nova lição: transpor as desgraças correntes. Depois. Necessárias culposas ou não. Trabalhar sério, depois. Escrever sério. Dar aulas sérias. Será que fui sempre fútil, apenas mulher? Agora, uma velha carente fútil, mulher? E depois? Escrever para o Paulo é ter com quem conversar. Assim eu me valorizo. USO? A cada carta recebida um ânimo novo. Mas se eu não merecer? Será que estou “me fazendo” como dizes no poema? Ou de repente achei mesmo tudo errado. Ou a vaidade queria que estivesses dentro de mim aplaudindo? Tu sabes como é, se confias menos, eu estaria me mostrando/exibindo. Preciso disso? Sim, tudo está bem comigo. Por que não estaria?
Se a depressão me ameaça vou dormir. Espero a chuva. Nem passo pelo poema corpo e alma. Esqueço tudo. Vejo duas novelas dois jornais da noite. “Apenas queres mais”. Coisa mais simples e direta esta tua frase! Tu não queres mais? Assim gira a minha pandorga neste céu. Resolvi acordar e te escrever. Segunda tentativa, mas esta carta segue.
ENGRAÇADO ESTRANHO! Uma sacudida não esperada renova: és mestre. Conheces meu exercício diário de sedução. Alimentar a corte é bom, tens razão. O que é a vida real? Escrever, escrever. E a tal definição de solidão não explicitada …, a gata do borralho é isto? Quero a fada madrinha. Sempre fugindo e querendo. Freud explica? Mas, as tantas celulites, babados, pés de galinha superarão o desejo? Perdoa Paulo. Vou comprar um peixe vermelho para o aquário e estarei distraída concentrada nas voltas …. Desculpa a carta: o meu CARNAVAL irresponsável. Tu és uma das poucas pessoas sérias que lê e responde e pensa e perdoa. Quanto ao FARACO, a Ana leu o conto e interpretou tudo diferente. Sou mestra de ver e entender sozinha, autista. Sei lá se é bom ou ruim. Inventei a historia de descrever dentro do conto. E quanto a ZERO HORA eu não leio, não compro. Estou estudando para o concurso. Tenho aulas de manhã e de tarde. Igual angustia me estrangula. Beth Mattos
&
Relendo a carta eu me dou conta o quanto/tanto de complicado difícil foi ser despedida da Garagem de Arte. Desafio angustiante. A insegurança doeu. Era um recomeçar sem saber exatamente o início ou o ponto de partida. Medo pânico a ser controlado. A ideia de alugar o apartamento da Independência me pareceu solução, e morar com a irmã viúva de um casamento da vida toda. E … estudar seriamente e me preparar para um concurso público. Foi o que fiz naquele ano: estudar. Ganhar tempo. E.M.B.Mattos maio de 2018 – voltando no tempo.
beijo da escada
O beijo da escada. Descrever este momento, abrir a porta…Existem coisas que se faz, mas não se verbaliza porque estremece o equilíbrio necessário para suportar a vida. A palavra é volátil: pragmática ou traiçoeira? Projétil, força, permanência, desvio, contorno. A palavra escrita ou pronunciada efetiva. A história começa. Depois que mencionei o beijo, passamos a nos beijar sempre que nós nos pensávamos em escadas. As palavras fixam as coisas. Depois que foi dita, uma coisa sai da penumbra. Ali está ela – sempre. Há cinco minutos ainda não existia. Agora é uma parte de mim e de você. Assim escreveu Charles Morgan no romance A História do juiz. Foi como aconteceu conosco. Foi dito. E não foi amor, foi querer ser amado. A vontade de ser objeto de amor o fez escrever tantas cartas.
“Sim, eu me lembro. Foi junto à escada, próximo do elevador, na penumbra de uma tarde que está distante. Dois lábios se tocaram. Aconteceu sem palavra. Esse beijo talvez seja o início do romance que vivemos, sem presença física. Nós nos procuramos, nós nos apalpamos à distância, nos trocamos carícias. Escondemos nossos sentimentos, nossos desejos, na palavra reservada, nas reticências, nos subentendidos. Talvez seja este pecado que nos proíbe o encontro. Agora, teu cabelo voltou à cor antiga, natural. Gosto de te imaginar como antes. Lembro-te na transparência de tuas vestes na intimidade daquele apartamento, em Botafogo. Nunca ousei dizer o que se passava no meu íntimo. Contive-me sempre: foi timidez, foi respeito. Depois, havia entre nós (…) as crianças, a diferença de idade. Também imaginava nada significar para ti. Pensava que tinhas outro alguém no teu coração. Custa-me dizer isto, mas se falo, devo ser sincero na minha confissão.Tu evocaste o beijo trocado. Essa evocação quebrou o selo do nosso segredo. Talvez eu tenha dito o que não devia dizer. Se a palavra ofende, rasga esta carta e perdoa. Trabalho num quadro de grande formato. São três figuras. Há nelas a solidão de sempre.”
2 de junho
“Quando jovem, sempre me comovia com o toque da sirene da ambulância, porque nela sentia a solidariedade humana. Agora, na velhice, o que mais me comove é o toque do silêncio. Hoje ele soou dentro de mim: morreu meu querido amigo (…). Estou profundamente triste, jamais o esquecerei. ” Iberê
Existe um ponto final. Mesmo no imaginário a história se fecha com começo meio e fim. Há que ser assim nesta vida da pressa do digital do longe. E choramos da mesma forma. Por que somos fantoches, bonecos, personagens de uma história inconclusa, sem sentido, fantasiosa. Inexplicável. Viver tem esta ironia. Depois, é preciso ter consciência: já vivemos mais tanto do que temos de anos pela frente então somos cautelosos maduros e rígidos. Igual eu choro e lamento o gesto encolhido: rejeição sempre aperta. Junto o passado e com o hoje e me dou conta que sempre aconteceu comigo o que nunca aconteceu -, a vida nas beiradas da possibilidade, nunca real. Sempre fantasia. Patético sentimento de incompletude. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018 – Torres
sem destinatário/ da autobiografia
Rio, 11 de março …, tento organizar a viagem, mas dói por dentro. Sinto medo. Medo da nova cidade, das pessoas. Medo da dependência, e de perder a liberdade. Ainda não escrevi para o pai e para a mãe, não dei a notícia: ficarão estremecidos. Acertei os primeiros e mais difíceis passos com G., iniciei a despedida. As crianças? Como todas as crianças veem diversão/expectativa. Mudar significa aventura férias. Não imaginam ou sentem como definitivo. Aliás, a vida pouco nos pergunta quando somos crianças. Em julho irei acertar detalhes, e se vender o que preciso, e conseguir trabalho mudarei antes do final do ano. Estremeço. Escrevo no intervalo. Estou sobrecarregada. Não sei levar fardos por tanto tempo …, é como se estivesse sem ar. Literalmente sufoco. Neste desespero fico longe do principal e do que deveria ser o mais prático: aumento de salário, valores. Ou mesmo não sair do Rio. Sou inoperante, uma sonhadora e três filhos para criar. Tento estar tranquila ah! Se fosse florido este caminho! Preciso acreditar que vou conseguir. O certo é que preciso entregar o apartamento. E.M.B.Mattos / Beth

Meu amigo:
Pensei nas contradições do homem que se descobre em processo. Todos os passos importam, imobilidade também. Estou tendo dificuldade de ser eu mesma contigo. A ideia de corresponder a imagem que possas fazer de mim atrapalha. Fantasia minha. Talvez não tenhas imagem nenhuma. Ideia nenhuma, parâmetro nenhum, … fico querendo entender meu sentimento, e parece confuso. Tu és direto transparente, objetivo. Eu dou voltas e voltas e voltas. Não vou chegar a lugar nenhum. É preciso alcançar o limite de nós mesmos. Conflito e tempo de longe. Longe. Queria te sentir perto. Não importa. A cada pessoa seu quinhão seu modelo sua barreira. A timidez te fez feliz e infeliz feliz. Eu distraída feliz. Dispersiva e desorganizada estabanada e feliz. E uma carta ponte, ou uma ponte que se diz carta.
Amoroso sim. Eu gosto de pessoas/gente, e gosto de doar …, nem tem valor como conquista porque é da minha natureza conciliar reunir estabilizar ordenar. Estas qualidades (acho que são qualidades) disponho para os outros. Agregadora irmã paciente. Confesso, estou mais dura impermeável ressentida agora. Não aguentei o casamento nem a passividade nem o não fazer nada nem a tristeza nem a apatia. Penso neste monólogo e me vejo cruel. Aceitar. Apenas aceitar. E me sinto culpada por não ter ajudado. Por ter desistido. Mencionaste o dinheiro. O dinheiro não me dobrou. Posso trabalhar/sempre poderei cuidar de mim mesma. O muito sou eu. Não me submeteria a um mau casamento por uma boa situação. Foi bem complicado. Eu tinha apenas 24 anos e três filhos: um de cinco anos um de três anos e um de um ano. Difícil. O desabafo. Beth/ Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018 – Torres
gosto da alegria de gostar
Gosto do frio do dia azul. Da vontade de caminhar na direção do sol. Gosto do frio do dia azul e das cobertas quentes. Gosto de acender o fogo da lareira e me deixar ficar. Gosto de gostar do inverno na xícara de café. E gosto de voltar. Elizabeth M.B. Mattos – Torres

domingo de sol
Manhã gelada iluminada pelo sol que não aquece, festeja emocionado e pensa nos festejos reais do sábado. Estende a alegria da festa. Não por serem nobres e…, mas pela juventude do noivo inglês e da noiva americana. Iluminados, os jovens. O bom cheiro da juventude, pensa o sol. E se são anjos parecem mais belos ainda (mesmo na ilusão). Celebração do amor. Olhar terno de um para o outro. Disposição das pessoas que os cercavam, – e era um dia de sol. Mãos juntas. Amor de amar. E o sol comunga. Minha amiga: acho que esta conversa interminável pelo caminho de amar nos foi ensinada na escola, no exemplo. Sei lá! Acho que foi assim que o amor começou. O exercício de amor está em abrir as janelas, arrumar a cama, fazer a comida, ouvir música, escutar o silêncio: comunhão alegre com a vida. Sai de dentro deste fazer cotidiano o amor. Nesta oração direta com a vida ele nasce ele vive e ele morre um dia. Adoro flores no vaso, o sono demorado nos lençóis perfumados, no cheiro de limpeza, na grama cortada. O amor está no teu olhar. No café preto, no cálice de vinho, no chá, na comida, no gosto no cheiro, no toque. Todos sabem do amor muito mais do que imaginam. Estás um pouco distraída ou triste ou infeliz ou perdida, mas, logo, logo mesmo, acordas e eles os amados acordam também e amam. Irmãos são mais fáceis de amar explica uma amiga que me consola. Não, os irmãos são competitivos confusos nesta questão de posse e poder. Tropeço. As pernas ficam escalavradas os joelhos ardidos quando corro em direção ao amor. É tão fácil brigar jogar os pratos no chão gritar e bater as portas com raiva. Isso acontece num teatro mal-humorado. Amadurecer passa por um caminho de espinhos. No final eu termino/acabo por me enternecer (abraço inesperado, explica/ diz, um amigo amoroso: dá um abraço e surpreende) com o gesto malogrado com cheiro de desamor de uma amizade malograda. É tentativa, amiga. As pedras são jogadas com raiva, mas se dignificam em outro momento, antes de chegarem ao alvo. Sei lá. Há que aprender a perdoar. Perdão e amor caminham juntos. Como vamos mudar o mundo? Ou…,confusa estou, amiga, a procurar palavras certas, adequadas. Difícil tarefa me propões. O lugar mais seguro do mundo é/será/deveria ser entre irmãos, em família, mas quase sempre houve guerra/mal-entendidos/discórdia interna, brigas violentas, rupturas. É preciso costurar com a tal amorosidade necessária e terminar o desencontro, mesmo exausta, com as pazes do abraço. Perdoar parece ser a resposta certa, insiste André. Nada simples. Tudo confuso e complicado. Não sei o que te dizer. Amar o amor parece/ou pode ser o bom caminho. A flor o verde o mundo. O mar areia gente pessoas que se movimentam, ou se escondem, ou se lamentam…, tudo tem cheiro de amor. Se mergulho eu me dou conta que ali se esconde gentileza sorriso boa vontade doçura e liberdade. O amor tem que ser livre solto sem amarras ou exigências, apenas amor. Tenho a sensação que cada vez que abro a mão e o pássaro voa sinto amor. Amo a jornada o vento e a certeza de que sem prender sem exigir sem aparente sofreguidão sigo em estado de amor. Esta continuidade esta certeza aprisiona e liberta ao mesmo tempo. Está diluída a liberdade que aprisiona. O desejo de amor é instante, um átimo, uma pequena generosidade, um alento e pronto, fica para sempre. Mesmo no mergulho na nostalgia (na perda). A gaiola com porta aberta…, mas me deixo ficar escrava, eu sei, mesmo com janelas e portas abertas. É exigente o amor. Às vezes pesado, difícil e … amar me parece complicado, mas eu tento. Tento todos os dias. Acho que até sufoco porque estou sempre carente querendo mais e mais e não respiro. É preciso respirar. Não existe regras exercícios nem respostas. Sabes o que eu acho? Penso na essência do amor e encontro alegria. Alegria, alegria espalhada por tudo. Estou a te escrever sem pensar, mas tenho quase certeza que é na alegria/da alegria. Colado nela, o amor, a gentileza, a voz, o corpo e o sexo (quando amor entre amados). A carta não respondeu a pergunta, e me inquietou. Volto a te escrever. Vou pensar. Vamos para o sol deste domingo gelado, mas amoroso. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018 – Torres
“[…] o amor é o dom de tornar visível o invisível e o desejo de sempre sentir o invisível próximo de si.” (p.158) Orphan Pamuk – Meu Nome é Vermelho
“[…] Aquele olhar doloroso queria dizer uma só coisa, que todos os aprendizes sabem: o tempo não passa, se você não sonha“. (p.492) Orphan Pamuk – Meu Nome é Vermelho
Então eu sonho. A cada amanhecer abençoo o sonho de sonhar com você. Aquele você adormecido dentro de mim. E penso nos passos silenciosos da tua visita noturna. Sinto o beijo roubado e a tua mão no meu corpo. E a doçura do teu olhar no meu olhar. Então eu sonho. Elizabeth M. B. Mattos
caminho aberto
Carta: caminho aberto. Gosto. Deveríamos escrever ao menos uma carta por dia ao amado, também para amiga, para o irmão, para a tia, outra para a mãe, ou para o vizinho. Algumas vão para o correio, outras ficam na gaveta ou em baixo da pedra com outros papéis. Escrever significa que pensamos no amor. Hoje vou responder as cartas que chegaram ontem e antes de ontem. Claro! Também vou contar da Elizabeth Bishop que gosta de poemas e também de cartas. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2018 – Torres
Elizabeth: “Tenho pena das pessoas que não conseguem escrever cartas. Mas desconfio também que eu e você, Ilse, adoramos escrever cartas porque é como trabalhar sem estar de fato trabalhando. ”
Quem se dedica ou é profissional da palavra fica nesta ciranda de letras. Normalmente temos reações esquisitas: calar/ desaparecer/ inquietar/choramingar/ sonhar desejar/ brigar/ desamar e a tudo reagimos por escrito. Um vício. Como beber em excesso e todos os dias. Um vício. Assim é escrever. E.M.
“11 de dezembro de 1957
Caríssimo Cal: Não sei por que não consegui lhe escrever antes. Não é comum eu não conseguir escrever cartas, principalmente quando se trata dos meus correspondentes prediletos. Durante toda a viagem de navio, elaborei uma infinidade de cartas a você, cheia de ideias novas e profundas, mas elas se dissiparam no ar marítimo. Então, quando por fim chegamos (somente em 4 de novembro), foram tantas as complicações que não pude escrever cartas durante duas ou três semanas – quer dizer, cartas de verdade. Vivíamos indo ao Rio para tirar as coisas presas na alfândega – aliás, metade de nossa bagagem ainda está lá […] “
Cartas são pontes. Atravesso a distância e mergulho nas letras para sair da solidão. Atravesso o silêncio escrevo cartas. Para o imaginário para o real para a saudade para a presença, para mim mesma senão sufoco. Eu respiro pelas cartas. E.M.B. Mattos –
“Quais são suas fontes de inspiração Elizabeth Bishop:
Inspiração é uma palavra muito curiosa. Quando eu morava no Brasil, tinha um escritório no alto da encosta de uma montanha com vista para uma cachoeira e a pequena piscina que se formava abaixo dela, cercada por um alto bambuzal. Quando eu receba visitas, algumas das quais tinham lido uma linha do que escrevi, elas olhavam para os bambus e diziam: ‘ Então é dali que vem sua inspiração! ’ Cheguei a pensar em pregar uma placa no bambuzal dizendo’ Inspiração’. Esse mistério que chamamos inspiração nem sempre pode ser localizado com precisão. Mas é isso que há de estranho e maravilhoso na poesia – você nunca pode prever quando, onde ou mesmo por que algo irá motivá – la a escrever um poema. Quando digo que um poema se apresenta de várias formas, é a isso que me refiro. Um poema pode ser inspirado por algo que aconteceu há vinte anos, mas até escreve – lo talvez eu não tivesse percebido como aquilo tinha me emocionado à época. Acredito que é preciso confiar que os olhos e a mente estão constantemente registrando tudo, e é preciso ter paciência suficiente para que o resultado dessa observação se revele. ”
Livros: Uma Arte As cartas de Elizabeth Bishop, Poemas Escolhidos de Elizabeth Bishop e Conversas com Elizabeth Bishop
a te pensar
Lareira vinho tinto meias de lã e o violão. Deitada no tapete enrolada no amor tua imagem colorida de paixão. Deitada no sofá enrolada no inverno a sombra da tua mão. Enrolada na lembrança teu olhar no meu olhar. Cerejeiras da alameda. Laranjeiras carregadas. Sou eu a te pensar. Elizabeth M. B. Mattos – maio de 2018
