especial única, amiga Mabel

Luz e soluções. Amiga estrela. O acaso de tantos acasos acolhe. Se mistura ora na rua André Poente, ora na Independência, ora na Viúva Lacerda em Botafogo, ou de volta a Porto Alegre na Farias Santos. Apartamento ensolarado debruçado para a Praça das Nações! E Torres com mar a nos espiar e verões de trabalho, telefonemas entrecortados, alegria cansada e o jogo de cartas. O arroz solto e branco, jantares meia-noite, e o Bento Roberto com a batuta, isso pode, isso não pode. Ríamos. Foi naquele verão que a Lucia passou quinze dias conosco. E as leituras? Sim. Podíamos ler muito sem medida na madrugada. Permitido. E eu a trabalhar no Bazar Praiano. Equilibro e solução. Depois deste verão fui contratada para dar aula na Universidade. Caminho aberto. E toda gentileza agradecia… Ajuda e socorro. Cheiro de risada, coisa boa, e confiança! Flor ou chocolate, ou carinho dentro de amor, ou abraço tudo e nada. Apenas nossas risadas. Ar e prazer  de alegria. De repente eu me mudo para Viamão, e construo uma casa. Serei especialmente, e ou particularmente feliz/alegre perto de vocês.

Saudade cheia / recheada de agradecimento. Sempre a estender a mão e emprestar energia, minha amiga. Não estou a dizer que a vida da/na lagoa não tem felicidade e delícia. Quero dizer que cada fantástico lugar escolhido pode ser possibilidade… Encanto. E ter desdobramento. Surpreender. A história do socorro: margaridas, anêmonas. Gatos e cães. Jardim verde, sacadas abertas, vista para o mar, e gentileza. E o cigarro! E a tua mãe a conversar com a minha mãe… Amigos e surpresas. Quero agradecer, principalmente, a vida no/do pequeno e mágico apartamento ensolarado da Praça das Nações. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 – janeiro Torres

 

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Ônix, depois do passeio, preocupada com minha demora em entrar! Depois, já refestelada na sua almofada-mirante. Que dia lindo! E segue tão agradável este verão!

listinha de sentimentos de CLARICE LISPECTOR

Então comecei uma listinha de sentimentos dos quais não sei o nome. Se recebo um presente dado com carinho por pessoa de quem não gosto –  como se chama o que sinto? A saudade que se tem de pessoa de quem a gente não gosta mais, essa mágoa e esse rancor – como se chama? Estar ocupada –  e de repente parar por ter sido tomada por uma súbita desocupação desanuviadora e beata, como se uma luz de milagre tivesse entrado na sala: como se chama o que se sentiu? Mas devo avisar. Às vezes começa – se a brincar de pensar, e eis que inesperadamente o brinquedo é que começa a brincar conosco. Não é bom. É apenas frutífero.” Clarice Lispector – Brincar de pensar –  1967

E pensar exige felicidade, ou tristeza, ou aquele vazio, ou a melancolia intensa, quase febre a sacudir e nos fazer voltar e redescobrir e ficar… Ainda nesta mesma crônica:

“Pois para pensar fundo – que é o grau máximo do hobby – é preciso estar sozinho. Por que entregar -se a pensar é uma grande emoção, e só se tem coragem de pensar na frente de outrem quando a confiança é grande a ponto de não haver constrangimento em usar, se necessário, a palavra outrem. Além do mais exige – se muito de quem nos assiste pensar: que tenha um coração grande, amor, carinho, e a experiência de também se ter dado a pensar. Exige -se tanto de quem ouve as palavras e os silêncios – como se exigiria para sentir. Para sentir exige – se mais.”

…e eu volto para conversas perdidas. Recados atrasados, e história / estória de te esperar. Tu e eu conversamos, e pensamos juntos. Era / foi tão bom! Conseguimos. Voltaste no tempo de lembrar. Da ida para o Rio de Janeiro. Do meu casamento. Da tua visita, dos teus desencontros festivos. Eu te senti por completo. Ressuscitei da tristeza, e fui menina outra vez. Acordei do susto da morte. Voltei para te esperar. Agora, devagar e mansa, retomo o silêncio necessário. E volto aos livros, os mesmos. Quero te contar a novidade: estou a ver filmes, muitos filmes. Quieta. Não é bom? Sou de natureza agitada. Beth Mattos em janeiro de 2020 – agradável e imprevisível a temperatura deste verão.

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Uma das versões

 1.

De quem é a culpa? Aquele sanduíche tem culpa, todos tem culpa porque nunca curei a tal ansiedade e a vontade indefinida de ter e ter, de querer sempre o melhor, e sempre o tudo e todos sem saber, exatamente, do conquistado, nem o que eu tenho / fiz ou sou. Enquanto me entrego aos meus quarenta anos, caminho, caminho, avanço, desbravo e não consigo chegar no tal campo verde, colorido, não vejo anêmonas, nem tulipas, nem destroços, nem floresta, nem lago. Caminho em direção aquela sobrevivência… Abro os olhos e sinto raiva. Ela ainda está lá a pensar/ a dizer coisas/ a indefinir definindo minha vida. Uma corrente nos prende uma na outra. Eu não me liberto e ela se conforta confortável! E agora estes quarenta anos! Esta danada idade divide tão bem a vida entre o que foi e o que será! Outros quarenta? Possível, mas diferente. Um será mais do que nunca incerto, porque com gosto certo definitivo. Pois é… Alguém me disse: tua mãe é culpada. Claro! Como não seriam os pais e as mães culpados de tudo que nos cerca, ou somos, ou fizemos! E mãe ausente? E aquelas que morreram cedo, aquelas que não nos conheceram? Nem nos abandonaram? Também elas são culpadas? Culpadas por terem desaparecido. E os pais? Aqueles homens atrapalhados apreendem / ou se esforçam ou se desdobram para ser mãe / pai e responsável, eles nunca são / serão culpados. Comandados pelo sistema matriarcal / serão patriarcais. Deprimidos ou irresponsáveis, amantes, homens, serão companheiros. Eles também são culpados.

A mãe definiu tudo o que sou porque, neste caso, do pânico, de passar necessidade / de faltar / de não ter o suficiente explode todos os dias, sou o resultado. Eu não me liberto. Sigo a sentir medo do que vai faltar… Guerra iminente. Terror. Um dia não é outro dia depois do dia, mas possível carência. Não consigo me libertar. Estou constantemente a procurar soluções, e soluções, mais certezas, justo onde elas não estão, procuro nos outros, nas pessoas. Procuro apoio. Explico. Sinto assim porque um dia ela desesperou na necessidade da carência, houve um momento em que tudo faltou na nossa vida. A minha mãe estava a perigo. E tínhamos a pequena conosco. E faltou tudo. Eu, apenas eu estava lá. Para ela faltou tudo. Mas eu estava lá para cuidar, atender, saber, trabalhar e tranquilizar aquela aflição toda que saltava dos olhos e se encolhia no corpo dela, como parasita faminta a arrancar pedaços. Ela queria fazer, mas não sabia por onde começar, como sair do buraco escuro. Foi esta mãe, foi esta situação, foi esta carência e este medo que tomou conta da minha vida. Nunca mais respirei livre, para sempre, nunca mais me senti descompromissada, ou pude pensar apenas em mim. Eu me senti responsável por ela. Comecei a trabalhar no balcão daquela loja, em casa, o tempo todo, trabalhar. A refazer o já feito para recomeçar por ela. Assumi a vida dela, e a minha se transformou em nossa. Era tão frágil aos meus olhos! Peguei em armas, e nunca mais parei. Apenas respirar, dizer com certeza: a vida é minha, não sou ela, nem sou responsável por ela! Eu era. Céus! Eu não sei me dizer: eu sou eu, não sou ela. Como estas nuances são difíceis, ou certezas? São perturbadoras! Os outros filhos, meus irmãos, nunca se sentiram diretamente atingidos. Eles foram, eles voltaram, eles seguiram, eles voltaram, mas eu continuei lá. Eu levantei a casa, pintei as paredes, comprei os tijolos, fiz o jardim, e o necessário. Fiz a comida, cuidei das roupas enquanto ela curava a alma…

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A viagem poderia ser incerta, mas não podia recuar. Outra vez trocar / arrancar / refazer. Estudar. Trabalhar. Voltar para o começo.

Esquisito imaginar a reação de Y ou N. ou de T. As relações são complicadas / estranhas e  as versões se cruzam ou se estremecem… Conflituadas. Inexplicáveis. Ficção.

Não entendeu a relação / encontro, ou do casamento. De certo eu teria feito diferente. Ele também, não fosse o deslumbramento da situação. Em que ponto ou tangente, ou caminho estávamos ele e eu? Não pode / ele nunca pode avaliar. Estávamos no Rio de Janeiro. Um gosto de desastre. Esta volta, festa / encontro / desfecho parecia tranquila e leve.  As conversas / reminiscências, minhas e dele, como se fôssemos adultos. E não éramos. Eu nos vejo crianças assustadas.  Ele nos seus 24 anos, eu nos meus 18 anos. Painel de lembranças e afetos desencontrados. As conversas, canais de liberdade. E casamos. Como ele podia / pode/ pensou e disse que escolhi o dinheiro? Nunca me conheceu como eu era / sou. Ou será que não me sei eu? Talvez os mimos… O esconderijo. Como pode ser / ter uma ideia parecida com esta de escolher o poder dele? Bonito, bem-nascido, complicado, e…, afinal, desconhecido. E eu cedi. Nunca deveria ter saído de casa, de Porto Alegre. Escolhi a mão que se prendeu na minha mão, no escuro de seis meses nos casamos. Dançamos, rimos juntos, recebemos amigos, comemos nos melhores restaurantes. De certo nos amamos desavisadamente amamos o amor. Vestimos o luxo. Misturamos instabilidade com confiança, não era paixão, de certo seria amor… E ele colocou a mão naquele verde, de tantos verdes. Desenhou o formato do nicho, e coloriu… O som novo, e a comida em tigelas de barro, talheres de prata. A ideia de sinfonia. Música e bossa nova. Culpa da estouvada juventude. E do despreparado destino… A ideia de que amanhã será para sempre. Não sabíamos nada de nada. Das ausências. Da vontade de ser independentes. Fazer acontecer. Da pressa de resolver, acertar. E aquela solidão apertada de ser pessoa, e também crescer. Somos tão estrangeiros pra nós mesmos! (Eu era / talvez tu não sejas!) E nos embretamos no carnaval e casamos. Acreditando. Daria certo e embalar os filhos nos abençoaria. Poderia ter sido diferente. Deveria ter sido de outro jeito. Mas, lamentar seria negar o sentido da minha vida, e da vida dele. Um erro não apaga outro erro. E o medo não vencido, gera outro medo. Recomeçar pode ser coragem, mas, tenho a impressão, arrisco a dizer, sobrevivência. Complicada palavra! Amarra tanta coisa de dentro, de fora e sacode, define, joga fora…Acerta! Os equívocos se agarram uns aos outros, e teço o manto, a veste, a ideia de que consegui. Consegui sair de casa, consegui agradar o pai e a mãe, surpreender as irmãs, trazer as pratas, os cristais, as porcelanas o enxoval de não sei quantas peças. As roupas sob medida, os vestidos a combinar com os casacões, os baús. Levei o sol junto com o temporal. Conseguimos uma vida. E a metade da biblioteca. Claro! Ficaram as lareiras, os tapetes, e os amigos. Deixei para trás as lágrimas. E as bonecas. As incertezas. Fechei a porta, e virei carioca.

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3.

Quando eu cheguei. Quando eu voltei para o Brasil. E pensei a vida em casa, tudo estava virado. A casa de pedras não existia mais, a família não existia. Estava tudo alterado. A vida chegava à beira da praia, eu estava frente ao mar a ver a Ilha dos Lobos. E o balneário deserto, porque não era mais verão. E os argentinos, uruguaios começavam a voltar para suas casas. Os veranistas se despediam. Do outro lado. Não existia mais em casa, mas o caos. Senti um para sempre escabelado, desajeitado. Berlim ou Roma, ou Paris ou a minha história de ponta cabeça. E eu tinha / precisava de / precisava organizar / recomeçar e entender. E fazer alguma coisa… Estranho como estas carências de sobreviver / proteger / guardar e assumir voltavam para o prioritário, sobreviver. Voltavam para as minhas mãos… Todos / tudo dependia da coragem, do meu fazer. Sim. Eu era necessária ali, ao lado delas. E eu fiquei. Surpreendida. Também eu, recomeçava do susto, do não ter mais, do zero. Ela me parecia frágil, entregue e gentil. Eu era a pessoa forte. Possível e jovem.  Eu tinha 24 anos. A roda girava/ gira. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 Torres – Primeira Versão.

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E Danúbio tem razão, talvez, pode ser, não sei…

Quando o tempo atropela soterrado de verde amarelo e de vermelho: dizemos vida. Estações se misturam na  memória amorosa. Colei etiquetas, empilhei as caixas. Sem pudor atravessei a sala devagar. Pecado perfeito, maltratado ou prisioneiro, vivo.

Fronteiras foram/são/serão violadas, ou não existem… Somos os mesmos: verdes, azuis, amarelos, pretos, marrons ou com pintas coloridas, ou transparentes. Dourados, prateados, cobreados. Colônia amorosa: o mundo. E muito, bastante sono neste dormir continuado / induzido: sonoterapia reparadora e tranquila. Entre o cinzento e o branco e o negro da noite. Sem interferência. Durmo, acordo. Duas bolachas, uma maçã, macarrão com iscas de sabor. Uma preguiça, outra saudade, uma melodia: Schubert ou Chopin ou Liszt:. O piano toca dentro da minha caixa. E o vinho se faz necessário, uma taça… O excesso me cansa. Medida comedida de vontade. Gosto da chuva e espero o sol para que os travesseiros se iluminem quentes e frescos e os lençóis se perfumem com luz! Então, o vento engrossa a conversa do mau humor. Eu respeito. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Torres (14/11/2019 10:27:01)

2.

Amei /amaste / amamos solto. Fácil o mapa do nosso corpo. A cada surpresa outra certeza de prazer.  Apenas sentir o gosto um do outro. A saliva e o mesmo odor. Sem filosofia, sem psicologia, sem literatura. E sem medida que não fosse exaustão. O tato o jeito e  o riso derramado num copo com água bem lindo! A pequena sacada aberta e flores emolduram dias e noites. Horas desavisadas: somos coloridos. Temos, por inteiro, um ao outro. Desejo ardido. Posse. Acelero sem medo da velocidade, de ultrapassagens, nem da chuva nem da noite tenho medo. Nem das madrugadas. Então, sem pressa,  somos abraços. O brinquedo da alegria e da brejeirice. Não pretendo mudar, alterar, concluir nada. Não há medida. Usufruímos. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Porto Alegre – Torres – sem medo da verdade. E já não estás mais aqui!

3.

Pois nada é mais perigoso do que a ambição dos pequenos de serem grandes, e o primeiro objetivo das pequenas nações, mal foram criadas, fora intrigar umas contra as outras, brigando em torno de minúsculas faixas de terra, poloneses contra tchecos, húngaros contra romenos, búlgaros contra sérvios; e em sua condição de país mais fraco de todos nessas rivalidades, a minúscula Áustria defrontava – se com a Alemanha todo-poderosa. Esse país despedaçado, mutilado, cujos soberanos outrora reinaram sobre a Europa, era, devo repetir sempre, a pedra angular.” (p.355)

Stefan Zweig já conheces. Lembro que te mandei o pequeno livro “24 horas na vida de uma mulher”.  Perfeito. Finalmente, eu me encontro com Autografia: o mundo de ontem. E também a vontade de reencontrar a OBRA COMPLETA que esteve nas estantes da biblioteca da casa na rua Vitor Hugo, 229. Compreendo a importância. E se mergulhar em livros didáticos de história, ou específicos, tendenciosamente, eu pergunto, por que não na literatura universal? Zweig faz um traçado de autores com quem conviveu e sofreu influência, e me reaproxima de Romain Rolland, e retoma a música! Ah! Viver tem este gosto de fel e mel e prazer na dor! Eu estou viva! E gosto de respirar! E hoje acordei com aquela vontade de revirar os livros as estantes, o tempo e o amor. Efeito de bons livros e boas insônias e tanto sono! Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2019 – Conclui que os amores amados foram os melhores, e os pais perfeitos, e as irmãs especiais, e os amigos perfeitos. Retrospectiva dos 70 anos esparramados nas buganvílias e nos jasmins, de fronte pra lagoa e no tempo. E hoje relendo volto ao ano de 2020 já no seu ritmo verão. Com chuva. Cinzento. Entre o calor e o fresco. É Torres. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 – Torres

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Danúbio Gonçalves

Uma carta perdida / encontrada. Velho amigo! Furioso com meu velho amor, e amigos. A gritar com força, a sacudir tudo, e… Cores / tintas / cizel / cartas e tentativas.

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Fantástica carta de 1998: o amigo a se preocupar com meu apego escabelado por F.T. e com a minha raiva. Eu acrescentaria: uma certa fúria após rompimento, e meu ciúme. O rompante e o sentimento abertos, expostos, tão meus! Mas os convites para beber chá, reencontro, idas aos autógrafos e voltas, também meus, se perderam no tempo. Danúbio acompanhou de perto. Quixotesco gostei. Hipnotizada também. Será que ele foi o meu Édipo? Talvez. E todos encerrados na minha jaula foi verdade. Tendemos a usar o nós no lugar do eu. Passei eternos meses, anos a farejar o mesmo amado amor. Cita Paulo Hecker Filho também não gostava daquele tema repetitivo e atolado de tanto e despejado amor. Céus! Será que ainda estou agarrada nesta espera, neste tardio entardecer? Não. acho que abri portas, mas, de certo, ninguém acreditou. Salvo o Gustavo que me trouxe de volta. E desapareceu. Eu estava com ele na travessia, tenho certeza. Depois, na carta, Danúbio me sacode forte, tão forte que amordaça textos, sentimentos, e me acusa de julgamentos esquisitos. Eram as raivas soltas? Espicaça tudo. O Paulo era dono da literatura, com certeza. A ele recorriam para o veredito. Dizia a verdade, o meu amigo. Engraçado! Iberê Camargo, Danúbio Gonçalves, Paulo Heker Filho, e Flávio Tavares. Presentes, ainda hoje. Não desapareceram.  Ter me refugiado em frente a Ilha dos Lobos foi a mágica certa. O retorno aos verões da infância. O apartamento da rua José Picoral, 117 e suas sacadas embalaram tempo precioso, frente ao mar. E a vida deu respostas. Cartas. Telefonemas, amigos que vieram e foram… Estão. Se Danúbio estivesse vivo! Tanto a conversar! Sim, é verdade , nunca escrevi sobre os alunos, nem das Escolas Estaduais, nem da Ulbra, nem das aulas de francês. Nem dos filhos, nem dos maridos, apenas do amado / sobre o amado eu escrevia. Hoje diferente. Passados tantos anos quantas ElizaBeths apareceram / desapareceram e voltaram!  Histórias passadas viraram estórias apesar dos sustos e das esperas. Ele tem razão, não existe eternidade no amor, mas céus! Algumas grosserias! Que praia radical! Não sou artista. Ás vezes, certas loucuras apelativas de sexo e violência os atrai. Danúbio é bem ele mesmo nesta carta. Se desnuda ao querer me sacudir para escrever / dizer. Ah! Fico contida,  presa pela ideia de um dia ser / talvez / quem sabe…  Ser, suficientemente, corajosa para desnudar – me. Estou pelas beiradas, depois, não acredito que as palavras resolvam; os pincéis gritam mais fortes, e definitivos. Acredito na cor, também no cheiro, também nas vozes, e nas confissões.  Não basta o taleto, ele tem razão. É preciso chegar do outro lado. E para isso há que  acontecer o leitor, o olhar, o dizer e a liberdade! Derramar o fel, o amor, o medo, e a conciliação com o antes e com o agora a espiar o amanhã. Tenho que encontrar o final da carta, a página seguinte… Deveria ter apagado o o ofensivo…, mas ele dá conselhos importantes/necessários aos artistas. Que seja parte do desnudamento. Elizabeth M.B. Mattos janeiro de 2020 – Torres Arquivar fobias  também é bom! Haja! Céus! Cartas podem assustar! Pronto, eu fui mais ou menos corajosa!?2020-01-02 01.09.23.jpg

 

Três filmes…

Três filmes, dois dias. O novo se esconde em velhos temas… Tudo mais o menos o mesmo, ou não conseguimos ver/olhar. Fico/estou estacionada. Bom! O cinema chegou, e o dia se esconde num jeito bom de passar… Beth Mattos. Não quero mudar o rumo. Seguirei: eu comigo, tu contigo. Não sei se corto os cabelos. Se corro ao teu encontro, ou se me deixo ficar. Preciso escrever mais e mais depressa, e ir mais e mais longe. Descreves personagem, derramas tua fantasia: gosto. Sinto saudade do cheiro e do abraço.

 

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O que fazer com a beleza? Você a admira, a elogia, a embeleza (ou pelo menos tenta), a exibe; ou então a esconde.

Será possível ser dono de algo supremamente belo e não querer  mostrá-lo aos outros? É possível, se você tema a inveja deles, se você teme que alguém virá tomá-lo e levá-lo embora. Alguém que rouba uma pintura de um museu ou um manuscrito medieval de uma igreja tem que mantê-lo escondido. Como o ladrão deve se sentir despossuído.[…] Você sorri. Sim. Ela é absolutamente maravilhosa. Maravilhosa? Ela é muito mais do que isso. O que é a beleza sem um coro, sem os sussurros, os suspiros, os murmúrios?” (p.138-139) Susan Sotang  O Amante do Vulcão

Escrever e dizer e ou pensar, gritar tem este efeito do espetáculo. Uma mulher / um homem são belos ou perfeitos, ou essenciais na medida / proporção em que outros homens, outras mulheres também concordam e vejam/digam e sejam essenciais.  Tanto já foi exibido! Muito a ser reservado. E nos escondemos nos mosteiros, nos jardins para entender o outro lado. Este invisível também é / ou pode ser o belo. As vestes dos sacerdotes, as cabeças raspadas dos monges, a roupa ou a nudez são representativos. O poder pode ser o não dizer, não manifestar, não estar. Gosto. Elizabeth M.B. Mattos –

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Alberto Giacometti

Escreve  Jean Genet: ” A propósito dos quatro grandes desenhos da mesa. Em certas telas (Monet, Bonnard…) o ar circula. Nos desenhos de que falo, como dizer… o espaço é que circula. A luz também. Sem nenhuma das oposições de valores convencionais

– sombra – luz -, a luz irradia e alguns traços a esculpem.” (p.64) 

Leio e vejo  Alberto  Giacometti, o escultor. Penso no fazer de amor, de doar, e  no de querer se encontrar. E também penso nas pequenas parcelas… Penso na voz. Quero tanto! E preciso e desejo, mas tudo me escapa. Sabes o que eu gostaria mesmo de ter de volta? Aquela energia toda de empilhar livros necessários/não lidos. Alimentar crianças, e rir toda/qualquer hora. Sorrir desta felicidade cheia de beiradas fluídas e soltas. A se desmanchar… Já se escreveu sobre isso. Já se escreveu sobre tudo. Já fotografamos tudo, respiramos. O calor se desmancha no vento desta chuva prazerosa. As queixas se foram…, engraçado! A calçada está molhada, fresca e silenciosa.  Porque já começa o segundo dia de janeiro. Ontem os foguetes a pipocarem no ar, hoje silencio. Necessário e grande silêncio. Não sei como te explicar. De amar, de amar muito e tanto porque pode ser inúmeras e repetidas vezes, a mesma pessoa, o mesmo, e também o desconhecido, aquele que veio depois, e ainda, preciso te dizer, amar aquele que não chegou. Quero que sintas.

Marcou comigo na rodoviária, íamos nos encontrar, mas não foi, ou não fui, não aconteceu. Não nos tocamos, não não nos vimos, mas eu te digo, minha filha, nos amamos… E porque temos vida e dores e desencontros amamos descabelados, desavisados assim mesmo, quase sem pensar. Oxalá tenhamos mais vida! Para toda a vida! Hoje! Mais vida. O que será toda vida? Dependência? Calor, certeza? Não. Somos passagens. Como disse meu amigo, há que comparar os tempos de agora com o agora, o primeiro baile só na memória, como o primeiro amor… Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 no silêncio, tanto silêncio de Torres. E frescor.

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Jean Genet

São estes fragmentos de vida que importam, não a vida inteira. O meu soluço importa e o desespero também. Tua energia. Foi tão rápido, tão perfeito, tão intenso! Chegaste! Acompanhaste as caixas.  Lembras? Eu transplantada. A viagem, e a volta. Empilhada, agastada, incoerentemente, triste e feliz. Agora não tinha/não tem outra volta. Estou. Empilhadas tantas e muitas caixas! Sabias do definitivo, da desordem e da libertação. Tenho certeza que estavas a me sentir. E sabias deste novo amor.  O nosso amor um pelo outro, escondido, atrapalhado, mas nosso. Os dois atados ao passado consequente de ser quem éramos, não quem somos hoje. Havia uma perda / um alguém que não começou, apenas terminou na minha voz, mas estávamos os dois presos / ancorados um no outro. E tu falaste / falaste… Mas não quiseste me ouvir. Resiliência. E o que eu faço? Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 2020 – Torres sem histórias para contar, ainda enxugo as lágrimas com o gosto certo de que agora, já é tão tarde! Todas as partidas são/podem ser festivas se eu pensar nas muitas/tantas chegadas! Quem sabe nós ainda nos espiaremos gulosos?!

O ateliê de Giacometti

“Todo homem terá talvez sentido essa espécie de pesar, se não terror, ao ver como o mundo e sua história se mostram enredados num inelutável movimento que se amplia sempre mais e que parece modificar, para fins cada vez mais grosseiros, apenas suas manifestações visíveis. Esse mundo visível é o que é, e nossa ação sobre ele não poderá nunca transformá-lo em outro. Sonhamos então, nostálgicos, com um universo em que o homem, em vez de agir com tanta fúria sobre a aparência visível, se dedicasse a desfazer-se dessa aparência, não só recusando qualquer ação sobre ela, mas desnudando – se o bastante para descobrir esse lugar secreto, dentro de nós mesmos, a partir do qual seria possível uma aventura humana de todo diferente.[…] É a obra de Giacometti, creio, que torna nosso universo anda mais insuportável, pois parece que esse artista soube afastar o que perturbava seu olhar para descobrir o que restará do homem quando as máscaras forem retiradas.[…]”

20200101_003837Retirar a máscara e ser,  exatamente, como eu sou. Não será possível? Sou as escolhas imperfeitas, os avanços inúteis a carregar a timidez mentirosa? Ou apenas caminho às cegas? Equívocos e outros equívocos. Medo e tanto medo! Um dia afirmaste que foste reduzido a uma frase. No entanto a minha lembrança tem sensualidade e perfeição e, certamente, paixão.

Despreparados, não assumimos nada, nem mesmo a rebeldia. Eu já tinha três crianças. Era este o “mundo visível” e a nossa juventude. Perdoa / desculpa. O amor numa bolha. Dei as costas e desapareci. Como se, em algum momento,  fosse possível desaparecer da vida de alguém! Submergir. No mergulho me arvorei o direito de ser outra… Outra história. Outra graça.

Este ano será cheio de pares e olhares, e mãos a se tocarem, sim. Tu não vieste me ver em Torres em 2019. Terminou. Por que eu perguntaria ou correria a te buscar/ insistir ou ou desejar te ver 2020? Um enorme vazio se caracterizou / avultou.

Uma pequena escultura de bronze. Talvez eu pudesse pintar um quadro, moldar argila, pudesse ser artista em todo o meu tempo. E tu poetar, ou esculpir. Tímido te aproximarias, sem compromisso, mas todo envolvido… Eu posaria despida / sem pudor. Farias uma escultura. Ou tela com aquarela,  um óleo, ou apenas um desenho. E tu me reconstruirias, tu me reconstruirias…

“A beleza tem apenas uma origem: a ferida, singular, diferente para cada um, oculta ou visível, que o indivíduo preserva e para onde se retira quando quer deixar o mundo para uma solidão temporária, porém profunda.” (p.12)

Um rosto vivo não se entrega com tanta facilidade, no entanto não é preciso muito esforço para descobrir seu significado. Creio – estou arriscando -, creio que o importante é isolá – lo.“(p.21)

É, portanto, a solidão da pessoa ou do objeto representado que nos é restituída, e nós, que olhamos, para percebê -la e sermos tocados por ela, devemos ter uma experiência não da continuidade, mas da descontinuidade do espaço.” (p.22)

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…perder a referência do sonho, ou desanimar, fraquejar. Começo do processo de suicídio. Não posso tudo. Os sonhos se reviram. Desmaios! Desfeitos, desaparecem! Cansaço pesado. Não vou esperar. Não quero. Se eu morri, tu também desapareceste… Não vai acontecer nada no mundo. Apenas não estaremos mais lá. Elizabeth M.B. Mattos – janeiro de 20202017-05-24 11.41.05 (2)