fiquei criança

Guardar amigos, guardar o mundo. O descuido avassalador! Entre muitas camadas de silêncio a sala impressiona… Atenção meu jovem!

[…]d ar precipitadamente os primeiros passos sempre que uma tarefa o atrai ;esquecendo em seguida inteiramente o que deve a si mesmo e aos que que colocaram em você suas esperanças” Robert Musil O Homem sem Qualidades

Viagem acidentada: limpei, falei, lavei, gritei de feliz, escutei música, conversei e chorei também. Delícias do abacate, das bananas e do mamão se misturaram ao leite, fiquei criança. Fevereiro de 2020 – uma chuva que não refresca / Beth Mattos

1994, faz tanto tempo! céus!

Estranho estranhamento. “Sentado no patamar, espero a chuva. Dela necessito para que seja verde o verde plantado no barranco-jardim que me conduz ao mar.”

Assusta a seca deste tempo sem chuva, o excesso de sol, de vento e o poder de mastigar a água… A carta segue assim:

“Será a imagem de mim mesmo? A natureza copia o que eu sou? Tenta ( a natureza) ser como eu sou? Magra e pálida. Esquálida, mas resistente. Acabo de ler tuas cartas, chegadas pelo correio a Cabo Frio, de lá trazidas à mão ontem e entregues hoje pelo  meu caseiro. Como vês, tudo normal, à antiga. Lento para que seja saboreado. Teu relato do(s) diário(s) de março de 93, maravilhoso, profundo. Já te disse que o ‘diário’ é a forma literária por excelência, a que diz de nós mesmos com a intensidade de tudo o que somos, sabemos, queremos ser, pretendemos, sonhamos. Li – os primeiro, por mera casualidade. Depois, tuas cartas, dactilografadas (por ser mais fácil) antes, logo as manuscritas (teimo em escrever manuscriptas, pois me parece mais authêntico…). Lendo te, te amei […] Lendo -te , te amo. […] a carta rasgada em dezenas de pedacinhos brotou pelo envelope, como água se esvaindo entre os dedos da mão, logo, me obrigou a um longo trabalho de restituição. Um trabalho de chinês. Pedacinho a pedacinho, cantinho por cantinho. Quando tudo está quase pronto, as peças enfileiradas, o rasgado colando -se  pela conexão das ideias e das palavras, veio o vento que leva a chuva e tudo (quase tudo) esvoaçou varanda a fora. O piso é de sarrafos grossos, com espaços entre si,  e os pedacinhos da carta rasgada […] desapareceram pelo chão, sumindo como num sorvedouro. (Diz – se ‘sorvedouro’ aí ou isto é, ainda reminiscência dos meus anos lisboetas?) A paciência é, talvez, o maior que tenho, além da ternura e da necessidade de amar e de que entendam que eu  amo o amor e o ser amado.”

E toda ela, a carta, faz a volta no/pelo amor amado de amar do mar. Estas coisas de amar ou apaixonar ou sei lá como se diz. Ou são apenas mar… Elizabeth M. B. Mattos – fevereiro de 2020 depois de tantos! Quantos anos!

Não quero de volta o passado. Passou! Mas, mas, mas…, tão bom ter passado!

fundo do poço

O fundo do poço com escadas… Não posso me esquecer desta observação amiga. O poço tem escadas, deve ter. Da loucura ou do desespero, ou da alienação ela mesma, ou será o desconhecimento do eu. Do intrínseco, intransferível que se desgoverna num / ou noutro pedido de socorro… As fotografias. Ou…, não consigo pensar a maior, ou a melhor urgência da fotografia do que o desejo da permanência no outro. Não guardamos mais as imagens, elas se guardam na nuvem. O registro, a vontade de ser além da própria vida transforma a viagem num clic… Palavras amontoadas, publicadas, lidas, escritas, mesmo no mais remoto, o homem desenhou, deixou rastros, “caixas” a serem descobertas e ventiladas, recolhidas: diários virtuais ou cavernas? Sou eu a escrever sem poder parar, sem pensar, sem gerenciar, ou organizar, sou eu a escrever num clicar constante e obsessivo. O ser humano na /em vida preparou / prepara a finitude na memória no registro alucinado. Permanência. E loucura  a se iluminar em palavras, em fotos. Uma montanha de fotos a descrever o caminho, a passagem, o desesperado ir. O eterno voo para o outro lado do quintal, e de repente, o mesmo quintal de sempre chamado de terra / barro, país ou como é mesmo lugar que não acerto no mapa? Eu viajo na viagem dele. É isso? Ou ele se alarga na minha cabeça a pinçar sentimento de ausência. O amor do amado, o amor amado por este filho, por aquele sorriso. O amor do afago. O álcool, o ópio, o cigarro, a droga das drogas, o dinheiro, o poder de ser/estar além de mim mesma. Será isso/assim esta vida viva de se ausentar e presentear. Não importa o esconderijo. Não existem janelas fechadas. O verão voltou abafado. É o mar que se encolhe, ou as geleiras desaparecem… Flávio Xavier descreveu tão bem o que não queremos mais ver, o extermínio. E a guerra. Daqueles mortos renasceram tantos outros também mortos, e somos todos inconsequentes…. E.M.B. Mattos – fevereiro de 2020

Impressionada com as fotos e tantas fotos!

magérrima

Por  qualquer fresta:  aflição ou angústia ou tristeza se instalam, e se espalham…  Assim mesmo, todos os dias, em todas as horas de sol/com sol eu me recomponho. Passou. E nada! Que exercício tão complicado sobreviver! Beth Mattos – fevereiro de 2020
Azeda. Irritada num quase tanto que e tudo, e coisa nenhuma. Da alegria, alegria. E da alegria ficou nada. Se escondem as palavras positivas e as gordas. Procuro. Estou magra, magérrima, quase seca e não encontro a resposta.
roupa e perna.jpgtapete e roupa.jpg

de mim

quero me esconder no sono,

e o sono se espalha pelo chão, e desaparece enfeitiçado de palavra, e me sufoca

quero voltar, e sem caminho/ou estrada/ ou sentido eu me perco

olhos nos teus olhos, eu me perco de mim, em ti

sem rumo, não estou, encolho na tua voz

e não chegas

beth mattos / Torres / fevereiro de 2020

branco e preto na mesa

rosto japonês

Os apuros de Giacometti com um rosto japonês. O professor japonês Yanaihara, de quem fazia o retrato, teve de atrasar dois meses a partida porque Giacometti nunca estava satisfeito com o quadro e o recomeçava todos os dias. O professor voltou ao Japão sem seu retrato. Esse rosto sem asperezas, mas grave e doce, devia desafiar o seu gênio. Os quadros que subsistiram são admiráveis de intensidade: algumas linhas cinzentas, quase brancas, sobre fundo cinza quase preto. E o mesmo acúmulo de vida de que falei. […] Poo desenha com precisão – sem dispor com arte – o forno e a chaminé que estão atrás de mim. Sabe que deve ser exato, fiel à realidade dos objetos.

Ele: É preciso fazer exatamente o que está diante de nós. Digo sim. Em seguida, após um momento de silêncio:

Ele: E, além disso, é preciso também fazer um quadro. (p.64-65) O ateliê de Giacometti –  Jean Genet

IMG_20200214_160229 desenho e escultura

Volto ao retrato aquarela  de Carmélio Cruz: meus dezoito anos. Cabelos despenteados se desenham no detalhe do pincel. Penso nos retratos  de Goya, e no fantástico, na violência da guerra. Alberto Giacometti não encontra, no rosto do professor, alma-artista.

Essa capacidade de isolar um objeto e de fazer afluir nele suas significações próprias, únicas, só é possível pela abolição histórica daquele olhar. É preciso que ele faça um esforço excepcional para se livrar da história, sem se tornar uma espécie de eterno presente, mas antes, uma corrida vertiginosa e ininterrupta do passado para o futuro, uma oscilação de um extremo ao outro, sem repouso.” (p.48)

IMG_20200214_155552 Giacometti

Alguns livros pequenos e intensos voltam. Assim arte e desejo se abraçam… E o esforço o método a vontade acontecem / se realizam num único e certo e possível esforço. A lágrima  de um soluço. Perfeita. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 – Torres

2019-11-24 08.31.08

nove de nove na casa duzentos e vinte e nove com o telefone dois quatro sete nove num dia nove de fevereiro

image mais nítidaTento usar o sistema, atrapalhada. Noite sem dormir. Cedo caminho até a praça. Chuva miúda. Preciso de uma xícara de café. Noite branca. Agitada na imobilidade exigida/posta e assustada… Há cinquenta e dois anos atrás eu estava me casando com Geraldo na Igreja São José em Porto Alegre. Um dia de verão quente. Muito, muito, muito quente. Persigo o número 9 nesta matemática de infinito. (09/02/2020 07:13:43)

No mesmo dia viríamos para Torres. Lembro da nossa juventude. Esticar os lençóis e arrumar o tempo de ser marido e mulher. A ideia do para sempre e sempre…  Casamento de verão! Fora do lugar. Sabíamos inventar, inverter e ser apenas a vontade da urgência, a nossa.

A fugir e a me esconder da sombra. Escamoteio pensamento. Perco o rumo. Atrapalhada no viés. Ser eu comigo… Emaranhado de sol sem sombra, com frescor de primavera.  Ou verão tão e tão completamente escondido noutro verão. Todos os velhos aparelhos eletrônicos obsoletos me fazem falta. Não me renovo. Esta noite eu senti frio. Elizabeth M.B. Mattos – fevereiro de 2020 Torres

Sombrio e lento… Tomaria uma xícara de chá com uma enorme fatia de bolo de chocolate, ou bolo de laranja. Ou uma xícara de café com torradas e mel. Ou sou eu a tricotar e a esperar o inverno. Onde estarás? Estou.