Marionetes

A obscenidade, atribuída a mente. Interpreta e usa os sentidos. Capta o pré-juízo de sua própria obscenidade. Ensaio? Ou o experimentado antes da apresentação.

Atropelo informações. Desenho lembranças nas raízes necessárias do florescer. A quaresmeira se debruça na janela; o jasmim se esconde no verde, perfuma a sala. Passa o susto: suor seco. O improviso do esperado encontro: converso a conversa, mentalmente.

A saia escorrega entre as pernas. O corpo se manifesta. Braços firmes, rosto esquálido. Iluminada pelo entusiasmo: inesperada, esperada visita. Elaboro / monto o estratégico palco, tomo posições, modulo a voz. E me entrego ao presumível. Decodifico médico e paciente, a doença e a cura.

Emaranhado de lã neste dia ruidoso. Aporto / chego em Porto alegre e seco. Escuto a história das moças perdidas e achadas nas rodoviárias das capitais: busca silenciosa de possíveis talentos. Cura – se com pão. arroz, feijão e leite. Retribuição no abraço amigo desta rede rentável. Nada me surpreende. Nenhum músculo se movimenta: confessor e pecador. O obsceno mundo do submundo aberto. Calçadas largas de capitais, êxodo lacrimejante de impotentes. As moças, e seus fazedores de talento. Como nos contos de fada: o príncipe e a princesa perdida. (?!) Encontrada,. Ambos garbosos, chegam ao palácio…. Naturalmente, serão foram felizes para sempre. Todos.

O cochilo atravessou a história. A voz inunda a ideia burguesa de brilho. Limitada ao frágil emocional. Grito de socorro interno. Velado, cheio de odores estranhos. Apreender um ofício se mistura ou se alterna com o aprendizado da sobrevivência. Etapas coloridas. Limpas? A pluralidade parece inverossímil, mas as máscaras legítimas se manifestam polidas / assombrosas para o encontro. Aprendo a ler os olhos. Sinto teu cheiro, sem olhar teu o corpo. Equívoco inequívoco: não há cheiro, tal qual o personagem de Patrick Süskind. Palavras serenas definem a irreverência. Sustento o tema, as histórias, também o seu olhar.        Como maçã picada, bebo no copo bojudo, água com gelo picado. As pás do ventilador se movimentam no meio da sala. Estes ventiladores de teto e pó! Sinto o cheiro do cigarro. O piano, a despedida e a guerra. O último lugar.  Não gosto de marionetes.

                                               2.

O narrador pode, contrafeito, abrir o caderno de receitas. Fazer um bolo, descobrir um mistério. O inconsciente dinâmico, produz conteúdo picante. Reagrupa os existentes. Trabalha numa relação compensatória e complementar com o consciente.  No inconsciente, o movimento, o pessoal. A busca consiste em conhecer a si mesma.  Em pesquisa, percebo que a psique trilha um objetivo: o encontro com o próprio centro, a unicidade. A Individuação, que não é um processo repentino. Retiro a máscara, retiro a projeção.  É doloroso, difícil voltar para dentro de nós mesmos: sair do círculo imaginário. A manipulação dos sentidos é obscena. O som em decibéis a rebentar os tímpanos para surdez iminente. Tocar o corpo, tocar o vento ou a água, tocar o desprazer de todos os sentidos pode ser obsceno. Manipular ou conduzir alguém ao inimaginável desvirtuando sentido natural de vida. Na revolta: a escola, obscena. a política, obscena. Jean Jacques Rousseau obsceno. A família pode ser obscena.

O sexo com o teu corpo ou com o corpo do outro, um processo de descoberta natural, não um manancial incorporado, pelo menos não no ocidente. Aqui nos propomos liberdade, fluidez e as habilidades não são religiosas.

Cansado cai, e aflito, no
relvado,
Fita os olhos nas nuvens, e
emudece.
Sem dormir, sem comer, fica
parado
Enquanto o sol três vezes
sobe e desce.
A dor aguda o deixa
exasperado
E tanto vai crescendo, que o
enlouquece.
Ao quarto dia, o furor dele
se apossa,
Couraça e malha em fúria
ele destroça.

 In Orlando furioso de Ludovico Ariosto

Nestes genuínos movimentos a criatura se movimenta dentro da vontade a partir do olhar. Justo no seu, pessoal e único campo de visão. No oceano despontamos como ilha  junto a outras tantas ilhas outras ilhas. Segundo Jung: “Existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. Uma repetição infinita gravou experiências em nossa constituição psíquica, não sob a forma de imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente como formas sem conteúdo que representavam a possibilidade de um certo tipo de percepção e de ação.” Jung não aceita as insistências de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos  são de natureza sexual. O que é o sexo? Todas as interrogações permitidas. Respostas adormecidas ou despertas dentro de cada um de nós. Como funciona este motor do homem?

Através de libido?  Libido igual a apetite,  instinto permanente de vida que se manifesta pela fome, sede, sexualidade, agressividade, necessidades e interesses diversos. Tudo compreendido no conceito de libido. A libido,  energia psíquica. Digamos que para o homem comum a vida perpassa a vontade. O ser humano transita na adaptação manipuladora de outros indivíduos, mas é recíproco  porque social. A manipulação de uma única via é obscena. O uso da máscara facilita a comunicação com o  mundo externo, com a sociedade, com os papéis exigidos.  Pela convivência, num processo que acompanha nossa natureza somos amestrados para sermos aceitos no grupo a que pertencemos. É obsceno? Ou é o passaporte para nos protegermos e nos sentirmos protegidos, únicos e previsíveis?  Passaporte que pode ser nefasto se perco a verdadeira natureza.  Os possuídos por sua persona tornam-se pessoas difíceis de conviver. Rígidos, exigem que  todos se comportem como ele.  Atravessar a ponte com cautela, olhos abertos. A pessoa que sofre a projeção carrega / leva um “gancho”. Esta história começa na concepção, passa pelo nascimento, portanto uma projeção da nascente, a mãe. Reeducar, educar para seu confronto pessoal não seria obsceno?

Estou perdida nestas elucubrações. Aperto as minhas mãos ansiosa. Ergo a cabeça. Interrompo meu discurso, que neste momento se perdeu…

– O movimento de corpo é nascente de combustão, não pode ser manipulado. A manipulação que é sempre externa será um ato de obscenidade, caso contrário, artificial. Sai de um jato só esta frase. Estupefato ele separa minhas mãos num gesto amigo. Olha firme para mim e diz:

– Preciso ir embora. Elizabeth M.B. Mattos / texto perdido / achado. A ser revisado. Novembro de 2021 / Torres / a ordem, o correto / o que já foi escrito / ficou, o que deve desaparecer… Não terei tempo, não terei tempo porque perdi tanto tempo! As despedidas, necessárias, as lacunas preenchidas. E tu precisas voltar.

Rosalba

Sonhos sem espinhos, roseiras de raízes perdidas nas terras adubadas, renascem. Leituras interrompidas, ansiedade presente. Teu vulto, tua voz, aqueles desejos achados, e a vida atravessada num ir e vir insistente, tumultuado, apaziguado, encantado. Tu és tu, sem desistir, enfrentar. Como te gosto! Lembro! Lembro! E tu voltas. Caminhamos pelo pensamento inquieto e ardente. E com todas as interdições aqui estás: entras. Eu me surpreendo encabulada porque não te esperava audaz, decidido, e, num/com sorriso mostro meu espanto. Eu me atrapalho com palavras. Esqueço as corretas, digo todas as impossíveis, enfeitiçada.

Agora, por favor, escuta a história: vou ler em voz alta para me aprenderes (apreenderes também) a ouvir, redesenharás nosso contorno. Enfeitiçarei tua fantasia, teu amor sorrateiro, tuas aventuras, elas , também, inquietas. E daremos um passo na nossa pequena história.

Em cima da escrivaninha estava a sacola mágica, que se alongara de maneira surpreendente. O príncipe aproximou-se, abriu -a e imaginem só que encontrou dentro?…uma linda e comprida espada de punho-de- ouro, gume afiado e bainha-de-veludo-escarlate, onde se viam pordadas as palavras: Rosalba para sempre!” (p.101) William Makepeace Thackeray O anel e a rosa

Ah! aposto na confusão: as primeiras palavras / Ops! A primeira leitura é mesmo tão confusa / insignificante, não diz nada, mas se misturares tudo e liquidificares, encontrarás outras estórias / lerás nas entrelinhas o que não consigo escrever nas linhas.

furtivo

Aliviada, queimaste cartas e fotos. Ardente lembrança tempestiva. Ao me desnudar estremeço, depois tremo no pudor. Bom que sabes arrancar o medo e me acordar. Guardo o colorido / festivo sentimento: amor que sinto por ti. Confesso ansioso amor. Releio mil vezes o que me escreves até comprimir o sentimento… O extravio na papelada do correio, mas nas caixas guardo nós dois, como se fôssemos pigmento. Misturo/ preparo e uso o pincel mais grosso para escorregar. Desenho na tela, esparramo as lembranças. Passo os dedos pela tela, loucura absoluta. Pelo tato, pelo cheiro sinto teu corpo. Uma página da tua carta (uma basta) aquela dos teus beijos no meu corpo, a das tuas promessas sussurradas: despejo vermelho, depois esparramo o castanhos, desenho teu rosto, aperto teus olhos, defino tua boca. Não és mais o garoto/menino da minha memória. Deixo uma palavra boa, a melhor, a flutuar pelo amarelo… Jogo a tinta branca respingar em / por cima de nós dois. A tinta demora a secar. O desejo se agita, grita: tempo indefinido. Uma semana, um mês inteiro. Queimo ansiedade em longas caminhadas. História boa / beleza certa, tu és mestre. Obrigada por destruir vestígios, sim. Sem rastro. Se estivéssemos, hoje/agora juntos nem fotos, nem bilhetes, nem tempo existiria, apenas tu e o meu delírio. Hoje cavoucarei a terra até os dedos sangrarem. Alguns artistas pintaram com sangue, a loucura da imaginação / transgressão. Karin Lambrecht. Não sei,… os museus, as galerias te interessam? Tenho tanto para apreender contigo… O mundano da beleza se remexe…Tu podes me levar, não esquece… hoje, amanhã, depois de amanhã já… Tenho certeza que virás por mais tempo (foi tão furtivo, tão abrir e fechar o nosso último encontro!), depois esquecemos tudo…, eu te prometo. Apenas hoje enquanto ferve o desejo. Elizabeth M.B. Mattos – maio de 2021 – Torres

viciada

Viciada em Duolingo. Envolvida na rotina. Netos, comidinhas e jogo. Filhos pendurados nos fios telefônicos, temperaturas se alteram… Leio jornal: amasso as notícias. Ventania inacreditável! Aliás, o vento carrega Torres. Já fez outras mágicas, sumiram as dunas. E a praça vira estacionamento (nada me surpreende mais do que isso?!). Automóveis percorrem distância urbana, nada de caminhadas, nem de pensamentos. Concentro inquietude! Superpopulação praiana se recolhe nos soberbos edifícios: deslumbrantes apartamentos, trancados nestes dias, o vento venta. A fantasia se espanta. Elucubração, ou desejo. Faz frio. Ou sou eu que encolho no inverno? Estranho mês de novembro friorento e surpreendente. Volto ao Duolingo. Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2021 – Torres

Cheiro de terra, de verde e descoberta…

“Nós nunca nos renderemos.”

Sonhar o mesmo sonho / sonhar o teu sonho, lutar na tua luta, e vencer. Nós nunca nos renderemos! Não vou saber como estou no teu sonho / nem saberás do meu. Dormimos a noite de dormir, e, quando abro os olhos esqueço o sonhado. Levanto, lavo o rosto. Passo o café, esquento o pão, e a manteiga derrete. Leio o jornal. E tu te espreguiças.

David Coimbra – Zero Hora de hoje, 16 de novembro de 2021 – citando Churchill: –We shall never surrender!- Nós nunca nos renderemos! “Nós iremos até o fim. Nós lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos. Lutaremos com crescente confiança e crescente força no ar. Nós defenderemos nossa Ilha a qualquer custo. Lutaremos nas praias. Lutaremos nos locais de pouso. Lutaremos nos campos e nas ruas. Lutaremos nas colinas. E nunca nos renderemos!”

E se o contexto não é guerra / transponho: enfrento o sol e o vento, vou neste novembro invernoso. Vou, todos os dias, a buscar energia e teu espreguiçado sorriso. Coragem! Eu te dou o sopro! Acredito, sopro o amor que sinto por ti… Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2021 – Torres

fragilidade

“Para ela é como se tivesse sido ontem, hoje. Quanto mais as pessoas se aproximam da morte, mais se aproximam da vida passada; os fios da memória são cada vez mais curtos, mais enredados, tomam-se presente que não se pode mais destrinçar. E assim os dois ainda hoje brigavam a sua briga de décadas atrás, com espantosa vitalidade apesar da sua fragilidade.”(p.141) Hermann Broch O Encantamento

A fragilidade deste cotidiano arrumado para não ser apenas agora / hoje, mas coisa de tempo espichado e encantado… Tanto se espera da trivialidade embora as pessoas se agitem… E indo/caminhando/correndo de um lado para outro se surpreendem com o mesmo. A espera pode ser o abraço, o silêncio na pressa de ir e ir, passear, chegar para logo depois sair. Alianças se fecham neste ritmo, desejo de para sempre. Doença lenta do tédio. E este querer indefinido. Oxalá eu segure firme o teu poder de me querer e siga te querendo mais, e mais. Saudade antes mesmo de saíres, antes de fechar os olhos, eu sinto saudade. Deve ser do dia, não da noite! Onde estás que não te sinto comigo? Elizabeth M.B. Mattos – novembro de 2021 com gosto de vento nesta despedida.

Feitiço de/com pérolas, desesperadamente, lindas / preciosas / cultivadas, e, raras, dificilmente, verdadeiras, porque vivas, ou… Estou a choramingar e a me despedir, sem saber para onde ir, sem querer chegar. Como venta! Sinto frio! E o sol se agita.

alergia/coceira

Relações soltas, alegres e generosas, mas, aos poucos, se fecham…. Apertam. Começam a coçar, alergia.

As pessoas inventam o cenário: remexem no jardim, pintam a casa, trocam os móveis de lugar. Aquele porta retrato engraçado: T O D O S sorrindo, abraçados! Casais perfeitos! Grande clique! Felicidade evidente: juntos, agarrados, misturados: quem é quem? Ninguém. Casal perfeito.

Não sou mais um, sou dois, e sendo dois, feliz! Foto referência carimbada em dois! Céus! Sou eu a errada. Sou eu a infeliz! No fundo, em verdade, também eu gostaria de ser carimbada: ocupada, vaga preenchida. E eu não sou eu. Importa preservar identidade, amigos. No retrato, os teus, os meus, os nossos e amigos, se amigos houver/existir. Por que fica tudo ‘apartado’?! Os meus, os teus e os nossos não podem sair no retrato, mas há que ter o oficial / pelo menos o oficial daquele momento… Somos aquele instantâneo momento, não importa a categoria: sim, comunhão! Amor em categorias e lógicas. Os mais genuínos serão sempre os juvenis / os desavisados! Depois, cálculos ajustados e generosos. Sim, os cálculos. E os possíveis naquela específica caixa, com aquela urgência, inclusive, a hospitalar, e as fitas escolhidas! Confuso gostar / confuso desgostar / confuso permanecer / e mais confuso ainda deixar para trás. Elizabeth M. B. Mattos – novembro ventoso, ora sol, ora vento / ora frio/ ora calor, sem chuva. E os beijos se encontram! Que bom!

pontos de silêncio (para J.C.K.C.)

” As cidades se reconhecem pelo andar, como as pessoas. Abrindo os olhos, o recém-chegado deduziria o mesmo da vibração do movimento nas ruas, muito antes do que qualquer detalhe típico. Ainda que fosse só imaginação, não importa. A supervalorização da pergunta: onde estou? vem do tempo dos nômades, em que era preciso registrar os locais de pastagem. Seria importante saber por quê, ao falarmos num nariz vermelho, nos contentamos que seja vermelho, sem nos importarmos com o tom especial de vermelho, embora este possa ser descrito com exatidão em micro milímetros, pela frequência das ondas. Mas numa coisa tão mais complexa como a cidade em que nos encontramos, sempre gostaríamos de saber exatamente que cidade é. Isso nos distrai de pontos mais importantes. Portanto, não se dê valor maior ao nome da cidade. Como todas as cidades grandes, era feita de irregularidade, mudança, avanço, passo desigual, choque de coisas e acontecimentos, e, no meio de tudo isso, pontos de silêncio, sem fundo; era feita de caminhos e descaminhos, de um grande pulsar rítmico e do eterno desencontro e dissonância duradoura das casas, leis, ordens e tradições históricas.” (9-10) Robert Musil O Homem sem Qualidades

semente

Não acontece/ não explode a vontade! E mesmo assim sinto o gosto perfumado da expectativa. Palavras fervem, saltam, mas se atrapalham amontoadas… Sentimentos contornados pela confiança, recheados de desconfianças. Não posso esquecer da vida a seguir/ a se multiplicar. Outra vida! Nem da caminhada, nem das aquareladas expectativas: memória, lembrança, ou passeio pela calçada!? Quero uma madrugada insone, lua, estrela, noite de verão… Quero. E gosto, gosto de te pensar, gosto de te gostar, meu querido. A cidade se agita dentro do feriado espichado! Areia vento e gente e o mar se prepara! Imaginação! Festejo o verão, guardo as tuas sementes, e vou arrancar dos cadernos as histórias… ElizaBeth M.B. Mattos / tem um gosto de tempo de ontem neste meu hoje. Novembro de 2021 – vou ter que tentar outras vezes! Vou ter que querer e desejar com mais força! E a mágica entra devagar no meu corpo.