Um equívoco

maravilhas do Claudiodo Claudio

Claudio Bohrer  fotografou. Sul do Chile, Ilha de Chiloe. E vou vendo o mundo… Ver fotos.

Talvez o/um equívoco possa ser o final do jogo. Interrompi o processo parei de pensar. A lembrança está/parece esvaziar, murchar. Por que estamos vivos? O que é estar vivo?  Cozinhar lavar passar a roupa. Encerar abrir as janelas fechar as janelas. Guardar as roupas. Sacudir os lençóis. Arrumar as gavetas. Varrer. Fazer o café comer as torradas e beber o café. Olhar para a chuva. Olhar para o sol. Ler o jornal. Abrir o livro, rabiscar. Sentir tristeza. Regar as flores. Escutar a amiga, beijar o filho, o neto. Sorrir. Prender o cabelo, e olhar a foto. Escrever. Que coisa bem estranha, e sou eu…  Eu me escondo encolhida neste envelhecer sem graça. É preciso cuidar, arrumar, perfumar, e principalmente, beijar, abraçar e seguir.  Como é bom te abraçar! É precisa amar quando envelhecemos: tristeza súbita. Casas destelhadas, arruinadas, desolação. Vou sentir frio, vou encolher mais depressa. Desejo ardido. Vontade ensandecida de amar o amor outra vez. Beijar acarinhar veranear festejar. Restrição. Complacência. A coragem sangra…  Desinteresse plantado na indiferença que murmura. A fraqueza está acampada dentro de mim. Tudo desproporcional. E o vento, o vento que venta leva tanto vento de encontro as janelas, as frestas e os vidros sacodem…  No tabuleiro soluções. A rainha e o rei atordoados, os peões gritam. As torres parecem firmes. Os cavalos correm…  Os cavalos galopam. Eu parei. Por favor, estende tua mão. E eu vou me reconhecer outra vez no teu olhar. O inverossímil. Alguém que somos, mas não podemos ver, nem entender. És aquele que és sem eu saber quem és. E eu sou sem me imaginares possível.  Vou investigando, arrancando raízes, adubando, aplacando ansiedade. Tens razão quando me desejas um bom dia!  Ter um boa noite, ter um esteio, ter um amado, ou ter um amigo. Estou esquecida…  Vou fazer as malas. Vou para mais perto, ou mais longe desta Elizabeth. Vou brincar de ser a outra. O jogo de ser achado e ser perdido…  Estar e não estar. É quando não se espera mais nada para si mesmo que se pode amar. ElizaBeth M.B. Mattos –  março de 2017 -Torres.

Beth hoje

Toda palavra é cicatriz

desenho o sonho brennandA história circula azeda e tendenciosa.  É preciso lavar  angustia medo e o escuso. Lavar na calçada (em bacia) lavar no tanque na máquina de lavar ou pelo fio do telefone… Limpar tristeza decepção escondida, mas lá dentro ativa a espernear e a se defender do outro, no outro… Estórias se multiplicam estranhas e assustadoramente as mesmas… Velhos chafurdam desconfiados nestas delícias putrificadas das esquisitices do outro, do sucesso do outro da dor achada do outro. Corrompidas histórias escalavradas, e medrosas. Toda palavra é cicatriz diz André Ricardo Aguiar, poeta pernambucano de Itabaiana. E o que importa? A pergunta ou a resposta? Não resisto: “E, quanto a mim, exultante e comovido com a descoberta de O Leopardo, de Lampedusa senti uma tamanha identificação com o príncipe Salina, como se fôssemos de fato os últimos a possuir recordações insólitas, distintas de outras pessoas. ” Diário de Francisco Brennand, O Nome do Livro Vol. II  1980 – 1989.

Quando eu desaparecer não haverá mais mundo. Não vou abandonar nenhum mundo porque o mundo é apenas o meu olhar…  Eu sou o mundo. O amargo da vida e o azedo da conversa, estas angustias pequenas não importam, estão certamente do/no outro lado. Beth Mattos, Torres. Elizabeth M.B. Mattos

De repente perguntou a si próprio se a sua morte seria semelhante àquela: provavelmente sim[ …] Como sempre, a consideração da sua própria morte serenava-o tanto quanto o perturbava a morte dos outros, talvez porque, no fundo, bem lá no fundo, se a sua morte fosse, em primeiro lugar, seria a morte do mundo inteiro. ” (p.230) O Leopardo de Lampedusa

DESENHO Brennand

Desenhos de Francisco Brennand

Tudo precisa ser entendido

Donnafugata ragusa2012

No centro do tanque redondo, sobre uma ilhota, modelado por um cinzel inábil, mas sensual, um Netuno descarado e sorridente agarrava uma Anfitrite complacente; o umbigo da deusa úmido da água dos borrifos, brilhava ao sol, ninho, dentro em pouco, de beijos escondidos nas sombras subaquáticas. Dom Fabrízio parou, olhou, recordou e teve saudades. Ali permaneceu por muito tempo. ”

O Leopardo de   Giuseppe Tomasi, príncipe de Lampedusa. Inominável. Delícia de livro. Absoluto e correto testemunho. Tudo precisa ser entendido …. Que agudo observador e preparado escritor. Obra prima. Senti o calor escaldante da Sicília e caminhei pelos jardins do palácio com Bendicò.

Dom Fabrizio havia tido muitos aborrecimentos naqueles últimos meses: tinham vindo de toda a parte, como formigas ao assalto de uma lagartixa morta. Alguns haviam nascido nas fendas da situação política; outros haviam -lhe sido atirados para cima pelas paixões alheias, outros ainda (e eram os mais pungentes) haviam brotado de si mesmo, das suas reações irracionais perante a política e os caprichos dos próximos (quando estava irritado chamava de caprichos aquilo que, quando calmo, designava por paixões); e todos os dias passava em revista estas preocupações, fazia- as manobrar, juntar -se em coluna ou dispor – se em fila na praça de armas da sua consciência, esperando vislumbrar nestas evoluções qualquer finalidade que pudesse tranquiliza – lo, mas não conseguia.“

Vais abrir o livro e reler. Ou pensar ou esquecer porque o tempo de hoje (também o de ontem e o de antes de ontem) fervilha impossível em nossas cabeças e é melhor afundar mesmo na preocupação doméstica do dia e da hora em que a sobrevivência grita e assalta, mas eu te digo, ler ou reler! Vale cada minuto. A leitura passa por cima de todas estas coisas. Alternância de classes sociais tão alardeada pelos injustiçados e …  Se ambiciona tanto poder e dinheiro …  E no final, tudo igual. Trocam os lugares, mas o mundo e as pessoas não mudam.  Divertido aprender a ser rei e poderoso no lugar de um rei e poderoso que se esconde na mansarda …  Há que se entender a vida no seu prazer máximo, viver. Não existem substituições.

O LeopardoFilme O Leopardo

 

. . .ainda Lampedusa

igreja beleza interior

O que penso?  Já começaste a escrever. A vida de Príncipe se abre organizada aos meus sonhos. Pés enfiados na areia sinto a água do mar. E a praia e a serra conversam. O balneário e a capital conversam. E meu café preto se encanta com a taça de chá. Descalça, desarrumada nas roupas pretas, eu te penso. Vento nos cabelos. Ansiosa revejo mentalmente o livro de Lampedusa. Lembro das castas da nobreza dos degraus. E penso a burguesia o rebelde o camponês/ agricultor/ pescador. Se pudesse sentir os pés no gramado do teu palácio! Ter os braços ao sol. Se pudesse ser rebelde altiva proletária poderíamos assim mesmo conversar? E beber os vinhos da Sicília com casta de Nero d’Avola?  Sabor apurado gesto comedido a brindar. Conversa adequada e o tom certo na voz como se estivéssemos nos salões e não sentados nos degraus de um chalé beira mar. Beth Mattos de Torres -2017

A sua volta pairavam outros espectros ainda menos atraentes que aquele: porque morrer por alguém ou por alguma coisa está certo, é da própria natureza das coisas, mas era preciso saber ou, pelo menos, ter a certeza de que as pessoas sabem por que ou por quem morrem.”  (p.23)

O Leopardo, Lampedusa

Portugal linda e invernosa

Explicações

o teto da igreja lindo

Meu amigo distante e próximo. Difícil encontro posto que estamos alojados em planetas diferentes antagônicos e confusos, o teu e o meu. Aos poucos me dou conta que as cercas, os acertos, as línguas faladas, também as escritas, as montanhas, as escolhas fazem a diferença. A idade a beleza o esquecimento e a loucura de cada um alteram/modificam tudo que possa ser o que chamaríamos nós dois. Fujo dos telefones, das vozes, do que se faz moroso ou cerimonioso, formal, social, então, o que precisa ser dito vai se esvaziando no não mencionado e a experiência alegre e surpreendente de cinquenta anos atrás se transforma numa nuvem cor de rosa como é cor de rosa a memória dos vinte anos. Há que se guardar o fio, enrolar a linha, fazer o tecido, o tecido possível, com as ideias, imagens, lembranças possíveis que se apoiam, ou se costuram, ou fazem sentido. Procuro por elas. Não encontro. Teus interesses, meus interesses. Tua vida e minha vida aonde se escondem? Insensível ao teu trabalho, tua rua, teu estado, teu país teu inglês, teu português, teu francês, teu espanhol. Outra vida, outro encontro, outra voz. Quem sabe? De mim tens amorasazuis que se não são verdadeiramente azuis pouco importa, são amoras. São mesmo amoras e as minhas e pessoais amoras. Sou eu, e, se não tens tempo para as frutinhas fora da estação… Não tens tempo para mim. E, porque terias tempo para ouvir lamúrias, devaneios ou… Não sei mais o que nos diríamos por telefone a olhar por uma tela impessoal um para outro? A olhar um para outro, me respondes. O que se diria com este aproximar ausente, distraído, descosturado? O que sinto, ou o que penso… Importa? Está escrito, jogado, experienciado. Egocêntrica, egoísta, ou ausente, não sei exatamente as palavras. Se não bebemos vinho porque nos ocupamos dos rótulos, da embalagem, ou pegamos os cálices? Um copo d’água, um bom dia, um caminho, uma conversa…  Deve ser isso. Insensível. De repente fico azeda distraída, confusa. Nada sei das estrelas do céu pouco dos teus casamentos menos ainda da tua filha pouco dos teus sonhos dos filmes das atrizes ou atores desta América tão americana das escolhas, dos teus amores. Eu me afasto. Claro que te penso. Claro que te gosto. Claro que sou amiga, mas das cartas, dos vagares escritos. Das flores. Do cheiro da terra. Dos cães. Dos livros. Das lembranças. Alguma coisa se perdeu no meio do caminho meu amigo. Eu ainda não encontrei. Um beijo carinhoso, um olhar distante, ausente e esquisito segue pelo computador. Elizabeth M. B. Mattos de Torres

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O irônico do retrato

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A tartaruga perdida me reconhece e vem em minha direção achada. A filha esquecida na casa dos chineses …. Eu procurando. Inquietante sensação de deslocamento. O olhar prepotente vê o mundo desgastado esgaçado. Não reconheço. A mais bela foto! Um caroço de abacate a espichar raízes. Uma folha verde. A vida em ritmo natural/normal. Perfume de fubá, cheiro do assado. E …, e o calor manso fervente que se estica. Depois o pesadelo no amontoado de fotos pontuais coloridas cheias de cabelos e trejeitos, homens e mulheres. Imagino a galeria de Picasso. Telas – retratos, essência da alma, e não a beleza padronizada preconizada e festejada da vaidade. Picasso a se deliciar na pintura com este retrato -espetáculo festivo. O aglomerado confinado festeja esvaziado. Vestidos acompanhantes, e as taças. Cadeiras espaços luzes abraços. A corte decadente  de reis a serem decapitados. A vitrine pode não ser elegante quando expõe no detalhe exposto o excesso. Algumas vezes ela pode ser elegante.

Inquietas personagens belicosas sem beleza ou sobriedade, sequer descontração. Evidentes manequins ostensivamente atentos se inclinam …  Padrão grotesco de tempos modernos.  Confinadas figuras de papel nesta sala de horrores e sacadas e brilhos e noturnos figurinos. Decotes saias plissadas. Amontoado de sorrisos fabricados a nos convencer que estamos/somos/permanecemos coroados e felizes a festejar.

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Ou ainda: “Não se pode deixar de dar razão: naqueles tempo a frequência de matrimônios entre primos, ditados pela preguiça sexual e por cálculos fundiários, a escassez de proteínas na alimentação [ …] inverossimilmente oliváceas, insuportavelmente ciciantes. Passavam elas o tempo grudadas umas às outras, lançando apenas apelos e coro aos rapazinhos estarrecidos, destinadas, parecia, tão somente a servir de fundo a três ou quatro belíssimas criaturas que, como a loira Maria Palma, a belíssima Eleonora Giardinelli, passavam deslizando como cisnes num charco pejado de rãs.” (p.225) O Leopardo de Lampedusa

Vou mudar de opinião

desmaiado-da-casaProcuro fechar teus olhos, tua boca, segurar teus braços, e te fazer sentar ao meu lado quieto. Procuro te fazer entender. Vou costurar com um remendo … vamos ver. […] ” incapacidade de anotar qualquer acontecimento presente, como se o presente não tivesse nenhuma face, como se fosse algo que apenas se preparasse para uma diluição ou esquecimento e em seguida o pretexto de recomeçar uma história, desta feita, no passado e propícia ao devaneio, aos devidos ajustes, todos na dimensão de nossa desatenta compreensão. O passado como fiel de balança.”   E todo encontro de agora/do hoje precisa rápido se transformar em passado para ser compreendido e ajustado e contado e nostalgicamente …. Bem, bem eu acho, bem quem sabe outra vez amado, desejado, plantado de prazer, ou outra vez o beijo, o grito, a loucura. Literário, não é? …  Mas me reconheço no que escreveu Francisco Brennand em seu Diário, aliás não era o texto que eu queria estar lendo, não é derramado nem verdadeiro, ou livre ou aberto. Como Iberê  Camargo ele se planta no sucesso de artista famoso homem público antes de ser íntimo frágil vulnerável acessível. Um roteiro literário sublinhado para grande fôlego.  No Diário estão grandiosas e amontoadas citações como se o mar fosse o livro. E os livros as rochas. O texto não tem aquele cheiro amado assimilado mordido bafejado e substituído. Não. O amor está devidamente catalogado, organizado. Estou engasgada com o gigante que plantou a semente já enxergando/vendo a floração. Sinto inveja. Não amor, nem desejo, nem cumplicidade.  Inveja deste poder organizado, limpo e objetivo. Ainda faz muito calor por aqui, sigo desejando … um balão.

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Esqueço o livro

Gosto desta correspondência silenciosa, não diria cifrada porque conversamos um com o outro e sabemos o que o outro sente ou vai dizer ou vai escrever. Já te disse outras vezes do meu sentimento. E repito o comentário formal, o recado. Eu, eu transito entre um livro e outro, entre um alguém  e outro alguém. Entre paixão raiva amor e tristeza. Na euforia do encontro uma certa melancolia porque já terminou… Sempre termina. Outro livro e outro livro para substituir o gosto do anterior. E o amor também termina. Eu me sinto desnecessária, impotente. Fora da viagem, da volta, da quietude: invadida. Largada. Aquele sentimento estranho de despedida. Última página. É sempre assim quando estou na história do livro, no texto, ou na viagem do outro. Depois um nada. Um pouco ansiosa. Ofegante. Um cheiro de fracasso. E vou saindo do romance para entrar logo no outro romance. Leviandade, inconsistência, imaturidade, inconstância. Leitura. A melhor aventura é interior. Descabelada, única, inconsequente eu já sabia. Absolutamente pessoal e intransferível. Esta coisa pequena do apego, não adianta querer ficar...  O livro se fecha desaparece, ou passa com sua mochila abarrotada: acampa noutra paragem noutra memória. Fico aqui neste canto da lagoa sem gramado a esquecer a palavra, a capa, o título, o porquê. Fico aqui a esquecer o amor, a paixão, o homem, o desejo: esqueço o livro. Outro culto. Outro lugar. Outra história. Ou então pode ser a viagem que se resume numa foto. Elizabeth M.B. Mattos – março 2017 – Torres

Rio de Janeiro, Viúva Lacerda, Largo do Humaitá – 1974

O tempo dos setenta anos e tantos – abril de 2021 – Torres – Rio Grande do Sul

Desaparece

Desapareceu aparece fica vai flutua pensa esquece na folha de jornal a notícia não mais do que notícia a palavra tua voz. E o espelho reflete vaidade sem saudade. Sombra sem sombra sem sentido sem elo sem fio sem chegada. Nada. Só a fantasia amiga do amigo. O jornal diminui  ou se extingue se reforma numa forma de revista sem cor, sem notícia, só o ia/vai … Há que ser resumo opinião o certo e o errado o bom lado do inferno escaldante e louco desta política malcheirosa deste sem caráter sem ética sem o outro, mas sempre só o eu do eu aberto exibido, e assim despido farsante…palhaço malabarista narcisista…Pois é, dia sim outro não, leio o jornal, apressada, nas escadas o jornal do vizinho que se esquece nem liga ou guarda o jornal da escada no vão da outra escada, esquece. Venta aqui. Venta um vento forte e morno. Do vento e do morno o bom do perfume doce dos jasmins. Espero a chuva. De notícias nem bilhetes nem cartas ou telegramas. Nada. O telefone toca apressado e grita estranho, desconfio, não atendo não falo desaprendo. Não ouço. Leio. Leio muito de tudo…Assim te envio mensagem ventosa no meio da noite que assobia e não espera, desaparece … marvao-portugal