pensar, escrever

Escapa no minuto o pensamento, escorrega, não consigo segurar. Prender / fazer ser meu. Esta coisa de ler alucina, tira do caminho o fácil e o difícil, viver. Arranca a pessoa da vida da voz do convívio dos pequenos prazeres do acaso. Estás / ficas perdida onde ninguém te encontra, aliás, ninguém quer mesmo te ver ou falar: estás fora / distante, noutro lugar…, nunca o certo, o bom, ao sol, sempre no meio da chuva. Então estas leituras esquisitas, perdidas voam. Recomendar livros parece a maior loucura das loucuras, antes os filmes, antes a cor, antes a troca. Esquisito vazio! E o prazer do riso, da voz (eu insisto) do com/ junto/ perto se esfacela… Vontade de mudar, mas ser outra  por quê? As crianças, os filhos, os amigos: preciso correr para encontrar. Estamos as duas, ônix e eu sem calçada porque chove, e frio voltou. Foi tão bom ser inverno! Agora me parece tão escuro invernar. Amanhã vou limpar a casa, polir e comprar flores. A cada dia uma volta. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

paty

 

o outro lado…

Livros traduções, autores se cruzam conversam!  Textos / um dentro do outro fascinam. Repetidos encontros, os mesmos e diferentes, como no amor e na paixão. Diferente! E tão igual, tudo sensualidade sexo e encantamento. Começou a chuva prometida, forte grossa e cinzenta, ficou noite dentro da tarde. E. M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

O mundo dos vivos já contém suficientes maravilha e mistérios sendo como é; maravilhas e mistérios agindo sobre nossas emoções e inteligência de modos tão inexplicáveis que quase justificariam a concepção da vida como um estado de encantamento.”(p.5) Joseph Conrad – A Linha de Sombra: uma confissão – [tradução de Maria Antônia Van Acker]

” Conrad não conhecera, em suas viagens, Montevidéu, mas, para desmentir a possibilidade de uma chave fantástica em seu relato, afirmava: ‘O mundo dos vivos encerra por si só muitas maravilhas e mistérios sendo como é; maravilhas e mistérios obram sobre nossas emoções e inteligência, que isso bastaria para justificar que possa conceber – se a vida como um sortilégio.'”(p.34) Carlos María Domínguez – A Casa de Papel – tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro

A casa de papael

 

comer sua alma

Manuscritos se escondem na alma, a delicadeza do livro, do impresso acontece por cooperação e generosidade externa, um alguém na outra ponta: a vivência, a coleta se aquece na alma amiga. Rouba – se o amor, o desejo, como aquela flor roubada, o amigo, o pensamento,  mas ninguém arranca a memória: o apartamento vazio, a varanda, a sala sem absolutamente nada, a imensa e generosa cozinha, completa, e no quarto, a nossa cama, e o desejo despido entregue a navegar, a nossa juventude. Beth Mattos –  E.M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

O que me interessa é o momento em que você decidiu matar – me também na sua cabeça. Por certo, deve ter havido um dia no qual você disse a si mesmo: a guerra acabou, o tempo de proibição à caça se foi. e agora eu posso, como naquele ritual de sacrifícios a que assistimos comer sua alma e publicar seu manuscrito com meu nome.” (p.109)

PS2

” Em minha vida maluca, cheia de aventuras, banal, sempre faltou – me tempo. Tempo para o amor, tempo para a reflexão, tempo para o repouso, tempo para não fazer coisa alguma. Tempo para mim. Temo que seja você o ladrão desse tempo que sempre me faltou.” (p.115) Michael Krüger  A ÚLTIMA PÁGINA

“ouve e não responde”

TORRES, 22 de fevereiro de 2018 parece ser uma boa data. Ouve, não responde. Urgente! Palavras, sussurro de desejo. Dizer explicar e se revelar. Centro de Terapia Intensa, oito dias, a fibrilação parou. Interrompe o pânico! Não entendo nada de coração. O meu vai parar e pronto. Espero não sentir medo, vou sentir, e não vais estar ao meu lado. Cirurgia de sucesso, ou… Não sei. Invento tudo, mesmo o pânico, a doença, o delírio.  Um susto: o grito, o corte, a cicatriz. Qualquer hospital: o exame, o sangue, o medo e o pânico: fibrilação. Claro que estou errada: o coração cansa, pede socorro, e se agita. Ou adoece devagar. Não sei mais, num ano a memória, a danada lembrança se espicaça. Desgastada apaziguada ou do mesmo jeito, inquieta, espera. Ela te espera triste. Dias inteiros, completos, cheios, quase semana e a obsessão de te pensar ou te querer se despede, parece… Foi. Não penso, apenas volta a entristecer, então não saiu / não terminei de pensar o impossível. Deveria ter saído…

Não consegui/ não consigo chegar / alcançar o extraordinário, sigo escondida   em / na famigerada humildade franciscana católica que não sou eu, nem monja nem crente, nem artista, nem pianista ou… Depois de setenta anos ainda não sei. Setenta e três, que sejam setenta e cinco, com margem. Talvez eu descubra. Não tenho os anos necessários de terapia, deveria ter. Droga! Tudo fraccionado. O que eu desejo? Que releias, que me tenhas inteira, que me olhes e me vejas agora, talvez agora velhice e exaustão voltam a fazer sentido. A dose, toda energia de “ouve e não responde”, desabe na mulher e no desejo de obedecer. Sim, eu faria / farei (se possível for) o possível e o impossível. Atravesso o envelhecer e a exaustão para ser quem desejas que eu seja. Voltarei a cozinhar a limpar e a passar roupa, e a fazer amor repetidas vezes porque assim o desejas. Voltarei a beleza, ao cuidado, ao perfume, as meias de seda, aos saltos altos, ao mar, ao biquíni preto, aos olhos velados e a dançar sorrindo, apenas para teus olhos. Serei mulher no sentido completo do possível, o meu. Ah! Saíste a discursar no arrazoado e intenso desejo, em tempo, de me estender a mão, ou me fazer ouvir, mostrar o caminho e me fazer conduzir, a mim mesma inteira, possuída alegre e feliz para teu gozo. Tu não me vias feliz, e eu te confesso, não sou feliz, eu tento ser ou  parecer. Eu faço de conta. Escavo na alegria natural de aceitar, e polemizo para crucificar. Preciso de outra vida. Ou outras muitas vidas para chegar  perto de ti, agarrar tua mão e ser bonita aos teus olhos. Inteira. Irrito, eu sei. Não ouço. Não escuto, não me faço entender. Tu me fizeste parar. Tu me agarraste com os olhos. Hoje, agora, terminou. Terminou o prazo de esperar. Humanizada, posso chorar. Tão bom disparar as teclas, escrever e chorar diante de nós dois que nunca nos veremos, nunca nos teremos, nunca nos tocaremos! Eu sinto o que dizes, acordo de tanto sentir / escutar tua voz a me dizeres: “generosa, inteligente, charmosa e fêmea -, com alma. ” Anotei / reescrevi estupefata. Talvez…, como vou saber se nunca presto atenção e não sinto a vida, vou pelas beiradas, assustada. Não finalizo, não sou eu, não era eu, eu te espero, outra andava distraída. Desde o primeiro baile. Do começo do violão e do piano, ou dançar, ou escrever, fazer televisão, entender de pintura ou de livros, ou da culinária, eu estava a te esperar.  E nunca fui a Aspen esquiar, fiquei em casa estudando francês: a vida  limita sonhos. Todos foram, eu tinha as crianças, eu não ousaria desafiar nem pai nem mãe.

Talvez tivesse aprendido a desafiar tudo e todos se soubesse que me espiavas… Mas eu me vestia apressada para trabalhar/sair e viver. Para acordar, para correr, para fazer o que precisava ser feito. E tu me espiavas… Eu não sabia.

Há que existir forma/jeito/ maneira para cumprir/ fazer acontecer o desejo. Estarei nua, serei sensualidade e desejo: o teu e o meu desejo ao sol. Ou estarei vestida, atrás / dentro dos vestidos sobrepostos. Das saias, das golas, dos cabelos na desordem certa de agradar. Na tua imaginação entregue, e na fantasia completa com teu despudorado dizer, a minha voz alegre entregue. Quando dizes: “ouve e não responde”, permaneço prisioneira. Eu obedeço. Dependo ansiosa do teu comando. Ansiosa. Intoxicada pelo desejo. Afeto e respeito e sedução, como dizes. Usas a palavra afeto. Tudo picado e avolumado, presente. Quando te vestes eu te espio, eu me invento enfiada nos travesseiros. E tu sais depois de um beijo apressado. Tudo inventado, mesmo o sono que não sinto, tudo para te segurar, sem choramingar, mas vais saindo apressado, sempre apressado para fazer acreditar que não me queres tanto assim, inventas, tu seduzes e segues. Estou a ousar de dentro da timidez: olhos abertos. Com certeza eu te observo com desejo. Arredia, mas cederia generosa ao teu beijo demorado. E tua palavra me acende com fogo: Tu és mais do que admites ser, por ser mais, te escondes.  Vou trocar “velhice e exaustão ” por feminilidade e sedução e sexualidade. Por que não  posso te ver / por que não nos encontramos, eu sigo a me perguntar sedenta. Por que não falas comigo, e te deixas enfeitiçar pela vida a correr e a correr… Não te esconde. Eu ainda posso te fazer sonhar e te amar tranquila, quieta neste entardece, amanhecer. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

“ouve e não responde”; por que não obedeci?

espiar

Espiar, olhadinha, ousar deixar ficar pode ser… não sei. Estou travada, Endurecida, susceptível, desanimada, sem encanto, sem voz. Há de passar. Espero. que o peso do dia da noite não me faça desaparecer.

Ainda não fui ao correio embora teu livro esteja na cabeceira da minha cama empacotado.Uma desculpa: ser lenta. Será que vais gostar da singela leitura… Não gosto de recomendar livros, e  mesmo ainda de presentear. Repenso. Espero um gesto, uma voz. Uma flor, um ramo de jasmins…

Nós, leitores, espiamos a biblioteca dos amigos, mesmo que seja só como distração. Às vezes para descobrir um livro que queríamos ler e não temos, outras saber de que se alimentou o animal que está à nossa frente. Deixamos um colega sentado na sala e na volta o encontramos invariavelmente de pé, fuçando nossos livros. 

Mas chega um momento em que os volumes cruzam uma fronteira invisíbil que se impõe por seu número, e o velho orgulho se transforma numa carga  fatigante, porque o espaço será sempre um problema. Preocupa – me com o lugar onde colocar uma nova estante quando chegou às minhas mãos o exemplas de A Linha de Sombra, que volta, desde então, sob a forma de uma perpétua advertência.” (p.21) Carlos María Domínguez – A casa de Papel

Nós posso definir onde começa  nem onde termina a relação que estabeleço com uma pessoa (qual o meu limite / onde a vontade dela : será indiferença / qual sentimento / sentido? A linha de sombra delimita, O que preciso para avançar / atravessar o que nos separa? Ou isso ou aquilo? Quando? Quando será possível, ou fácil? Ou nos perderemos um do outro definitivamente? É preciso chegar. Não sei. Estou impotente, azeda e presa, enraizada. A leitura das revistas, A saudade de mim mesma, o tamanho deste poço em que me enfiei. Ainda não encontrei água, Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

 

“Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder.”

Tentar escrever. Escrever tentando encontrar. Se retomo autores, releio a menina, a jovem, ou passado, não sou mais eu! Que vontade tenho de voltar… Confesso, não sei se iria para a Noruega, ou para a França, quem sabe a Suíssa, ou a Suécia, ou apenas voltar para o começo, e recomeçar, ainda na rua Vitor Hugo. Em Petrópolis. Em casa. Choramingo. Karl Ove Knausgard:

“Escrever é mais destruir do que criar. Rimbaud sabia disso  melhor do que ninguém. Digno de nota não é ele tenha chegado tão inacreditavelmente jovem a esse insight, mas que tenha aplicado isso em sua própria vida. Para  Rimbaud tudo dizia respeito à liberdade, tanto na escrita quanto na vida, e só porque a liberdade tinha um papel dominante que ele  podia deixar a escrita em segundo plano, ou até tivesse que deixar a escrita em segundo plano, pois ela também se tornou para ele um limite que deveria ser destruído. Liberdade é igual a destruição mais movimento. Outro escritor que percebeu isso foi Aksel Sandemose. Sua tragédia foi ter conseguido alcançar esse objetivo somente na literatura, e não na vida. Destruiu, e permaneceu no meio de ruínas. Rimbaud foi para a África” (p.182) Karl Ove Knausgard Minha Luta 1 A morte do pai – Tradução do norueguês Leonardo Pinto Silva

“Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder.”(p.7)

Torres, 2 de junho de 2016. Ancorada em leituras, notas, escritos, e firme na minha jornada à caça de liberdade, e manhãs ensoladas e aconchego de velhas histórias inacabadas. Todas, de certa forma, intensas e transbordo em cartas / memória e passado/presente. A descoberta:

Nosso mundo está encerrado em si mesmo, encerrado em nós, e não há mais como escapar dele. Quem nessas circunstâncias clama por mais interioridade, mais espiritalidade, não entendeu nada, pois aí é que está o problema, o espírito tomou conta de tudo. Tudo se tornou espírito, até mesmo nosso corpo não é mais corpo, mas ideia de corpo, algo que se encontra no paraíso de imagens e representações dentro de nós e sobre nós, onde uma parte cada vez maior de nossa vida é vivida. As fronteiras daquilo que não nos diz nada, o impenetrável, foi eliminadas. Compreendemos todas as coisas, e isso porque fazemos tudo em proveito de nós mesmos.” (p.207)

Enquanto escrevo redesenho colorido aquele primitivo rabisco feito,  e defeito, num caderno depois do outro, incansável. O mesmo. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres

Sim, a nossa conexão não se explica, nem se confirma, muito menos se contempla. Estou debruçada em janelas laterais e as vozes soam na calçada misturadas com outras vozes. Por nós eu moraria no campo, por nós eu moraria na serra, por nós eu moraria na praia, ou ficaria pelas calçadas. Mas não existe nós… Então, eu tomo sucos. Como pastéis, e te conto novas histórias. A cada noite eu volto a te explicar como foi errar, e recomeçar, e tu me abraças, e nem te dás conta que o meu pescoço com tantas pérolas esconde pele enrugada, e brinca de ser rainha… Elizabeth M. B. Mattos / Torres

o bilhete de Gianfranco

CRIANÇAS

“As crianças deviam ser educadas em contato com grandes bibliotecas particulares. A convivência diária com espíritos sérios, ambiente sábio, escuro, silencioso, a contínua adaptação à mais meticulosa ordem, no espaço e no tempo – que meio mais indicado para ajudar criaturas sensíveis a atravessar a juventude?” (p.15)Elias Canetti – Auto de Fé Editora Nova Fronteira – 1982

Durante o tempo que estivemos juntas (sempre apertado, ligeiro) imaginei cada palavra que poderia sublinhar / dizer, pensei o discurso. Escolhi as  palavras. Imaginei o pretexto a especificar / justificar tal conversa. Separei qualidade e defeitos. Confundi amor com responsabilidade. Felicidade com abnegação. Eu apenas escutei tua voz. Tão logo saíste, elaborei mentalmente a carta que escreveria. Reconsiderei pontuando a dificuldade. Seria invasiva, ‘fora do lugar’ se voltasse a repetir cada palavra… Nossa conversa ligeira, de imediato a voz, sempre me paralisa. Repassei leituras adequadas, procurei autores que me ajudariam a dizer. Assumi  o silêncio sem advertência, uma nova posição. Tantos filhos! Todas as palavras! Apenas o não dito importa. Elizabeth M.B. Mattos – julho de 2019 – Torres de dia com sol, quase delícia. Agora frio.

perdidos achados: estranhamento

Estou em Recife, não exatamente no turístico que Pernambuco pode ter/mostrar e faz acontecer, mas na casa da filha, a caçula. É recomeço. Estudo / escola, termina o sonho e e reforça a vontade. Sinto nos seus trinta anos o empenho festivo dos foguetes, foguetes encantam e assustam. Beleza e perigo. Lembras das festas juninas? Bom aquilo. Bom e boa quente terna a lembrança de sermos os meninos tranquilos/ansiosos/corajosos/ protegidos que a memória devolve. Tu a mudar o mundo, a te renovar a cada esquina, eu a me sentir no meio do caminho. Não consegui até hoje explorar, saber, conhecer este mundão que se revira, assusta / muda e deslumbra. O desejo desgovernado, manso e fantasioso de redescobrir / inverter transformar, colorir a lógica, crescer estendendo galhos e frutificando. Recebi as cartinhas da Beth, aquela Elizabeth apaixonada, a se derramar arrumando. Preocupação, ou pretensão? A vida me deu boas sacudidelas, ora o precipício, ora a salvação, ora o nada na solução casual, e definitiva: filhos.
Sempre as cartas. As cartas que se propõem pontes, e conversas íntimas… E nada menos íntimo porque o tempo nos ensina / mostra e faz ver que a possível intimidade está no corpo, no beijo, no abraço, no olhar, no aperto de mão, no sexo ele mesmo. Sem toque se flutua como balão. Ou se extravia numa balsa, ou num precário barco pesqueiro. Ou numa fantasia que se solta em alto mar pronta a ser engolida no primeiro refluxo, na primeira volta. Ou seja, nada existe. Radical?  Não sei. Ainda não me demorei na releitura. Uma síntese da minha vida daqueles anos que se amontoaram na tua ausência. Valorizam endeusam, se espicham carentes, mas logo se resolvem na vida como ela é, uma surpresa. Neste Recife onde estou não faz / não está muito calor: um quente úmido, estranho. Estou absolutamente concentrada no pequeno apartamento da Luiza, agradável. Entre prédios, buzinas, vozes e o cinzento descuidado da cidade. Não fui, ainda, ver o Francisco Brennand. Arrasto meu humor e amoleço, mas estou cheia de vontade de percorrer a Oficina, vontade menor de ver o tal castelo do irmão Ricardo. O Capibaribe me parece o maior rio do mundo, do meu mundo que é limitado por dunas, e a Lagoa do Violão. Eu só me debruço na janela, nunca enfrento a vida. Um beijo e claro, a saudade também. 16/05/2017 Beth Mattos

P.S.

Tenho que colocar ordem no caos. E não posso sublinhar expressões amorosas. Ou surtos de saudade, ou dependência do papel, ou um do outro. Estou fora da realidade. Há cada um seu pequeno /grande universo. Ser sozinho é ruim/péssimo. Complicado, mas dois neste momento: precipício/ abismo. Não sou não és lobo solitário: temos o mundo em ordem. A ideia de apaixonar desarruma. Estou assustada. Assustada. Está tudo virado. Do avesso.

Editado em julho de 2019 – Elizabeth M.B. Mattos – Torres / revirando os arquivos

ADJETIVO e delicadeza:

“Você é uma alma delicada, sensível, penetrante. Tudo aparece com clareza nos teus textos. Pode parecer que você quer diluir sentimentos, tentar explicar para você mesma o que aconteceu ou acontece. Mas, não, é um suave langor sedutor. Permissão entre as dobras do destino e do querer. Extremamente excitante. Na carta, você reclamou de minha agressividade. Para mostrar isso, eu que era aprendiz de dissimulador dos sentimentos, para você, só pode haver uma possibilidade: ciúme.
Não gostei. E já estava saindo para festas. Queria uma reserva para mim, eu acho. Depois segui meu caminho, como da ordem natural das coisas, naquelas idades.”

Editado em julho de 2019 – Elizabeth M.B. Mattos – Torres / revirando os arquivos

“[…] corremos atrás de coisas e perdemos a alma”

Tempo fechado, este meu. Impossibilidade de ação. A vida surpreende… Vou tentar resgatar, e mudar o meu olhar. Plena adaptação, ainda sem asas, mas quero voar. Voltar a trabalhar, o mais importante. Trabalhar não significa necessariamente remuneração, mas produção. Energia pulsando. Encontro texto do filme.

De W. Wenders e M. Antonioni: Par dela les nuages – Além das Nuvens

A coisa mais difícil é não se interessar por nada. Não ler, não ter nenhuma distração. Alcançar o silêncio e a escuridão. É no silêncio que a realidade se acende. É na escuridão que as vozes chegam de fora”.

“[…] corremos atrás das coisas e perdemos a alma”.

Dúvidas, arrependimentos, pesares. O limite de nosso cérebro, de nossas experiências, cultura, de nossa inspiração, de nossa imaginação, pesares. Sinto preguiça. E, ao invés de pensar nas coisas prefiro senti-las”. 7/11/2005 10:43:31

 

ir para poder voltar

É bom ir para poder voltar… Quando me movimento o desastre. Exagero nas pitangas. Atravesso a casa com pés molhados. E o prazer? Vejo o mar brincar. Estar nos braços de Artur, conquistar o Sérgio com batida de banana, leite e chocolate ou bifes com batatas fritas? Brincar com os meninos: fileiras de carrinhos pelo chão. Passeio de bicicletas, beijar mais o João. Ou tricotar com ponto aberto, agulha grossa, linha fina, para render manta comprida. Colher as pitangas do vizinho com escada, encher potes depois de pular o muro, fazer geleia. Esperar o genro com almoço. Olhar, olhar muito, olhar bastante para eles todos. As tardes, todas, inteiras, só para mim. Cheirar o mar. Cães, chá e outro chá. Sestas longas, e livros para ler. Comprei papel de carta! Ninguém mais usa o correio, os selos.  Desordenadamente, passo os olhos pela casa na intenção de fazer alguma coisa útil. Ser minuciosa e dedicada, mas sinto preguiça… Ordenar os livros nas estantes? Quem sabe organizá-los por temas, ou sentar para ler. Pego um, largo, abro o seguinte, leio um pouco feito passarinho picando fruto doce. Não é leitura, pura ambição. Quero contar em detalhes o que faço, responder ao que escreveste. Quero que saiba que estou de volta, e que vou tentar outros empregos, outro jeito de arrumar a vida. Agora volto ao O morro dos ventos uivantes. Releitura. Beth Mattos – 1999 – Torres

Ambos estavam sentados, perto da janela, cujos postigos se achavam encostados à parede, e por onde se descortinava, para além das árvores e do jardim e do parque, selvagem e verdejante, o vale de Gimmerton, com uma comprida linha de nevoeiro, que se enovelava nas extremidades nas extremidades […]. O Morro dos Ventos Uivantes se elevava acima daquele vapor prateado, mas nossa velha casa estava invisível, mergulhando no cenário.”(p.92) Emily Brönte / Editora Abril -1979